Alegrai-vos!

Reflexão para o mês de dezembro de 2023

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

“Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!” (Carta aos Filipenses 4,4)

Estas palavras de São Paulo pertencem às chamadas cartas do cativeiro, isto é, cartas por ele escritas quando foi prisioneiro em Roma. A realidade vivida por São Paulo quando escreve à comunidade em Filipos não seria aparentemente compatível com a alegria que ele tantas vezes repete ao longo da missiva. Preso e torturado no cárcere romano, Paulo escreve as que foram consideradas as suas mais esperançosas e profundas cartas. Como é isto possível? Como se encontra tamanha alegria em contextos como estes tão difíceis e obscuros? Que radicalidade é esta que nos indica uma alegria maior? Para quê nos devemos nós alegrar?

Nunca em tantos lugares e tempos se falou tanto de alegria. A alegria surge como uma exigência a viver, é destaque nas redes sociais, é um imperativo sinónimo de sucesso. Vemo-nos a chegar à época natalícia e a palavra alegria não só redobra o seu uso como também a sua necessidade de exigência. Que alegria é esta com que nos deparamos? Ao refletirmos nela, concluímos que esta alegria que o mundo nos apresenta é um sentimento que faz depender totalmente a sua existência das circunstâncias e do estado de espírito de cada um. Por isso, é efémera, é volátil, é frágil. Porém, também faz parte de nós e também a devemos viver, claro! Quem, por exemplo, não vibrou de alegria que se multiplicou por um país inteiro quando todos nos vimos a ganhar a Eurovisão? Esta alegria existe e é humana. Mas Jesus apresenta-nos uma outra forma de existir em alegria. A questão reside em como podemos viver uma alegria sem prazo, sem data de validade, sem dependências externa. E a resposta só a encontramos – se abrirmos o nosso coração e o nosso entendimento – à mensagem de Jesus Cristo, ao seu modo de viver e de nos fazer viver. A alegria constitutiva da experiência cristã é única. Não é uma alegria que dependa de êxitos e sucessos financeiros e sociais nem de conquistas profissionais. É uma alegria assente na certeza de uma eternidade, de uma mensagem libertadora, de uma presença de amor. Não está sujeita à satisfação de uma sensação imediata ou à busca de um prazer nem é comparável.

“Aos cristãos é pedida a arte de fazer a alegria”, interpela-nos o Cardeal José Tolentino Mendonça. Esta arte da alegria é processo, é decisão, é caminho. Buscar a alegria, procurá-la, cultivá-la é uma tarefa árdua a ser cumprida todos os dias. É exigente e, tantas vezes, hercúlea e nem sempre a encontramos com facilidade. Obviamente todos nós estamos sujeitos a mudanças de humor, a irritações, a fúrias e desentendimentos. Todos nós somos atingidos por problemas e dores. Todos nós temos o direito de chorar, de nos sentirmos tristes, de nos questionarmos. Por isso, é também importante criarmos em nós esse espaço de sentir para deixar fluir o que dolorosamente experimentamos. Só assim possibilitamos, também, a abertura à alegria, que é a base firme que está em nós, apesar de todas as circunstâncias. A alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas da vida, por vezes tão duras. Adapta-se e transforma-se, mas permanece sempre pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados por um Deus que nos espera. Esta é a maior riqueza de quem se diz cristão. A de sabermos e confiarmos que fomos criados para esta alegria. Mesmo quando é difícil vivê-la e assumi-la por inteiro. A alegria de um cristão não provém da ingenuidade ou da incapacidade para ver e assumir aquilo que é trágico. Esta alegria cristã que nos é dada é aquela alegria que se vive “apesar de tudo” e também “a partir de tudo”, inclusive do que lhe seria, normalmente, contrário. A penúltima palavra pode ser a da experiência da dor, mas a última palavra é sempre a da alegria que nos resgata. Por isso, é possível no meio do caos experimentar a bênção da alegria, pois é ela que nos salva de sucumbir à desgraça, à dor, à desolação. É possível encontrar a alegria mesmo nas circunstâncias mais cruéis e difíceis, precisamente porque essa mesma alegria salvadora vem de Deus, de um Deus que é tudo em nós e que é promessa de Terra Prometida.

“A alegria é a coisa mais séria do mundo”, disse-nos Almada Negreiros com toda a razão. Ser alegre é viver em profundidade, é escolher a luz que nasce do escuro, a certeza que vem das dúvidas. Ser alegre implica a gestão das nossas expectativas, necessidades, idealizações. A alegria é dom, mas também é tarefa, investimento, escolha. A alegria é simplicidade, é atenção, é leveza, é gratidão. A alegria é artesanal porque é construção, é processo de corta e cose e volta a cortar e a coser. A alegria multiplica-se quando é vivida em comunidade, quando se partilha, quando se testemunha. A alegria faz-nos maiores porque nos faz ser com os outros. Não pode haver alegria sem o(s) Outro(s). A nossa vida é um oceano de emoções, de paisagens tranquilas e de acontecimentos tumultuosos. O fundamental é viajarmos nesse oceano acompanhados pelas pessoas certas, aquelas que nos acrescentam, que nos elevam, que nos constroem. Há uma alegria serena que se vive entre quem é irmão, entre quem fala a mesma linguagem, entre quem cresce em comunidade. Uma alegria que se experimenta a partir da confiança no outro que me acolhe, sem preconceitos, sem julgamentos, sem ataques. Uma alegria profunda porque partilha vivências que só são possíveis quando os corações se decidem encontrar e fazer caminho. Uma alegria que nos salva da morte porque nos permite olhar para a vida de outra forma, olhar para o que somos e com quem somos com um coração agradecido. Por isso, em relação à grandiosidade da vida, nós temos de nos deixar invadir por uma alegria eterna, uma alegria plena, mesmo quando a pequenez das pequenas coisas dessa mesma vida nos parece derrubar.

“Não se trata de levar uma alegria passageira, uma alegria do momento, trata-se de levar uma alegria que crie raízes.” (Papa Francisco, discurso na vigília JMJ Lisboa 2023) Uma alegria que crie raízes é aquela que nos sustem, que nos mantém erguidos mesmo quando tudo nos parece derrubar. Uma alegria enraizada na certeza de que se escolhermos o caminho do Amor, tudo suportaremos. Uma alegria que nos fixa ao que realmente importa, que transforma a dor em luz, que nos faz viver e ser de outra forma. Uma alegria que não é algo que nos acontece, mas que somos nós a acontecer porque, na nossa profundidade, está aquela semente de amor que Deus nos dá.

“Alegrai-vos” deve ser o nosso mantra para todos os dias. A alegria é um ato de resistência e, consequentemente, de fé, pois nos leva a acreditar na eternidade para a qual todos somos chamados. Que saibamos continuar a fazer caminho com esta alegria que nos vem da confiança num Deus que vive sempre connosco. Que as nossas palavras, os nossos gestos, as nossas escolhas reflitam sempre esta alegria que vem de Deus e de nos sabermos escolhidos para uma Vida sempre maior que nós próprios.

P.S. A acompanhar este texto está uma das fotografias mais reveladoras desta alegria que brota entre corações que se amam e se doam profundamente ao(s) Outro(s). Meu irmão, minha irmã! Que benção a nossa!