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Uma Força que nos leva

Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

O jornalista Luís Osório publicou, no seu mural de Facebook, um texto sobre o acidente que vitimou, no sábado passado, alguns dos ocupantes de um autocarro que seguia na A1 a caminho de Fátima. Não é um texto sobre as circunstâncias ou os porquês do acidente. Não é um texto sobre a finitude da vida humana ou sobre a efemeridade da nossa passagem terrena. Não é um texto sobre morte. É antes uma reflexão sobre como no meio da morte a vida continua a fluir, sobre como é possível viver a Força quando tudo à nossa volta parece ruir. É ainda um texto sobre a Páscoa, sobre passagem de testemunho. É um hino de ação de graças. É um quadro para o qual devemos olhar sempre que o nosso egoísmo nos vence, sempre que a indiferença nos ataca, sempre que nos esquecemos dos outros. É um apelo a não nos deixarmos derrotar pelo pessimismo, pela ingratidão, pela rabugice que estão sempre à espreita para nos fazer cair na tentação de sermos menos humanos. Por isso, este texto do jornalista Luís Osório é sobre a vida que vence sempre a morte, sobre fortaleza que nos preenche quando a fraqueza nos quer dominar nos momentos sombrios.

Quando a Lara partilhou este texto no nosso grupo, entendi-o tão claramente como se já o conhecesse. Emocionei-me. Pela visão que revela. Pelos sentimentos partilhados. Pelas memórias que me trouxe. Quem já viveu as partidas de quem se ama, entenderá certamente esta Força que, naqueles momentos mais dolorosos, nos acolhe e nos faz caminhar e ser consolo e abrigo para quem está perto de nós. E foi exatamente esta Força que eu experimentei no momento em que o Jorge morreu e que se estendeu nos dias seguintes com tantas manifestações de amor e de vida. Senti-me invadida por uma força tão intensa, tão visceral, tão profunda que me impelia a cuidar de quem estava à minha volta e a levar Vida, sempre a Vida a quem precisava. Há quem chame a esta força um instinto de sobrevivência, uma fuga à realidade. Mas para quem acredita, esta Força sentida e vivida tem um nome – Deus. Uma Força que ainda hoje me arrepia sempre que a sinto e que me leva a querer ser sempre Luz. Uma Força que me(nos) leva a continuar a caminhar nesta Estrada Clara. Não podemos evitar a dor da morte e o sofrimento naturalmente inerente a estas tragédias. Mas podemos confiar. Acreditar. O Amor não morre. Vive em cada um de nós que o aceitamos. Vive quando escolhemos ser Luz! E assim brilhamos, brilham as nossas obras, brilha o nosso Deus! Como Luís Osório afirma no seu texto: “em cada lugar improvável pode existir um farol para nos iluminar. Um farol que nos obrigue a ser todos os dias um bocadinho melhores.” Possamos nós ser esse farol. Sempre. Não deixemos que a nossa Luz se apague. Escolhamos o Bem. A vida. Em cada dia. Hoje.

POSTAL DO DIA, um texto do jornalista Luís Osório, retirado do seu Facebook

A caminho de Fátima, e a meio de um terço, o herói não estava na camioneta

1.

A camioneta ia a caminho de Fátima. Na manhã do último sábado o tempo ameaçava felicidade e as pessoas estavam, também por isso, descontraídas e de farnel posto. Comidas e bebidas para que o dia não fosse apenas de fé e orações, mas também de “mesa” farta. Todos acordaram de madrugada. De terras pequenas do concelho de Guimarães acomodaram-se no autocarro do senhor António. Com casa posta no Airão de Santa Maria fazia questão de ser ele a conduzir a vizinhança. Às 9 e meia da manhã já estavam na Mealhada. Cantaram canções da Igreja. E seguiram as preces da Dona Emília Castro. Todos a adoravam. Todos a ouviam. Todos sentiam que ela, de alguma maneira, era o passaporte para melhor serem ouvidos por Deus. Emília era uma excelente pessoa. Preocupada, ativa. Ajudava na paróquia, ajudava os vizinhos, liderava o coro de Figueiredo, era catequista e o seu marido António, bombeiro há mais de 30 anos.

2.

Uns minutos antes do pneu dianteiro rebentar, Emília levantara-se, pegara no microfone e começara a rezar o terço. Estavam a rezar as palavras mágicas quando tudo aconteceu. Emília foi cuspida com o embate. António, condutor da camioneta, também morreu. Assim como um vizinho de Emília, o senhor Alberto Soares, que ia à frente por causa dos enjoos. Com quase 80 anos já não tinha cabedal para aguentar sem o mínimo de conforto.

3.

Um dia pensarei convosco sobre os que morrem a caminho de algum lugar onde julgam que tudo se iluminará. Num minuto a cabeça enevoada com o “Bem” e no outro minuto a morte a chegar trágica e fúnebre.

Mas hoje quero falar-vos do que me impressionou.  Se tiverem mais trinta segundos, eu conto-vos. Pouco tempo após o acidente os bombeiros das Taipas foram avisados do desastre. O bombeiro António Silva, marido de Emília, meteu-se ao caminho com os seus companheiros – e a meio do percurso, a poucos quilómetros da Bairrada, recebeu a informação de que a sua mulher, mãe dos seus três filhos, tinha morrido. António seguiu caminho e naqueles curtos minutos chorou uma parte da vida que perdera. Não sabemos se telefonou a alguém, não sabemos também por quem foi abraçado, se gritou ou não, não sabemos e pouco ou nada importa.

4.

O que sabemos, o que nos dizem os relatos, é que António ao chegar ao lugar da tragédia foi ajudar quem precisava. A sua mulher estava morta com um lençol por cima, mas ele cumpriu a sua missão com os feridos, com os que estavam em choque, com quem precisava.

Sabem…

Eu costumo muitas e muitas vezes falar do grande mistério que é o “Bem”. Nós nunca desconfiamos do “Mal”, mas do “Bem” a primeira coisa que fazemos é desconfiar.

Mas há pessoas maravilhosas. Há pessoas de uma coragem e verticalidade a toda a prova. Há pessoas que são heróis, mas que ninguém conhece. Talvez no nosso prédio. Talvez na aldeia mais recôndita. Talvez no lugar mais escarpado. E no lugar de Figueiredo, concelho de Guimarães, terra com pouco mais de 400 habitantes, há também um herói. Chama-se António, é bombeiro há 30 anos e tem três filhos, um deles menor. Era casado com Emília, a mulher que rezava o terço e liderava o coro. O homem que hoje abraçamos merece que dele não nos esqueçamos. Eu não me esquecerei que em cada lugar improvável pode existir um farol para nos iluminar. Um farol que nos obrigue a ser todos os dias um bocadinho melhores.