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Conhecer e Amar

pe. Vitor Gonçalves, pároco de S. Domingos – Lisboa, Voz da Verdade, 15.1.2017

“Eu não O conhecia, mas foi para Ele Se manifestar a Israel que eu vim baptizar na água.” Jo 1, 31

É curioso observar as pessoas nas nossas deslocações pela cidade. O telemóvel tornou-se um prolongamento da mão e talvez no futuro seja implantado logo à nascença! As cabeças debruçadas sobre um écran causam as situações mais caricatas, e até perigosas, que nem ousávamos imaginar. É importante reconhecer: a nova droga de consumo generalizado é “estar ligado”, “saber o que acontece”, “dar a conhecer a mais pequena insignificância”. Conhecer e ser conhecido são o novo alimento, capaz de encher de sentido uma experiência e uma vida. O que está longe torna-se mais importante do que o que está perto, e vive-se à distância! Quem vai connosco pouco interessa porque o que está longe é mais urgente! O máximo conhecimento acaba por eliminar a proximidade, e o desprezo por quem temos à nossa frente e ao lado matam a comunhão e a comunicação!

A sede de ser conhecido e de julgar que conhecemos os outros pode revelar um enorme egocentrismo. Conhecer não é dominar nem absorver, mas abrir-se e sair de si. Conhecer alguém cria um laço não só intelectual mas da ordem do amor. Por isso gosto tanto desta mútua implicação entre conhecer e amar, cada um a fazer crescer o outro! Admira-me a repetição de João Baptista ao dizer por duas vezes que não conhecia Jesus. Era familiar, mas não conhecia a sua identidade divina. Só se conhece Deus por revelação ou por testemunho. Jesus não se fez homem para ser conhecido pelas suas obras humanas e sociais, como benfeitor ou herói da humanidade. Veio ao mundo como Filho de Deus. E ainda que muitos fiquem no homem excepcional, na sua doutrina e obras que são verdadeiramente inspiradoras, conhecê-lo humano e divino implica o dom da fé, que transforma a nossa vida e a projecta na eternidade.

Quando João Baptista testemunha que conhece Jesus e o apresenta como Filho de Deus, a sua missão parece estar completa e ele pode diminuir. Mais tarde enviará discípulos com uma pergunta, a que Jesus responderá apontando os sinais messiânicos de libertação e salvação. E João escreverá a assinatura no seu testemunho com o sangue. Hoje, quem apontará com o dedo o Filho de Deus aos nossos contemporâneos, senão os que dizemos acreditar n’Ele? E isso não passará pela modificação dos nossos modos de consumo, pelo questionamento de hábitos pessoais e sociais que escravizam e exploram, pelo compromisso em prol da justiça e da dignidade de todos, em especial os mais pobres, pelo testemunho de uma fé feliz e criadora de fraternidade? Assumir as consequências do conhecimento e do encontro de Jesus Cristo pode não dar-nos 5000 amigos nas redes sociais, mas certamente nos fará mergulhar mais nos olhos uns dos outros!

Epifania

pe. Vitor Gonçalves, pároco de S. Domingos – Lisboa, Voz da Verdade, 8.1.2017

“Regressaram à sua terra por outro caminho.” Mt 2, 12

Quem nunca se maravilhou com o episódio dos Magos que vieram adorar Jesus? Temos a sua peregrinação pela casa até chegar ao presépio, as “cabalgatas de reyes” que a tradição espanhola promove, a curiosidade científica em torno da estrela/cometa/conjunção de planetas, e até a tradição de que as suas relíquias se encontram na catedral de Colónia, na Alemanha. Na literatura, na escultura e na pintura são inúmeras as suas representações. Não foi o quadro “Adoração dos Magos” de Domingos Sequeira capaz de reunir contributos no valor de 600 mil euros para a sua aquisição? O que nos maravilha tanto neste episódio de 12 versículos que o evangelista Mateus nos conta?

Creio que o índio brasileiro, com o seu toucado de penas, talvez da tribo tupinambá, pintado por Vasco Fernandes como rei Baltazar na sua “Adoração”, parte do retábulo da Sé de Viseu, ilumina uma resposta. Maravilha-nos o que ainda não conhecemos, aquilo que está para lá das fronteiras. Aquilo que tememos por ainda não conhecer também nos atrai e desinstala. Maravilha-nos o caminho dos magos, seguindo uma estrela que parece brincar com eles, indo meter-se na boca do lobo e até aí receberem um novo sinal. Maravilham-nos os presentes, evocação de uma riqueza que é mais essencial do que material. Maravilha-nos o Menino e sua Mãe que eles encontram, e a humildade de O reconhecerem como rei. E até nos maravilha o novo caminho do seu regresso. Como eles, ninguém volta aos mesmos caminhos depois de encontrar Jesus!

Importa que os caminhos valham mais do que as fronteiras. Se as delimitações marcam territórios e identidades, elas são chamadas a ser também lugar de encontro, de comunicação, de descoberta e abertura. Quando se impõem pela força, quando isolam e atrofiam o desejo de comunhão, são um dos fracassos da fraternidade humana. Para além das fronteiras de rios ou montanhas, outras são obstáculo maior, como as económicas, fruto de egoísmos individuais e colectivos. Que fronteiras mantemos encerradas na vida e no pensamento pessoal e comunitário?

Os Magos romperam as fronteiras do messianismo judaico. São pagãos que reconheceram Jesus como Salvador, muito antes dos próprios judeus. Desapareceram silenciosamente para dar lugar a todos os que buscam sentido e plenitude de vida. E falam-nos da maravilhosa aventura que é abrirmo-nos ao outro, vencendo os medos que aprisionam, derrotando os egoísmos que estrangulam com o excesso de coisas. Não são eles os padroeiros de todos os que procuram o que vale a pena adorar?

A tua fé te salvou

XXX domingo do Tempo Comum, ano B, Mc 10,46-52

reflexão sobre o Evangelho por ENZO BIANCHI, Bose

Naquele tempo, quando Jesus ia a sair de Jericó 
com os discípulos e uma grande multidão, estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu, a pedir esmola à beira do caminho. 
Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Muitos repreendiam-no para que se calasse. Mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem piedade de mim». 
Jesus parou e disse: «Chamai-O». 
Chamaram então o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te». O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe: «Que queres que Eu te faça?» O cego respondeu-Lhe: «Mestre, que eu veja». Jesus disse-lhe: «Vai: a tua fé te salvou». Logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.

Com o trecho que lemos este domingo, o Evangelho de S. Marcos conclui a narração da subida de Jesus a Jerusalém, ou seja, o itinerário do discípulo durante o qual Jesus foi dando ensinamentos, formou aqueles que O seguiam consciente de que, chegados a Jerusalém, seria o “fim do Profeta” com a sua condenação à morte. Logo depois Jesus entrará na Cidade Santa, acolhido em festa e aclamado como Filho de David, isto é, como Messias, acontecimento de certa forma aqui antecipado.

Estamos em Jericó, a porta da Judeia, a Oriente. Enquanto, não só os discípulos mas muitos outros seguem Jesus, um cego que dá pelo nome de Bar-Timeo (filho de Timeo), um homem à margem, confinado a mendigar na beira da estrada, um “desperdício” de que ninguém se ocupa, ouve dizer que Jesus de Nazaré vai passar. Sendo cego, não O tinha nunca visto nem encontrado, mas a fama deste Rabino Galileu tinha-o atingido. No seu coração existia o desejo de ver, a esperança de ter visão para poder sair da noite. Ouvindo que Jesus está a passar começa a gritar: “Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!”. Neste grito há muita espontaneidade, há a sua fé judaica no Messias que há-de vir, há a esperança de uma cura, da salvação, há a força do grito e de se fazer ouvir, na convicção pessoal de que aquele Rabino possa fazer algo, portanto, que Ele é capaz de curar e de amar quem encontra.

Mas, então como agora, entre Jesus e os que estão à sua volta estão muitos outros: aqui é a multidão, noutros casos são os próprios discípulos, isto é a comunidade que se torna obstáculo, barreira entre Jesus e quem O deseja encontrar. Atenção, isto acontece também por boas intenções: medo de perturbar o Mestre, vontade de O proteger das multidões… Bartimeu, no entanto, não desiste, grita cada vez com mais força e assim Jesus consegue ouvi-lo. Este pára e manda chamá-lo. Isto acontece pontualmente com palavras que muitas vezes os discípulos de Jesus tinham ouvido durante os seus encontros com quem se encontrava em sofrimento ou em pecado: “Coragem, levanta-te!”. No convite expresso com “Coragem!” está o coração de Jesus que diz, antes de mais: “Coragem, não temas, tem fé!”. É este o primeiro comportamento necessário no encontro com Jesus: é preciso sair do medo, da desconfiança, da falta de esperança, da visão de si mesmo como não digno de ser por Ele amado. Neste momento é preciso levantar-se – verbo egheíro, que exprime também o renascer – da cama para a postura do homem que tem esperança (homo spe erectus). Uma vez em pé pode-se escutar e compreender que o Senhor chama cada um de nós de forma pessoalíssima e cheia de afeto (“Chama-te”).

Aquele cego, então, “atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus“. É um pobre que não tem nada senão a sua capa, sinal da sua identidade de excluído, a sua única e inalienável propriedade. Atirando-a, despoja-se de todas as seguranças, apesar de mínimas, para estar de pé, diante de Jesus. Jesus não presume a necessidade pela qual O invocou, não se dirige a ele de forma automática e anónima, mas porque percebe das suas palavras a necessidade que nele habita, pergunta-lhe: “Que queres que Eu te faça?”. E Bartimeu responde: “Mestre, que eu veja!”. A oração é desejo expresso diante de Jesus e Bartimeu deseja ver, muito para lá da simples visão dos olhos: quer ver também com o coração, quer ver na fé, quer estar na luz e não nas trevas…

Diante desta oração Jesus replica: “Vai, a tua fé te salvou”, palavras que Ele repetiu muitas vezes diante de quem lhe pedia a salvação. Vai’”, isto é “não estejas mais paralisado pela cegueira, põe-te a caminho, caminha na luz porque a tua fé, isto é, a tua fidelidade na procura, no pedir a este desconhecido que Eu sou”, diz Jesus, “salvou-te”. Extraordinário, Jesus não diz: “Eu salvei-te”, mas: “A tua fé te salvou”. Esta cura de Bartimeu não é apenas física mas é salvação que o investe na íntegra. Com efeito, ele de imediato “seguiu Jesus pelo caminho”. Põe-se a seguir as suas pegadas como os discípulos, que vão atrás d’Ele. Aquele que era cego, à beira da estrada, mendigo, depois de ter encontrado Jesus, é capaz de O seguir como um discípulo, para Jerusalém. Mais, o grito que dirigiu a Jesus – “Filho de David!” – logo depois é assumido pela multidão, enquanto Jesus entra na Cidade Santa: “Bendito o Reino do nosso pai David que está a chegar!”. Pode dizer-se que foi este cego quem entoou, antes de todos, os gritos de Glória dos desafios de Jesus…

Este episódio é muito mais do que um simples conto de um milagre, como o leitor de Marcos pode compreender. Jesus está prestes a entrar na Cidade Santa para a sua Paixão e Morte mas os seus doze discípulos durante todo aquele caminho permaneceram cegos. Escutavam as suas palavras mas não as compreendiam, mostrando estar bem longe de ver os acontecimentos tal como Jesus os via. Primeiro Pedro, depois todos os doze, por fim Tiago e João pareceram cegos diante de cada revelação que Jesus lhes fez. Mas agora, cada leitor, cada um de nós, pode identificar-se  com este cego de Jericó. Deve apenas ter consciência da sua cegueira e gritar ao Senhor, com fé: “Tem piedade de mim!” que Ele pode salvar, isto é, pode resgatar-nos das trevas e fazer-nos ver aquilo que os nossos olhos não conseguem ver. Sim, neste pôr-se a caminho atrás de Jesus, Bartimeu é para nós mais exemplar do que os doze. E agora? cada um de nós coloque-se diante do Senhor Jesus e, olhando-o com fé e esperança descobrirá que não vê. Então que tenha força e coragem para gritar sozinho: Senhor tem piedade de mim, “Kýrie eleison”, esta invocação tão breve mas tão completa que lhe é dirigida, com muita fé, porque Ele pode salvar-nos.

Abre-te!

Meditação sobre o Evangelho de DomingoIMG_5841 (1280x960)

Ermes Ronchi in “Avvenire”, trad.: Rui Jorge Martins, Pastoral da Cultura

«Naquele tempo, Jesus deixou de novo a região de Tiro e, passando por Sidónia, veio para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. Trouxeram-Lhe então um surdo que mal podia falar e suplicaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele.
Jesus, afastando-se com ele da multidão, meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua. Depois, erguendo os olhos ao Céu, suspirou e disse-lhe: «Efatá», que quer dizer «Abre-te». Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar corretamente.
Jesus recomendou que não contassem nada a ninguém. Mas, quanto mais lho recomendava, tanto mais intensamente eles o apregoavam. Cheios de assombro, diziam: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem». (Marcos 7, 31-37, Evangelho do 23.º Domingo do Tempo Comum, 6.9.2015)

O percurso traçado por Marcos é muito significativo: com um longo desvio, Jesus escolhe um itinerário que junta cidade e territórios estranhos à tradição religiosa de Israel; percorre as fronteiras da Galileia, à procura daquela parte comum a cada ser humano que vem antes de cada fronteira, de cada divisão política, cultural, religiosa, racial.

Escrevo estas palavras da Mongólia, de uma pequena e muito jovem igreja em Arvaheer, onde elas ressoam, verdadeiras; onde, na fé nascente das origens, senti que Jesus é verdadeiro homem sem confins, que Ele é o rosto alto e puro do homem, e que para o cristão cada terra estrangeira é pátria.

Levam-lhe um surdo-mudo. Um homem aprisionado no silêncio, vida a metade, mas “levado” por uma pequena comunidade de pessoas que lhe querem bem daquele que é Palavra e libertação, que fala como ninguém, que é o homem mais livre que passou pela Terra. E pedem para lhe impor as mãos. Mas Jesus faz muito mais do que lhe é pedido; não lhe basta impor as mãos num gesto hierático, quer mostrar a humanidade e o excesso, a sobreabundância da resposta de Deus. Então Jesus toma-o à parte, longe da multidão. À parte porque agora só conta aquele homem atingido pela vida. Imagino Jesus e o surdo-mudo olhos nos olhos, que começam a comunicar assim. E seguem-se gestos muito corporais e, ao mesmo tempo, muito delicados: Jesus põe os dedos sobre os ouvidos do surdo. Segundo momento da comunicação, o toque dos dedos, as mãos falam sem palavras. Depois, com a saliva toca a sua língua. Gesto íntimo, envolvente: dou-te alguma coisa de meu, alguma coisa que está na boca do homem juntamente com a respiração e a palavra, símbolos do Espírito. Evangelho de contactos, de odores, de sabores. O contacto físico não desagradava a Jesus. E os corpos tornam-se lugar santo de encontro com o Senhor.

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Jesus, olhando então para o céu, emite um suspiro e diz-lhe: “Efatá”, isto é, abre-te! Em aramaico, no dialeto de casa, na língua do coração, quase soprando o hálito da criação: abre-te, como se abre uma porta ao hóspede, uma janela ao sol. Abre-te das tuas clausuras, liberta a beleza e as potencialidades que estão em ti. Abre-te aos outros e a Deus, mesmo com as tuas feridas. E logo se lhe abriram os ouvidos, desfez-se o nó da sua língua e falava corretamente. Primeiro os ouvidos. É um símbolo eloquente. Sabe falar só quem sabe escutar. Os outros erguem barreiras quando falam, e não encontram ninguém.

Jesus não cura os doentes para que se tornem crentes ou o passem a seguir, mas para criar homens livres, curados, plenos. «A glória de Deus é o homem vivente» (Santo Ireneu), o homem que volta à plenitude de vida.

um grão

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Ermes Ronchi in “Avvenire”

Evangelho do 11.º Domingo do Tempo Comum | Marcos 4, 26-34

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita».
Jesus dizia ainda: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Em que parábola o havemos de apresentar? É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».

Assim é o Reino de Deus: como um homem que lança a semente à terra. O infinito de Deus contado por uma minúscula semente, o futuro na frescura de um grão de mostarda. Acontece no Reino de Deus como quando um homem semeia. O Reino acontece porque Deus é o semeador incansável, que não se cansa de nós, que a cada dia sai a enxertar no universo as suas energias de maneira seminal, germinal, como um novo jardim do Éden que a nós pertence guardar e cultivar. E nenhum homem ou mulher é privado dos seus germens de vida, ninguém fica demasiado longe da sua mão.

A dormir ou acordado, de noite ou de dia, a semente germina e cresce. Jesus sublinha um milagre infinito que nunca nos deixa de espantar: à noite vês um botão, no dia seguinte abriu-se uma flor. Sem nenhuma intervenção externa. Aqui mergulha a raiz da grande confiança de quem crê: as coisas de Deus, a inteira criação, o bem, crescem e florescem através de uma misteriosa força interior, que é de Deus. Não obstante as nossas resistências e distrações, no mundo e no coração a semente de Deus germina e ergue-se para a luz.

A segunda parábola mostra a desproporção entre o grão de mostarda, a mais pequena de todas as sementes, e a grande árvore que dela nascerá. Sem voos grandiloquentes: o grão não salvará o mundo. Nós não salvaremos o mundo. Mas, diz Jesus, os pássaros virão e nela farão ninho. Muitos acorrerão à sombra da tua grande árvore, à sombra da tua vida virão para recuperar o fôlego, encontrar alívio, fazer o ninho: imagem da vida que reparte e vence. «Se ajudaste um só a ficar um pouco melhor, a tua vida realizou-se» (papa Francisco).

A parábola do grão de mostarda narra a preferência de Deus pelos meios pobres; diz que o seu Reino cresce pela misteriosa força secreta das coisas boas, pela energia própria da beleza, da ternura, da verdade, da bondade. Enquanto o inimigo semeia morte, nós, como lavradores pacientes e inteligentes, semeamos a boa semente; nós, como campo de Deus, continuamos a acolher e a proteger as sementes do Espírito, não obstante a raiva de todos os Herodes dentro e fora de nós.

Uma semente deposta pelo vento nas fendas de uma muralha é capaz de viver; é capaz, com a fragilíssima ponta do seu gérmen, de abrir uma estrada na dureza do asfalto. Jesus sabe que imergiu no mundo uma semente de bondade divina que, com a sua ação doce e implacável, despedaçará a crosta árida de todos os tempos, para lhe trazer de novo a aragem da primavera, da vida florida, de colheita.

Toda a nossa confiança reside nisto: Deus trabalha no seio da história e em mim, no silêncio e com pequeninas coisas.

Pentecostes

DSC_4652 (1024x681)Evangelho de São João 20, 19-23

Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, colocou Se no meio deles e disse lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».