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Falar de Alegria

Viagens pela JMJ, Lisboa 2023

Aos pouquinhos, como se estivesse a regressar de uma outra dimensão, vou começando a rever as fotografias que tiramos, vou recolhendo testemunhos dos que viveram esta experiência das JMJ, vou ouvindo em loop a avassaladora “Viagem” do @tiagobettencourt , vou lendo os discursos impactantes do Papa, vou assistindo, em emoção intensa, às gravações das diferentes cerimónias na televisão e anotando todos os detalhes. E assim nestes dias pós-jornadas vou serenando o espírito, fazendo o silêncio necessário para discernir o que é importante, guardando as emoções no sítio certo e da forma correta, ouvindo o que o coração me traz para encontrar as palavras luminosas que possam exprimir, com fidelidade e generosidade, o que estes dias das pré-jornadas e das Jornadas nos ofereceram.

Enquanto estava neste quase recolhimento espiritual, alguém partilhou comigo esta poderosa fotografia e a sua história, que mais não é do que a concretização perfeita do que o Papa Francisco havia dito uns dias antes. Estamos TODOS! E só é possível estarmos TODOS quando TODOS estão. Esta imagem é fortíssima! Comoveu-me profundamente não só a força destes braços amigos que suportam e elevam o jovem Lourenço, mas sobretudo a alegria genuína e gigante deste jovem, um sinal forte da vida e da eternidade que todos nós carregamos. A tal alegria que não é fútil nem acaba quando tem as suas raízes bem alicerçadas no Amor. A alegria que nos traz o Amor destes amigos que nos erguem para lá dos nossos limites e que nos fazem do tamanho do Universo.

Esta ideia da alegria e da necessidade de viver a alegria como tão bem reforçou o nosso Papa trouxe-me à memória um texto do nosso querido Vergílio Ferreira que uma vez utilizamos nuns exercícios de dramatização numa das atividades com os nossos grupos de adolescentes:

“Não te queixes.
Os outros têm já tanto de quê.
Não fales de coisas tristes.
Os outros têm já tanto que chegue.
Não fales em solidão. Todos os outros estão tão sós.
Fala de alegria, da força, de tudo o que nos instaure em imortalidade.
Assenta de uma vez que o homem é imortal.”

Viva a Alegria, aquela que só Ele nos pode dar!

Ana

📷@luisarpinho

Do crachá ao QR Code – uma jornada pelas Jornadas

A Beatriz escreveu um breve testemunho sobre sua participação nas Jornadas Mundiais da Juventude. As que se vão realizar em Lisboa serão as suas sextas Jornadas. E que caminho bonito foi este que a Beatriz foi fazendo ao longo destas Jornadas.

Santiago de Compostela (1989)

Fui pela primeira vez às Jornadas em 1989, em Santiago de Compostela. Ainda estava tudo a começar sendo que estas foram as quartas Jornadas a acontecer, e apenas as segundas fora de Roma. Estas Jornadas em Santiago duraram apenas um fim de semana, de 18 a 20 de agosto, e nela participaram 600 000 pessoas.

Lembro-me que o acolhimento ao Papa João Paulo II foi feito na praça em frente à Catedral. Nós ficamos alojados num colégio, e lembro-me de encarar tudo como um acampamento de fim de semana, tendo até levado um fogão de campanha, pequenino, onde cozinhamos a refeição mais simples que se possa imaginar: arroz branco com rodelas de chouriça … Ainda não existiam as senhas para as refeições, nem locais onde as ir levantar. Na altura não tinha grande noção do evento em que estava a participar. Fui com o grupo da paróquia do qual fazia parte na altura, andei com o grupo, subi ao monte do Gozo com o grupo e descemos, logo de seguida, em virtude de algumas pessoas do grupo sofrerem de problemas respiratórios e as condições no monte serem demasiado adversas para elas: muita terra no chão (onde é o lugar dela), mas também no ar e principalmente nas pessoas! Nada que me espante agora, após 5 Jornadas, mas, na altura, ia com um grupo e acompanhei-o sempre. Portanto, a noite da vigília com o Papa foi passada no Colégio, com muita ressonadela por parte das ditas pessoas com problemas respiratórios que trouxeram a terra do monte Gozo nos seus narizes… Uns anos depois, numa viagem a Santiago de Compostela, um dos artigos à venda nas lojas para turistas era um saquinho com terra do monte do Gozo …!!!

Assim sendo, no domingo, assistimos à missa pela televisão, e mal os peregrinos portugueses que haviam pernoitado no monte chegaram, o autocarro partiu de regresso a casa …. Dentro vinham pessoas muito lavadas e pessoas completamente negras de pó! Foram uma Jornadas sui generis, mas ficou qualquer coisa.

Paris (1997)

As minhas segundas Jornadas foram em Paris, em 1997. Tinha acabado de sair de uma situação profissional e estava “entre empregos”. E o que faz uma pessoa que está à procura de trabalho? … Inscreve-se nas Jornadas, claro! Fomos um pequeno grupo de quatro pessoas: eu, a minha irmã, e dois amigos. Inscrevemo-nos através da Comunidade Emanuel, e isso foi um acaso feliz, que influenciou muito do caminho que fizemos depois. A Comunidade Emanuel tinha, e tem, por costume realizar umas pré-Jornadas, habitualmente em Paray le Monial. Foi a primeira vez que lá fui e fiquei maravilhada. Paray é a cidade onde o Sagrado Coração de Jesus apareceu a Santa Margarida Maria, e toda a cidade vive em torno desse acontecimento. Tem uma Basílica lindíssima, e uns prados onde a Comunidade Emanuel realiza diversos encontros: para adolescentes, para jovens, para adultos, para casais, para sacerdotes … As pré-jornadas decorrem ao longo de quase uma semana, com oração, concertos, workshops, adoração e, principalmente, muita animação musical. Paray funciona como ponto de encontro, nas Jornadas, para os diversos núcleos da Comunidade Emanuel espalhados por França e, no final da semana, todos se dirigem, em caravana, para Paris.

Em Paris, ficamos alojados numa família francesa, que nos acolheu com muito carinho, cedeu-nos o quarto dos filhos e, todas as noites, esperavam por nós para uma pequena conversa antes de dormirmos. Tenho recordações de muita gente (na celebração final estavam 1 200 000 pessoas), muitas bandeiras, muitos espetáculos, muitas caminhadas, muita alegria e muitos sorrisos. A celebração final foi no Hipódromo de Longchamp, na qual participamos e da qual regressamos entusiasmados pelo convite do papa João Paulo II a não termos medo de ser “os santos do novo milénio”.

Roma (2000)

A experiência foi tão boa que entusiasmei outros amigos a participarem nas Jornadas de Roma, no ano 2000, de novo com a Comunidade Emanuel, para poder regressar a Paray e repetir a experiência da internacionalidade e comunidade das Jornadas. Estas Jornadas coincidiram com o Jubileu, que incluía a passagem pela Porta Santa na Basílica de São Pedro. Lembro-me da fila interminável para lá chegar e da frustração acompanhada por muito riso, quando a fila em que íamos passou, não pela porta principal, mas por uma ao lado… Roma ficou-me no coração como uma cidade lindíssima, onde em qualquer rua ou esquina encontrávamos lugares que valia a pena visitar. Ficamos alojados numa paróquia que nos acolheu com muito carinho, com um pároco que acompanhava a celebração da Eucaristia à guitarra, e que nos acompanhou todo o caminho para Tor Vergata a tocar, acompanhado pelos cânticos dos jovens paroquianos. Estiveram presentes 2 000 000 pessoas na vigília. Lembro-me do calor e do regresso a casa com regadelas por parte das pessoas nas casas por onde passávamos, e da oferta de fatias de melancia para refrescar. Ficou a alegria e o carinho do povo italiano.

Colónia (2005)

Em 2005 decidimos ir a Colónia com os nossos jovens, ainda através da Comunidade Emanuel, mas agora com transporte próprio. Fizemos mais uma vez as pré-jornadas em Paray, cidade que me ficou no coração desde as Jornadas de Paris, e depois seguimos para Colónia em caravana com os grupos da Comunidade Emanuel.

A Alemanha foi uma surpresa muito agradável para mim. Tinha uma ideia de os alemães serem pessoas rígidas e pouco empáticas, e foi com muito agrado que vi o seu perfeito oposto. Ficámos alojados em Bergheim, em casas de famílias, que nos acolheram com muito carinho. Partilharam algumas refeições connosco e vi o que agora é comum em Portugal, mas não o era na altura: fazerem encomenda de gelado para entregar em casa no final da refeição … Onde estava a Glovo, Ubereats e outras que tal na altura! Colónia revelou-se uma cidade lindíssima, os polícias (com muitos metros de altura) muito atenciosos, a catedral maravilhosa e um povo muito acolhedor. Durante esta Jornada, participamos em vários eventos, visitamos lugares maravilhosos e vivemos cada experiência em comunidade. Foi uma Jornada em que muitos dos elementos do nosso grupo descobriram a sua veia mais artística, pois formou-se um grupo de animação de Metros e comboios, sempre pronto a atuar com cantos e danças! Mas também disponíveis para bater palmas a quem o fizer. A vigília foi em Marienfeld, já com o papa recém-eleito Bento XVI, onde participaram 1 200 000 pessoas. Estas Jornadas ficaram marcadas pela presença de dois Papas, João Paulo II recentemente falecido, e Bento XVI. Havia imagens dos dois Papas espalhadas por toda a cidade. Foi uma Jornada com dois Papas!

Madrid (2011)

Seis anos depois decidimos repetir a experiência, nas Jornadas de Madrid, em 2011, mais uma vez com autocarro próprio e com o nosso grupo de adolescentes e ainda com a Comunidade Emanuel. As pré-jornadas em que participamos foram em Toledo, apesar de também haver em Paray, por uma questão de logística. Toledo é uma cidade linda e tivemos a oportunidade de visitar a cidade antiga e de participar em inúmeras atividades.

Seguimos para Madrid e tivemos a sorte de ficar alojados num colégio mesmo no centro da cidade. Mais uma vez muitas pessoas, muitas bandeiras, muitas línguas, muitos sorrisos, muita alegria e muito calor! Passeamos, visitamos Museus, participamos em atividades das Jornadas, descansamos, rimos e cantamos. A vigília foi no aeroporto de Cuatro Vientos com o papa Bento XVI. Participaram 2 000 000 de pessoas. Foi uma vigília diferente das anteriores, muito molhada e ventosa, mas passada entre risos, gritos e muita agitação. Fiquei comovida com a preocupação que o Papa mostrou com os peregrinos, no dia seguinte, mal chegou ao local.

E assim considerei a minha participação nas Jornadas terminada. Fiquei de coração cheio com a experiência vivida, com a união na multiculturalidade, com o conhecimento de tantos países e de tantas pessoas, línguas, culturas, com a presença forte e atual da Igreja no mundo, com os sorrisos e abraços trocados … Gostei muito de ter participado, mas entendo que seja para a juventude, como o nome indica, por muitos e variados motivos, sendo um dos quais a disponibilidade para encarar alegremente, com generosidade e espírito aberto todas as situações que acompanham a Jornada em si: a deslocação para o país, o alojamento, a alimentação, a massa humana presente em todos os locais e a vigília no fim de semana de encerramento das Jornadas.

Gostei? Muito! Quero repetir? …….!

Então por que motivo vou à minha sexta Jornada?

Passo a explicar: temos um jovem amigo que se juntou ao nosso grupo há dois anos e nunca participou nas Jornadas!!!!! Com 25 anos!!! Não pode ser!!! Depois soubemos que outro nosso amigo também iria pela primeira vez. E como eu sou uma pessoa de comunidade…. Então decidimos ir!… De espírito aberto, com generosidade, alegremente, e com intenção de rirmos muito, de nós, dos outros e com os outros! Além disso, ainda me faltava uma Jornada com o Papa Francisco para encerrar a minha participação. E há um espírito de alegria, de entusiasmo, de movimento que só se sente nas Jornadas. Afinal, tenho muitos motivos para ir! E assim vou! Vamos! Apressadamente como Maria! Ou pelo menos o mais apressadamente que a minha provecta idade permitir!!!!!!

Colorir a Fé

O ano de 2023 é sinónimo de Jornadas Mundiais da Juventude. E ser sinónimo de juventude é olhar a vida com alento, com alegria, com ação. A Igreja põe sempre toda a esperança nos jovens e naquilo que eles podem ser. Quem lida com eles e, sobretudo, quem faz parte do seu percurso de educação e formação cristãs, sabe o quão exigente e desafiador é este mesmo caminho. Os tempos vão mudando, as atividades vão-se modificando, outras escolhas vão-se fazendo. O trabalho com jovens, em Igreja, deve ser sempre cuidado, acolhido, amado. Tendo durante muitos anos trabalhado com esta faixa etária, a Comunidade Estrada Clara congratula-se com o facto de ver que os jovens, com os seus sonhos, vontades e percursos, querem, com a sua vida, fazer da vida da Igreja uma Vida Maior. Por isso, foi com muito gosto que participamos no encontro “Colorir a Fé”, a convite das animadoras dos grupos de adolescentes e jovens da nossa paróquia (Matriz). O objetivo deste encontro foi o de sensibilizar os adolescentes e jovens dos grupos para a ligação umbilical existente entre a música e a dimensão religiosa e a forma como ambas se complementam. O encontro foi dividido em “workshops” sobre a relação entre a música e a vivência cristã. Os participantes puderam experimentar instrumentos musicais e praticar o canto e também analisaram e exploraram a ligação entre música e letra em várias canções. A Comunidade Estrada Clara orientou o workshop “Música e Espiritualidade” onde proporcionamos aos adolescentes e jovens um momento de meditação através do silêncio interior de cada um em harmonização com uma música que ouviram, tendo depois partilhado as sensações sentidas. Todos concluíram que a música é um suporte único para a oração, seja ela individual ou comunitária. Através da música que ouvimos em silêncio ou através dos cânticos que entoamos, a nossa oração torna-se mais vivida, mais bela, mais presente. E assim a nossa vida interior vai crescendo. E assim nós vamos vivendo Deus. Um agradecimento carinhoso às animadoras da nossa paróquia e o oferecimento da nossa disponibilidade para continuar a colaborar nestes encontros que são sempre caminho para o desenvolvimento integral de cada cristão.

Mensagem do Papa Francisco para a XXXVII Jornada Mundial da Juventude (2022-2023)

«Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39)

Queridos jovens!

O tema da JMJ do Panamá era este: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Depois daquele evento, retomamos o caminho para uma nova meta – Lisboa 2023 –, deixando ecoar nos nossos corações o premente convite de Deus a levantar-nos. Em 2020, meditamos nesta palavra de Jesus: «Jovem, Eu te digo, levanta-te!» (cf. Lc 7, 14). No ano passado, serviu-nos de inspiração a figura do apóstolo São Paulo, a quem o Senhor ressuscitado dissera: «Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste» (cf. At 26, 16). No troço de estrada que ainda nos falta para chegar a Lisboa, caminharemos juntos com a Virgem de Nazaré, que, imediatamente depois da Anunciação, «levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1, 39) para ir ajudar a prima Isabel. Comum aos três temas é o verbo levantar-se, palavra (é bom lembrá-lo!) que significa também «ressuscitar», «despertar para a vida».

Nestes últimos tempos tão difíceis, em que a humanidade já provada pelo trauma da pandemia, é dilacerada pelo drama da guerra, Maria reabre para todos e em particular para vós, jovens como Ela, o caminho da proximidade e do encontro. Espero e creio fortemente que a experiência que muitos de vós ireis viver em Lisboa, no mês de agosto do próximo ano, representará um novo começo para vós jovens e, convosco, para toda a humanidade.

Maria levantou-se

Depois da Anunciação, Maria teria podido concentrar-se em si mesma, nas preocupações e temores derivados da sua nova condição; mas não! Entrega-se totalmente a Deus! Pensa, antes, em Isabel. Levanta-se e sai para a luz do sol, onde há vida e movimento. Apesar do inquietante anúncio do Anjo ter provocado um «terremoto» nos seus planos, a jovem não se deixa paralisar, porque dentro d’Ela está Jesus, poder de ressurreição. Dentro d’Ela, traz já o Cordeiro Imolado mas sempre vivo. Levanta-se e põe-se em movimento, porque tem a certeza de que os planos de Deus são o melhor projeto possível para a sua vida. Maria torna-se templo de Deus, imagem da Igreja em caminho, a Igreja que sai e se coloca ao serviço, a Igreja portadora da Boa Nova.

Experimentar na própria vida a presença de Cristo ressuscitado, encontrá-Lo «vivo», é a maior alegria espiritual, uma explosão de luz que não pode deixar ninguém «parado». Imediatamente põe em movimento impelindo a levar aos outros esta notícia, a testemunhar a alegria deste encontro. É aquilo que anima a pressa dos primeiros discípulos nos dias que se seguiram à ressurreição: «Afastando-se apressadamente do sepulcro, cheias de temor e grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos» (Mt 28, 8).

As narrações da ressurreição usam muitas vezes dois verbos: acordar e levantar-se. Através deles, o Senhor impele-nos a sair para a luz, a deixar-se conduzir por Ele para superar o limiar de todas as nossas portas fechadas. «É uma imagem significativa para a Igreja. Também nós, como discípulos do Senhor e como Comunidade Cristã, somos chamados a erguer-nos apressadamente para entrar no dinamismo da ressurreição e deixar-nos conduzir pelo Senhor ao longo dos caminhos que Ele nos queira indicar» (Francisco, Homilia na Solenidade de São Pedro e São Paulo, 29/VI/2022).

A Mãe do Senhor é modelo dos jovens em movimento, jovens que não ficam imóveis diante do espelho em contemplação da própria imagem, nem «alheados» nas redes. Ela está completamente projetada para o exterior. É a mulher pascal, num estado permanente de êxodo, de saída de si mesma para o Outro, com letra grande, que é Deus e para os outros, os irmãos e as irmãs, sobretudo os necessitados, como estava então a prima Isabel.

…e partiu apressadamente

Santo Ambrósio de Milão escreve, no seu comentário ao Evangelho de Lucas, que Maria partiu apressadamente para a montanha, «porque estava feliz com a promessa e desejosa de prestar devotadamente um serviço, com o entusiasmo que lhe vinha da alegria interior. Agora, cheia de Deus, para onde poderia apressar-se se não em direção ao alto? A graça do Espírito Santo não admite morosidades». Por isso a pressa de Maria é ditada pela solicitude do serviço, do anúncio jubiloso, duma pronta resposta à graça do Espírito Santo.

Maria deixou-se interpelar pela necessidade da sua prima idosa. Não se escusou, não ficou indiferente. Pensou mais nos outros do que em si mesma. E isto conferiu dinamismo e entusiasmo à sua vida. Cada um de vós pode perguntar-se: Como reajo perante as necessidades que vejo ao meu redor? Busco imediatamente uma justificação para não me comprometer, ou interesso-me e torno-me disponível? É certo que não podeis resolver todos os problemas do mundo; mas talvez possais começar por aqueles de quem está mais próximo de vós, pelas questões do vosso território. Uma vez disseram a Madre Teresa que «quanto ela fazia não passava duma gota no oceano». E ela respondeu: «Mas, se não o fizesse, o oceano teria uma gota a menos».

Perante uma necessidade concreta e urgente, é preciso agir apressadamente. No mundo, quantas pessoas esperam uma visita de alguém que cuide delas! Quantos idosos, doentes, presos, refugiados precisam do nosso olhar compassivo, da nossa visita, de um irmão ou uma irmã que ultrapasse as barreiras da indiferença!

Quais são as «pressas» que vos movem, queridos jovens? O que é que vos faz sentir de tal maneira a premência de vos moverdes que não conseguis ficar parados? Há muitos que, impressionados por realidades como a pandemia, a guerra, a migração forçada, a pobreza, a violência, as calamidades climáticas, se interrogam: Porque é que me acontece isto? Porquê precisamente a mim? Porquê agora? Mas a pergunta central da nossa existência é esta: Para quem sou eu? (cf. Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 286).

A pressa da jovem mulher de Nazaré é a pressa típica daqueles que receberam dons extraordinários do Senhor e não podem deixar de partilhar, de fazer transbordar a graça imensa que experimentaram. É a pressa de quem sabe colocar as necessidades do outro acima das próprias. Maria é exemplo de jovem que não perde tempo a mendigar a atenção ou a aprovação dos outros – como acontece quando dependemos daquele «gosto» nas redes sociais –, mas move-se para procurar a conexão mais genuína, aquela que provem do encontro, da partilha, do amor e do serviço.

A partir da Anunciação, desde aquela primeira vez quando partiu para ir visitar a sua prima, Maria não cessa de atravessar espaços e tempos para visitar os filhos carecidos da sua ajuda carinhosa. Os nossos passos, se habitados por Deus, levam-nos diretamente ao coração de cada um dos nossos irmãos e irmãs. Quantos testemunhos nos chegam de pessoas «visitadas» por Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Em quantos lugares remotos da terra, ao longo dos séculos, Maria visitou o seu povo com aparições ou graças especiais. Praticamente não há lugar, na Terra, que não tenha sido visitado por Ela. Movida por uma solícita ternura, a Mãe de Deus caminha no meio do seu povo e cuida das suas angústias e vicissitudes. E onde quer que haja um santuário, uma igreja, uma capela a Ela dedicada, lá acorrem numerosos os seus filhos. Quantas expressões de piedade popular! As peregrinações, as festas, as súplicas, o acolhimento das imagens nas casas e muitas outras iniciativas são exemplos concretos da relação viva entre a Mãe do Senhor e o seu povo, que se visitam reciprocamente.

Uma pressa boa impele-nos sempre para o alto e para o outro

Uma pressa boa impele-nos sempre para alto e para o outro. Mas há também uma pressa não boa, como, por exemplo, a pressa que nos leva a viver superficialmente, tomar tudo levianamente sem empenho nem atenção, sem nos envolvermos verdadeiramente no que fazemos; a pressa de quando vivemos, estudamos, trabalhamos, convivemos com os outros sem colocarmos nisso a cabeça e menos ainda o coração. Pode acontecer nas relações interpessoais: na família, quando nunca ouvimos verdadeiramente os outros nem lhes dedicamos tempo; nas amizades, quando esperamos que um amigo nos faça divertir e dê resposta às nossas exigências, mas, se virmos que ele está em crise e precisa de nós, imediatamente o evitamos e procuramos outro; e mesmo nas relações afetivas, entre noivos, poucos têm a paciência de se conhecerem e compreenderem a fundo. E, a mesma atitude, podemos tê-la na escola, no trabalho e noutras áreas da vida quotidiana. Ora, todas estas coisas vividas com pressa dificilmente darão fruto; há o risco de permanecerem estéreis. Assim se lê no livro dos Provérbios: «Os projetos do homem diligente têm êxito, mas quem se precipita [a pressa má] cai certamente na ruína» (21, 5).

Quando Maria, finalmente, chega à casa de Zacarias e Isabel, sucede um encontro maravilhoso. Isabel experimentou em si mesma uma intervenção prodigiosa de Deus, que lhe deu um filho na velhice. Teria todas as razões para falar, primeiro, de si mesma; mas não o fez, toda propensa a acolher a jovem prima e o fruto do seu ventre. Logo que ouve a sua saudação, Isabel fica cheia do Espírito Santo. Acontecem estas surpresas e irrupções do Espírito quando vivemos uma verdadeira hospitalidade, quando colocamos no centro o hóspede, e não a nós próprios. Vemos isto mesmo também na história de Zaqueu, que lemos em Lucas: «Quando chegou àquele local [onde estava Zaqueu], Jesus levantou os olhos e disse-lhe: “Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa”. Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus cheio de alegria» (19, 5-6).

Já aconteceu a muitos de nós sentir que, inesperadamente, Jesus vem ao nosso encontro: n’Ele, pela primeira vez, experimentamos uma proximidade, um respeito, uma ausência de preconceitos e condenações, um olhar de misericórdia que nunca tínhamos encontrado nos outros. Mais, sentimos também que, a Jesus, não Lhe bastava olhar-nos de longe, mas queria estar connosco, queria partilhar a sua vida connosco. A alegria desta experiência suscitou em nós a pressa de O acolher, a urgência de estar com Ele e conhecê-Lo melhor. Isabel e Zacarias hospedaram Maria e Jesus. Aprendamos daqueles dois anciãos o significado da hospitalidade. Perguntai aos vossos pais e aos vossos avós, bem como aos membros mais idosos das vossas comunidades, que significa para eles serem hospitaleiros para com Deus e com os outros. Fazer-vos-á bem escutar a experiência de quem vos precedeu.

Queridos jovens, é tempo de voltar a partir apressadamente para encontros concretos, para um real acolhimento de quem é diferente de nós, como acontece entre a jovem Maria e a idosa Isabel. Só assim superaremos as distâncias entre gerações, entre classes sociais, entre etnias, entre grupos e categorias de todo o género, e superaremos também as guerras. Os jovens são sempre a esperança duma nova unidade para a humanidade fragmentada e dividida. Mas somente se tiverem memória, apenas se escutarem os dramas e os sonhos dos idosos. «Não é por acaso que a guerra tenha voltado à Europa no momento em que está a desaparecer a geração que a viveu no século passado» (Francisco, Mensagem para o II Dia Mundial dos Avós e do Idosos). Há necessidade da aliança entre jovens e idosos, para não esquecer as lições da história, para superar as polarizações e os extremismos deste tempo.

Ao escrever aos Efésios, São Paulo anunciou: «Em Cristo Jesus, vós, que outrora estáveis longe, agora estais perto, pelo Sangue de Cristo. Com efeito, Ele é a nossa paz, Ele que, dos dois povos, fez um só e destruiu o muro de separação, a inimizade, na sua carne» (2, 13-14). Jesus é a resposta de Deus face aos desafios da humanidade em todos os tempos. E esta resposta, Maria leva-a dentro de si quando vai ao encontro de Isabel. A maior prenda que Maria oferece à sua parente idosa é levar-lhe Jesus: certamente também a ajuda concreta foi muito preciosa; mas nada teria podido encher a casa de Zacarias com uma alegria tão grande e um significado assim pleno como o fez a presença de Jesus no ventre da Virgem, que se tornara o tabernáculo do Deus vivo. Naquela região montanhosa, Jesus, com a mera presença, sem dizer uma palavra, pronuncia o seu primeiro «discurso da montanha»: proclama em silêncio a bem-aventurança dos pequeninos e dos humildes que se entregam à misericórdia de Deus.

A minha mensagem para vós jovens, a grande mensagem de que é portadora a Igreja é Jesus! Sim, Ele mesmo, o seu amor infinito por cada um de nós, a sua salvação e a vida nova que nos deu. E Maria é o modelo de como acolher este imenso dom na nossa vida e comunicá-lo aos outros, fazendo-nos por nossa vez portadores de Cristo, portadores do seu amor compassivo, do seu serviço generoso, à humanidade sofredora.

Todos juntos em Lisboa!

Maria era uma jovem como muitos de vós. Era uma de nós. Assim escrevia acerca dela o bispo D. Tonino Bello: «Santa Maria, (…) bem sabemos que foste destinada a navegar no alto mar. Mas, se te constrangemos a navegar junto da costa, não é porque queremos reduzir-te aos níveis da nossa pequena navegação costeira. É porque, vendo-te tão perto das praias do nosso desânimo, possa apoderar-se de nós a consciência de sermos chamados, também nós, a aventurar-nos, como Tu, nos oceanos da liberdade» (Maria, mulher dos nossos dias, Cinisello/Balsamo 2012, 12-13).

Como recordei na primeira Mensagem desta trilogia, nos séculos XV e XVI, muitos jovens (incluindo tantos missionários) partiram de Portugal rumo a mundos desconhecidos, inclusive para partilhar a sua experiência de Jesus com outros povos e nações (cf. Francisco, Mensagem JMJ 2020). E a esta terra, no início do século XX, Maria quis fazer uma visita especial, quando de Fátima lançou a todas as gerações a mensagem forte e maravilhosa do amor de Deus que chama à conversão, à verdadeira liberdade. A cada um e cada uma de vós renovo o meu caloroso convite a participar na grande peregrinação intercontinental dos jovens que culminará na JMJ de Lisboa em agosto do próximo ano; e recordo-vos que, no próximo 20 de novembro, Solenidade de Cristo Rei, celebraremos a Jornada Mundial da Juventude nas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo inteiro. A propósito, o recente documento do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida – Orientações pastorais para a celebração da JMJ nas Igrejas particulares– pode ser de grande ajuda para todas as pessoas que trabalham na pastoral juvenil.

Sonho, queridos jovens, que na JMJ possais experimentar novamente a alegria do encontro com Deus e com os irmãos e as irmãs. Depois dum prolongado período de distanciamento e separação, em Lisboa – com a ajuda de Deus – reencontraremos juntos a alegria do abraço fraterno entre os povos e entre as gerações, o abraço da reconciliação e da paz, o abraço duma nova fraternidade missionária! Que o Espírito Santo acenda nos vossos corações o desejo de vos levantardes e a alegria de caminhardes todos juntos, em estilo sinodal, abandonando falsas fronteiras. O tempo de nos levantarmos é agora. Levantemo-nos apressadamente! E, como Maria, levemos Jesus dentro de nós, para O comunicar a todos. Neste belíssimo momento da vossa vida, avançai, não adieis o que o Espírito pode realizar em vós! De coração abençoo os vossos sonhos e os vossos passos.

Roma, São João de Latrão, na Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria,15 de agosto de 2022.

Francisco

Mensagem do Papa Francisco para a XXXVI Jornada Mundial da Juventude (21.11.2021)

“Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste!” (cf. At 26, 16)

Queridos jovens,

Gostaria de tomar-vos pela mão, mais uma vez, para continuarmos juntos na peregrinação espiritual que nos conduz rumo à Jornada Mundial da Juventude de Lisboa em 2023.

No ano passado, pouco antes de se propagar a pandemia, assinava a mensagem cujo tema era «Jovem, Eu te digo, levanta-te!» (cf. Lc 7, 14). Na sua providência, o Senhor já queria preparar-nos para o desafio duríssimo que estávamos para viver.

O mundo inteiro teve de defrontar-se com o sofrimento causado pela perda de tantos entes queridos e pelo isolamento social. A emergência sanitária impediu também a vós jovens – por natureza projetados para o exterior – de sair para irdes à escola, à universidade, ao trabalho, para vos encontrardes…. Vistes-vos em situações difíceis, que não estáveis acostumados a gerir. Aqueles que estavam menos preparados e desprovidos de apoio sentiram-se desorientados. Em muitos casos, surgiram problemas familiares, bem como desemprego, depressão, solidão e vícios; para não falar do stresse acumulado, das tensões e explosões de raiva, do aumento da violência.

Mas, graças a Deus, este não é o único lado da moeda. Se a provação pôs a descoberto as nossas fragilidades, fez emergir também as nossas virtudes, nomeadamente a predisposição à solidariedade. Em toda a parte, vimos tantas pessoas, incluindo muitos jovens, a lutar pela vida, semear esperança, defender a liberdade e a justiça, ser artífices de paz e construtores de pontes.

Quando cai um jovem, de certo modo cai a humanidade. Mas também é verdade que, quando um jovem se levanta, é como se o mundo inteiro se levantasse. Queridos jovens, que grande potencialidade tendes nas vossas mãos! Que força trazeis nos vossos corações!

Por isso, hoje, Deus diz a cada um de vós mais uma vez: «Levanta-te!» Espero de todo o coração que esta mensagem ajude a preparar-nos para tempos novos, para uma página nova na história da humanidade. Mas não há possibilidades de recomeçar sem vós, queridos jovens. Para levantar-se, o mundo precisa da vossa força, do vosso entusiasmo, da vossa paixão. É neste sentido que gostaria de meditar, juntamente convosco, sobre o trecho dos Atos dos Apóstolos onde Jesus diz a Paulo: «Levanta-te! Constituo-te testemunha do que viste» (cf. At 26, 16).

Paulo, testemunha diante do rei

O versículo que serve de inspiração ao tema do Dia Mundial da Juventude de 2021 encontra-se no testemunho de Paulo diante do rei Agripa, no tempo em que estava detido na prisão. Outrora inimigo e perseguidor dos cristãos, agora é julgado precisamente pela sua fé em Cristo. À distância de vinte e cinco anos dos factos, o Apóstolo conta a sua história e o episódio fundamental do seu encontro com Cristo.

Paulo confessa que, no passado, perseguira os cristãos, até que um dia, quando ia a Damasco para prender alguns deles, uma luz «mais brilhante do que o Sol» o envolveu, a ele e aos seus companheiros de viagem (cf. At 26, 13), mas só ele ouviu «uma voz»: falou-lhe Jesus, chamando-o pelo nome.

«Saulo, Saulo!»

Aprofundemos, juntos, o acontecimento. Ao chamá-lo pelo nome, o Senhor faz saber a Saulo que o conhece pessoalmente. É como se lhe dissesse: «Sei quem és, sei o que estás a tramar, mas, não obstante isso, é precisamente a ti que estou a falar». Pronuncia o seu nome duas vezes, querendo significar uma vocação especial e muito importante, como fizera com Moisés (cf. Ex 3, 4) e com Samuel (cf. 1 Sam 3, 10). Caindo por terra, Saulo reconhece que é testemunha duma manifestação divina, duma revelação vigorosa, que o transtorna mas sem o aniquilar; pelo contrário, interpela-o usando o nome.

Com efeito, só muda a vida um encontro pessoal, não anónimo, com Cristo. Jesus mostra que conhece bem Saulo, que «o conhece intimamente». Embora Saulo seja um perseguidor, embora haja ódio no seu coração contra os cristãos, Jesus sabe que isso se fica a dever à ignorância e quer manifestar nele a sua misericórdia. Será precisamente esta graça, este amor imerecido e incondicional, a luz que transformará radicalmente a vida de Saulo.

«Quem és tu, Senhor?»

Perante esta presença misteriosa que o chama pelo nome, Saulo pergunta: «Quem és tu, Senhor?» (At 26, 15). Trata-se duma questão extremamente importante, e todos nós mais cedo ou mais tarde na vida a devemos colocar. Não basta ter ouvido outros a falarem de Cristo; é necessário falar com Ele pessoalmente. No fundo, rezar é isto. É falar diretamente com Jesus, embora porventura tenhamos o coração ainda em desordem, a cabeça cheia de dúvidas ou mesmo de desprezo por Cristo e pelos cristãos. Faço votos de que cada jovem chegue, do fundo do coração, a fazer esta pergunta: «Quem és tu, Senhor?».

Não podemos presumir que todos conheçam Jesus, mesmo na era da internet. A pergunta que muitas pessoas dirigem a Jesus e à Igreja é precisamente esta: «Quem és?». Em toda a narrativa da vocação de São Paulo, esta é a única vez que ele fala. E, à sua pergunta, o Senhor responde prontamente: «Eu sou Jesus a quem tu persegues» (26, 15).

«Eu sou Jesus a quem tu persegues!»

Através desta resposta, o Senhor Jesus revela um grande mistério a Saulo: que Ele Se identifica com a Igreja, com os cristãos. Até então Saulo não vira nada de Cristo, senão os fiéis que metera na prisão (cf. At 26, 10), dando o próprio assentimento à sua condenação à morte (26, 10). E vira como os cristãos respondiam ao mal com o bem, ao ódio com o amor, aceitando as injustiças, as violências, as calúnias e as perseguições suportadas pelo nome de Cristo. Assim, bem vistas as coisas, de algum modo Saulo – sem o saber – tinha encontrado Cristo: encontrara-O nos cristãos.

Quantas vezes ouvimos dizer: «Jesus sim, a Igreja não», como se um pudesse ser alternativa à outra. Não se pode conhecer Jesus, se não se conhece a Igreja. Só se pode conhecer Jesus por meio dos irmãos e irmãs da sua comunidade. Ninguém pode dizer-se plenamente cristão, se não viver a dimensão eclesial da fé.

«É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão»

Estas são as palavras que o Senhor dirige a Saulo, depois que ele caiu por terra. Mas é como se, já desde algum tempo, lhe estivesse a falar misteriosamente procurando atraí-lo para Si, e Saulo resistisse. A mesma suave «repreensão», dirige-a Nosso Senhor a cada jovem que se mantém afastado: «Até quando fugirás de Mim? Porque é que não sentes que te estou a chamar? Estou à espera do teu regresso». À semelhança do que sucedeu ao profeta Jeremias, às vezes dizemos: «Não pensarei mais n’Ele!?» (Jr 20, 9). Mas, no coração de cada um, há como que um fogo ardente: embora nos esforcemos por contê-lo, não conseguimos porque é mais forte do que nós.

O Senhor escolhe alguém que até O persegue, completamente hostil a Ele e aos seus. Mas, para Deus, não há pessoa que seja irrecuperável. Através do encontro pessoal com Ele, é sempre possível recomeçar. Ninguém está fora do alcance da graça e da misericórdia de Deus. De ninguém se pode dizer: Está demasiado longe… É demasiado tarde… Quantos jovens sentem a paixão de se opor e ir contra corrente, mas trazem escondida no coração a necessidade de se comprometer, de amar com todas as suas forças, de se identificar com uma missão! No jovem Saulo, Jesus vê exatamente isto.

Reconhecer a própria cegueira

Podemos imaginar que, antes do encontro com Cristo, Saulo estivesse de certo modo «cheio de si», considerando-se «grande» pela sua integridade moral, o seu zelo, as suas origens, a sua cultura. Seguramente estava convencido da justeza da sua posição. Mas, quando o Senhor se lhe revela, é «lançado por terra» e fica cego. De repente, descobre que não é capaz, física e espiritualmente, de ver. As suas certezas vacilam. No íntimo, sente que aquilo que o animava com tanta paixão, ou seja, o zelo de eliminar os cristãos, estava completamente errado. Dá-se conta de não ser o detentor absoluto da verdade; antes pelo contrário, está bem longe dela. E, juntamente com as suas certezas, cai também a sua «grandeza». De repente, descobre-se perdido, frágil, «pequeno».

Esta humildade – consciência da própria limitação – é fundamental. Quem pensa que sabe tudo sobre si mesmo, os outros e até sobre as verdades religiosas, terá dificuldade em encontrar Cristo. Tendo ficado cego, Saulo perdeu os seus pontos de referência. Ficando sozinho na escuridão, para ele as únicas coisas claras são a luz que viu e a voz que ouviu. Que paradoxo! Precisamente quando uma pessoa reconhece estar cega, começa a ver…

Depois da fulguração na estrada de Damasco, Saulo preferirá ser chamado Paulo, que significa «pequeno». Não se trata dum pseudónimo nem dum «nome de arte» (tão usado hoje mesmo entre as pessoas comuns): o encontro com Cristo fê-lo sentir-se verdadeiramente assim, derrubando o muro que o impedia de se conhecer com toda a verdade. De si mesmo afirma: «É que eu sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus» (1 Cor 15, 9).

Santa Teresa de Lisieux gostava de repetir, como aliás outros santos, que a humildade é a verdade. Hoje em dia muitas «histórias» condimentam os nossos dias, principalmente nas redes sociais, muitas vezes criadas habilmente com muitas filmagens, telecâmaras, variados cenários. Procuram-se cada vez mais as luzes da ribalta, sabiamente orientadas, para poder mostrar aos «amigos» e seguidores uma imagem de si mesmo que às vezes não reflete a própria verdade. Cristo, meridiana luz, vem iluminar-nos devolvendo-nos a nossa autenticidade, libertando-nos de todas as máscaras. Mostra-nos claramente o que somos, porque nos ama tal como somos.

Mudar de perspetiva

A conversão de Paulo não é um voltar para trás, mas abrir-se para uma perspetiva totalmente nova. Com efeito, ele continua o caminho para Damasco, mas já não é o mesmo de antes; é uma pessoa diversa (cf. At 22, 10). É possível converter-se e renovar-se na vida ordinária, realizando as coisas que costumamos fazer, mas com o coração transformado e com motivações diferentes. Neste caso, Jesus pede expressamente a Paulo que vá até Damasco, para onde se dirigia. Paulo obedece, mas agora a finalidade e a perspetiva da sua viagem mudaram radicalmente. A partir de agora, verá a realidade com olhos novos: antes, eram os olhos do perseguidor justiceiro; a partir de agora, serão os do discípulo testemunha. Em Damasco, Ananias batiza-o e introdu-lo na comunidade cristã. No silêncio e na oração, Paulo aprofundará a sua experiência e a nova identidade que o Senhor Jesus lhe deu.

Não dispersar a força e a paixão dos jovens

A atitude de Paulo, antes do encontro com Jesus ressuscitado, não nos é muito estranha. Quanta força e paixão vivem também nos vossos corações, queridos jovens! Mas, se a escuridão ao vosso redor e dentro de vós mesmos vos impedir de ver corretamente, correis o risco de perder-vos em batalhas sem sentido, e até de vos tornardes violentos. E, infelizmente, as primeiras vítimas sereis vós mesmos e aqueles que estão mais próximo de vós. Há também o perigo de lutar por causas que, originalmente, defendem valores justos, mas, levadas ao extremo, tornam-se ideologias destrutivas. Quantos jovens hoje, talvez impelidos pelas suas próprias convicções políticas ou religiosas, acabam por se tornar instrumentos de violência e destruição na vida de muitos! Alguns, que já nasceram rodeados dos meios digitais, encontram o novo campo de batalha no ambiente virtual e nas redes sociais, recorrendo sem escrúpulos à arma de falsas notícias para espalhar venenos e demolir os seus adversários.

Quando o Senhor irrompe na vida de Paulo, não anula a sua personalidade, não cancela o seu zelo e paixão, mas usa os seus dotes para fazer dele o grande evangelizador até aos confins da terra.

Apóstolo dos gentios

Em seguida, Paulo será conhecido como «o apóstolo dos gentios»; ele, que fora um fariseu escrupulosamente observante da Lei! Aqui está outro paradoxo: o Senhor deposita a sua confiança precisamente naquele que O perseguia. À semelhança de Paulo, cada um de nós pode ouvir no fundo do coração esta voz que lhe diz: «Confio em ti. Conheço a tua história e tomo-a nas minhas mãos juntamente contigo. Apesar de muitas vezes teres estado contra Mim, escolho-te e torno-te minha testemunha». A lógica divina pode fazer do pior perseguidor uma grande testemunha.

O discípulo de Cristo é chamado a ser «luz do mundo» (Mt 5, 14). Paulo tem de testemunhar o que viu, mas agora está cego. Estamos de novo perante um paradoxo! Mas, precisamente através desta sua experiência pessoal, Paulo poderá identificar-se com aqueles a quem o Senhor o envia. Com efeito, é constituído testemunha «para lhes abrir os olhos e fazê-los passar das trevas à luz» (At 26, 18).

«Levanta-te e testemunha!»

Ao abraçar a vida nova que nos é dada no Batismo, recebemos também uma missão do Senhor: «Serás minha testemunha». É uma missão que pede a nossa dedicação e faz mudar a vida.

Hoje, o convite de Cristo a Paulo é dirigido a cada um e cada uma de vós, jovens: Levanta-te! Não podes ficar por terra a «lamentar-te com pena de ti mesmo»; há uma missão que te espera! Também tu podes ser testemunha das obras que Jesus começou a realizar em ti. Por isso, em nome de Cristo, eu te digo:

– Levanta-te e testemunha a tua experiência de cego que encontrou a luz, viu o bem e a beleza de Deus em si mesmo, nos outros e na comunhão da Igreja que vence toda a solidão.

– Levanta-te e testemunha o amor e o respeito que se podem estabelecer nas relações humanas, na vida familiar, no diálogo entre pais e filhos, entre jovens e idosos.

– Levanta-te e defende a justiça social, a verdade e a retidão, os direitos humanos, os perseguidos, os pobres e vulneráveis, aqueles que não têm voz na sociedade, os imigrantes.

– Levanta-te e testemunha o novo olhar que te faz ver a criação com olhos cheios de maravilha, te faz reconhecer a Terra como a nossa casa comum e te dá a coragem de defender a ecologia integral.

– Levanta-te e testemunha que as existências fracassadas podem ser reconstruídas, as pessoas já mortas no espírito podem ressuscitar, as pessoas escravizadas podem voltar a ser livres, os corações oprimidos pela tristeza podem reencontrar a esperança.

– Levanta-te e testemunha com alegria que Cristo vive! Espalha a sua mensagem de amor e salvação entre os teus coetâneos, na escola, na universidade, no trabalho, no mundo digital, por todo o lado.

O Senhor, a Igreja e o Papa confiam em vós e constituem-vos testemunhas junto de muitos outros jovens que encontrais pelos «caminhos de Damasco» do nosso tempo. Não vos esqueçais: «Se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 120).

Levantai-vos e celebrai a JMJ nas Igrejas Particulares!

Renovo a todos vós, jovens do mundo inteiro, o convite a tomar parte nesta peregrinação espiritual que nos levará à celebração da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa no ano de 2023. O próximo encontro, porém, é nas vossas Igrejas Particulares, nas várias dioceses e eparquias da terra, onde, na Solenidade de Cristo Rei, será celebrado – a nível local – o Dia Mundial da Juventude de 2021.

Espero que todos nós possamos viver estas etapas como verdadeiros peregrinos e não como «turistas da fé»! Abramo-nos às surpresas de Deus, que quer fazer resplandecer a sua luz sobre o nosso caminho. Abramo-nos à escuta da sua voz, inclusive através dos nossos irmãos e irmãs. Assim ajudar-nos-emos uns aos outros a levantar-nos juntos e, neste difícil momento histórico, tornar-nos-emos profetas de tempos novos, cheios de esperança! A Bem-Aventurada Virgem Maria interceda por nós.

Roma, São João de Latrão, na Festa da Exaltação da Santa Cruz, 14 de setembro de 2021.

Jovens

pe. Duarte da Cunha, Secretário-Geral do Conselho das Conferências Episcopais da Europa

O acompanhamento dos jovens foi o tema do Simpósio organizado pelo CCEE – Conselho das Conferências Episcopais da Europa –, em Barcelona, de 28 a 31 de Março, onde estiveram presentes responsáveis da pastoral juvenil de 37 países. Apesar de estar previsto desde há dois anos e de ter envolvido muita gente na sua preparação, o facto de o Papa em Outubro ter anunciado para 2018 um Sínodo dos bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional, tornou este Simpósio particularmente interessante. Podemos dizer que se tornou uma etapa de preparação para o Sínodo. Uma etapa europeia, mas que irá dinamizar, certamente, outros continentes e irá reforçar o que já se está a fazer em cada país em vista do Sínodo.

Preparar um Sínodo quer dizer tomar consciência dos desafios que a Igreja está a enfrentar a propósito do tema escolhido e que é considerado como uma prioridade para a vida da Igreja. Neste caso os jovens. Com o Simpósio o debate começou. Partilho três aspectos deste debate que deverão ser ainda desenvolvidos:

1. Parece-me ultrapassada a ideia de se sectorizar muito a vida pastoral – como se os jovens fossem um sector estanque ao lado de outros como a família, a cultura, a liturgia, etc.. Cada vez é mais claro que na vida pastoral tudo tem a ver com tudo. Como numa família. Pode haver questões dos filhos, ou dos pais, ou de saúde ou de trabalho, mas todos os temas interessam a cada um dos membros da família. Assim, na Igreja, será bom olhar para os jovens tendo presente todos os laços que existem na vida, ligando, portanto, por exemplo, a pastoral juvenil à pastoral familiar.

2. No Simpósio o tema da vocação, tal como é previsto que se venha a falar no Sínodo de 2018, apareceu muito ligado à pastoral juvenil. Duas são as ideias fortes a este propósito. Primeiro que quem acompanha um jovem – seja uma pessoa seja um grupo ou uma comunidade – tem como missão ajudá-lo a descobrir os sinais do que Deus o chama a ser na Igreja e no mundo, e ajudar a não ter medo de abraçar essa vocação (sacerdócio, vida consagrada, casamento, consagração laical…); segunda ideia forte é que toda a vida cristã, desde o baptismo, tem uma dinâmica vocacional. Ter fé é ter encontrado Jesus Cristo. E, por isso, crescer na fé é seguir os apelos de Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Uma boa pastoral conduz a pessoa a discernir continuamente a vontade de Deus, e procurar pô-la em prática. Como fazer? Que tipo de vida cristã propor e que tipo de pastoral para que seja possível educar nesta dinâmica vocacional os jovens? É preciso formar bem a consciência do jovem. Isso implica ensinar a doutrina, mas também mostrar através de exemplos evidentes que o que Deus pede é sempre o caminho para a verdadeira felicidade. A pastoral, por isso, deve levar cada um a sentir-se responsável e feliz por descobrir a sua missão. A resposta aos apelos de Deus deve ser dada por cada um. Mas como se faz para acompanhar um jovem a fim de que a sua resposta seja decidida e livre, mas também seja justa e fecunda?

3. Um terceiro ponto, que dará origem a intensos debates, tem a ver com o encontro entre a fé e a cultura actual. Podemos, e devemos, sem dúvida, ver tantas coisas boas a acontecer. Saber valorizar é próprio dos cristãos. Mas também é próprio de quem tem fé saber distinguir o bem do mal. Alguns aspectos da nossa cultura, como o secularismo – que afasta Deus da vida – ou o individualismo – que divide a pessoa dos outros e a coloca sozinha a ter de enfrentar a vida, sem critérios morais objectivos – são desafios que os cristãos devem enfrentar e batalhas que devem travar. A vida cristã nunca se pode conformar com uma cultura adversa. Para se desenvolver uma boa pastoral neste contexto, julgo ser necessário investir tempo e energia quer na vida de oração quer na vida de comunidade. Estes dois aspectos devem estar presentes como método e como objectivos para enfrentar o secularismo e o individualismo.

Eis algumas ideias. Há muito mais a pensar, e sobretudo a descobrir a partir do que Deus já está a fazer em tantas óptimas experiências de pastoral juvenil, para que a Igreja continue a acompanhar os jovens e o Sínodo se torne um momento de anúncio de esperança.

JMJ

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA A XXXII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE 2017

Domingo de Ramos, 9 de abril de 2017

«O Todo-poderoso fez em Mim maravilhas» Lc 1, 49

Queridos jovens!

Eis-nos de novo em caminho, depois do nosso encontro maravilhoso em Cracóvia, onde celebramos juntos a XXXI Jornada Mundial da Juventude e o Jubileu dos Jovens, no contexto do Ano Santo da Misericórdia. Deixamo-nos guiar por São João Paulo II e Santa Faustina Kowalska, apóstolos da misericórdia divina, para dar uma resposta concreta aos desafios do nosso tempo. Vivemos uma intensa experiência de fraternidade e alegria, e demos ao mundo um sinal de esperança; as bandeiras e as línguas diferentes não eram motivo de discórdia e divisão, mas ocasião para abrir as portas dos corações, para construir pontes.

No final da JMJ de Cracóvia, indiquei o próximo destino da nossa peregrinação que, com a ajuda de Deus, nos levará ao Panamá em 2019. Neste caminho, acompanhar-nos-á a Virgem Maria, Aquela que todas as gerações chamam bem-aventurada (cf. Lc 1, 48). O novo trecho do nosso itinerário liga-se ao anterior, que estava centrado nas Bem-aventuranças, mas impele-nos a avançar. Na realidade, tenho a peito que vós, jovens, possais caminhar, não só fazendo memória do passado, mas tendo também coragem no presente e esperança no futuro. Estas atitudes, sempre vivas na jovem Mulher de Nazaré, aparecem claramente expressas nos temas escolhidos para as próximas três JMJ. Neste ano (2017), refletiremos sobre a fé de Maria, quando disse no Magnificat: «O Todo-poderoso fez em Mim maravilhas» (Lc 1, 49). O tema do próximo ano (2018) – «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus» (Lc 1, 30) – far-nos-á meditar sobre a caridade, cheia de coragem, com que a Virgem acolheu o anúncio do anjo. A JMJ de 2019 inspirar-se-á nas palavras «Eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38), a resposta de Maria ao anjo, cheia de esperança.

Em outubro de 2018, a Igreja celebrará o Sínodo dos Bispos sobre o tema: Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Interrogar-nos-emos sobre o modo como vós, jovens, viveis a experiência da fé no meio dos desafios do nosso tempo. E abordaremos também a questão das possibilidades que tendes de maturar um projeto de vida, discernindo a vossa vocação – entendida em toda a sua amplitude de destinação – ao matrimónio, no âmbito laical e profissional, ou então à vida consagrada e ao sacerdócio. Desejo que haja uma grande sintonia entre o percurso para a JMJ do Panamá e o caminho sinodal. Continuar a ler JMJ