Vinde e vede!

Reflexão para o mês de abril de 2025

“Mestre, onde moras? Vinde e vede!” (do Evangelho segundo São João)

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Esta passagem do Evangelho segundo São João apresenta-nos o encontro de Jesus com aqueles que foram os seus primeiros discípulos. Este encontro acontece no rio Jordão, um dia depois do Batismo de Jesus. Aqueles dois homens, maravilhados com tudo o que tinham presenciado, seguem Jesus e interpelam-no: “Mestre, onde moras?”. Ao que Ele responde, em forma de convite: “Vinde e vede!”. Eles seguem-no e assim começavam o seu caminho para a Terra Prometida.

A pergunta que os discípulos entregam a Jesus é fruto da sua sede, da sua busca, da sua procura. Não é uma questão de curiosidade. Não é também uma questão de lugar físico ou geográfico. É antes um desejo de sentido. Não é um simples pedido de localização, mas um anseio de habitação da alma. Esta questão colocada exprime o desejo de conhecer e compreender quem é verdadeiramente aquele Homem que ama com gestos, que salva com palavras, que anuncia uma eternidade feliz.

Esta questão feita pelos discípulos a Jesus pode ser ampliada para nós e é sobre nós mesmos: “Mestre, onde vives? Onde estão as tuas raízes? O que é te vivifica? Onde está a fonte para bebermos dessa tua água? Onde podemos permanecer enraizados em Ti? Onde nos podemos sentir acolhidos em Ti? Onde habitamos nós? Em que moradas depositamos a nossa esperança? A quem ou a quê nos confiamos?” Deixemos que estas interpelações ecoem em nós como um mantra contínuo e que descubramos que o Mestre mora onde O deixamos morar: dentro de nós.

À pergunta que os discípulos lhe fazem, Jesus, com a sabedoria de quem sabe que a verdade não se explica, mas se experimenta, responde com um convite: “Vinde e vede!”. Não lhes entrega um discurso recheado de aforismos nem tão pouco moralizações abstratas. Oferece-lhes sim um convite à experiência. “Vinde e vede!” implica um deslocamento, uma saída da zona de conforto, uma confiança naquele que nos chama. Muitas vezes, sentimo-nos sozinhos e abandonados porque só procuramos este Deus nos sítios errados. Julgamos que Ele está nas respostas rápidas e imediatas, nas seguranças concretas, nas ações provadas de forma racional e até científica. Pois, a verdade é que dificilmente O encontraremos assim… Deus está no caminho que fazemos, na busca do quotidiano, nesta peregrinação que a vida é e só teremos acesso à sua morada se confiarmos nesse mesmo caminho, se peregrinarmos em confiança, se nos disponibilizarmos ao compromisso. O encontro com Deus não é uma teoria abstrata, mas sim um caminho que se faz. A relação com Deus não parte de mapas prontos, mas de convites aceites na confiança.

Deus chama-nos sempre, Ele quer-nos sempre ao Seu lado. Mas ama-nos de tal modo que até nos dá a liberdade total de rejeitarmos este Seu chamamento. Quando aceitamos este seu convite, assumimos o risco próprio que a fé traz consigo. A fé é, antes de mais, uma resposta, uma ida na direção de Deus. É um desejo de caminhar, de fazer viagem, de navegar tantas vezes por “mares nunca dantes navegados”. De nada nos serviria a fé se não nos permitisse seguir pelo desconhecido. A Fé é um processo que cresce com o risco, abrindo-nos caminho que é a nossa vida toda.

Ao acederem ao convite de Jesus, aqueles dois homens não conheciam o final da sua história. Não sabiam, naquele momento, que iriam viver a mais extraordinária vida com Jesus, cheia de dias desafiantes, de palavras poderosas, de encontros abraçados, de espaços acolhidos. Não sabiam que iriam enfrentar a dor da cruz e, depois, encontrar a luz. E tudo começou com uma simples pergunta…

“Vinde e vede!” encerra o desejo do encontro, o combustível imprescindível para mantermos acesa a vontade de continuar a procurar. É uma chama que se mantém acesa em proporção ao sentido e à grande importância de quem ou do que se busca. Viver é desafiador na medida em que viver é procurar.

Nos tempos atuais, em Igreja, particularmente em contexto paroquial, creio que o mais desafiador é fazer com que os cristãos “venham e vejam”. Numa época em que as sociedades nos impõem que vivamos assoberbados com o trabalho, com o estatuto social, com os bens materiais, com o “show-off” das redes sociais, é, por vezes, difícil aceitarmos o convite para um encontro religioso, para uma experiência espiritual, para uma formação teológica. Mas a experiência também nos diz que depois de aceites e experimentados estes convites, abre-se uma nova realidade na vida das pessoas, encontra-se uma maior disponibilidade de horários e, assim, sem mais reservas, acedemos a uma outra compreensão da vida, de Deus, de nós próprios. Quem decide vir e ver, não fica indiferente: transforma-se. O olhar que vê Jesus já não é o mesmo; é um olhar que atravessa as sombras e se deixa iluminar pela verdade.

“Vinde e vede!” é esse convite a ousar abandonar o comodismo da fé acomodada; é esse chamamento a caminhar de olhos fechados, mas sempre de mãos dadas com Ele; é esse desafio à transformação pessoal com a única certeza da oferta uma Eternidade feliz. Que eu tenha a disponibilidade de me colocar sempre esta pergunta: “Mestre, onde moras?” e a vontade de encontrar a resposta. Que os meus pés sigam sempre nesta estrada, que os meus olhos vejam sempre esta claridade, que o meu coração deseje sempre ir ao encontro daquele que me ama.