Arquivo mensal: Dezembro 2025

A vida visitada

Reflexão para o mês de dezembro de 2025

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo.” (do Evangelho segundo São Lucas)

Para a Beatriz, a Diana, a Patrícia e a Sofia com quem vivi, em irmandade, os Exercícios Espirituais que hoje terminam.

A cena de Naim parte de uma dimensão profundamente humana: uma mãe viúva que perde o filho, uma multidão que acompanha este abismo de dor e um silêncio pesado que parece decretar um fim irreversível. Mas nesta passagem do Evangelho de Lucas, o inesperado também acontece: uma vida irrompe onde já não havia esperança. O povo, maravilhado, exclama: “Deus visitou o seu povo.” Não é apenas um constatar; é um despertar. É o perceber que Deus não permanece distante, mas se inclina, se aproxima, abre caminho no meio daquilo que parecia impossível.

Vivemos por estes dias o início do tempo do Advento que nos convida precisamente a acordar para a presença de Deus que se faz próxima, concreta, humana. Não é uma visita ruidosa, mas uma presença paciente, quase tímida até. É uma visita que transforma a forma como olhamos o mundo: cada gesto torna-se sinal, cada encontro ganha valor, cada silêncio pode ser o lugar onde a esperança respira. Deus nunca se impõe. É uma presença subtil, discreta, mas, ao mesmo tempo, sempre pronta para “entrar em ação.” E sou eu quem escolhe acolher ou não esta presença. Sou eu quem O deixa ou não me visitar. Sou eu quem lhe abre ou não a porta do meu coração e da minha vida. Por isso, é preciso que eu me disponha a este acolhimento, a deixar-me ser visitada.

Deus visita o seu povo quando a luz vence a escuridão da noite. Visita-nos quando descobrimos a coragem heroica dos reinícios. Quando acolhemos a fragilidade do outro (e a nossa!) com ternura. Quando percebemos que o nosso coração, mesmo ferido, ainda tem espaço para acreditar. Deus continua a visitar-nos de inúmeras formas. Ele conhece-nos e sabe aquilo de que precisamos. Ele vem até nós no amor e na dor. Vem através de uma leitura, de um abraço, de uma história de vida, de um nascimento ou até de uma morte, de uma música ou de uma dúvida que persiste em ficar. Um Deus sempre novo vem visitar-nos. Um Deus que nos quer cuidar e dar uma nova perspetiva de vida, tão diferente daquela que o mundo nos quer impor. Deus aproxima-se dos nossos lugares esquecidos para os tocar com a possibilidade de recomeçar. Neste Advento, talvez possamos pedir o dom de reconhecer estas visitas discretas. Não para as controlar, mas para nos deixarmos surpreender. Este tempo propício lembra-nos que Deus não chega com a força de quem impõe, mas com a humildade de quem se dá. Vem como criança, não como rei triunfante. A sua primeira visita acontece no estábulo, não no palácio. Acontece no quotidiano, não no extraordinário. Talvez este seja o grande desafio espiritual deste tempo: aprender a reconhecer Deus no que parece pequeno e insignificante demais para O conter.

O povo de Naim não esperava aquele milagre. A morte parecia ter dito a última palavra. E, no entanto, é exatamente aí que a visita de Deus se revela: não nas zonas iluminadas da vida, mas no vale mais escuro dos nossos enredos. Ele chega onde dói, não para nos forçar a esquecer, mas para transformar a nossa forma de existir. Não são as situações que eu vivo que definem quem é este Deus. O que me acontece são possibilidades da visita deste Deus em mim. São oportunidades de presença e de atuação de Deus. As perguntas que Ele nos coloca são sempre estas: “Deixas-me entrar? Posso fazer parte da tua história?”. E quando tudo está bem, gostamos muito de O receber, de preparar a festa, de organizar a visita. Vestimos a nossa melhor roupa, embelezamos a casa e arranjamos o espaço perfeito. Mas o grande desafio é deixar que este Deus também possa entrar em nós nos momentos difíceis, quando só queremos estar quietos e mudos, quando temos o caos instalado, quando tudo está desorganizado. A maior das graças reside precisamente aqui, deixar que Deus nos visite nas nossas amarguras, nas revoltas, nas dúvidas.

A visita de Deus no Advento não é uma ideia poética ou mágica. É um movimento concreto que toca tudo aquilo que em nós parecia ter morrido: o entusiasmo que se apagou, o amor que se gastou, a confiança que se perdeu, aquela parte de nós que fechámos por cansaço ou desilusão. O Advento pede-nos um despertar. Não o de quem corre na agitação dos dias, mas o de quem se torna atento. O coração começa a pressentir que a vida não é só aquilo que vemos. Há uma presença que se insinua, uma promessa que se avizinha, um infinito que se desenha. Quando deixamos que Deus visite o nosso coração, mesmo nas suas rotinas, cansaços e fragilidades, começamos a ver a vida com uma luz diferente. Cada pequeno acontecimento torna-se um sacramento da sua presença divina. E, como o povo de Naim, também nós podemos dizer com todo o coração: “Deus visitou o seu povo.” E perceber, com gratidão e alegria, que esse povo somos nós.

A nossa vida é esta estrada visitada. O nosso Deus é o Deus da visitação que quer entrar na nossa história e viver connosco uma grande história de amor. A grande promessa do Advento é esta: a visita de Deus já começou e a nossa vida é o presépio onde Ele mais deseja nascer. Que este Advento seja um lugar habitado pela coragem de acolher o que chega e que o nosso coração possa ser o espaço onde a visita de Deus encontra para sempre morada.