Cinzas

Quarta-feira de Cinzas

Entra no teu quarto

Entra no teu quarto.

Entra dentro de ti, no teu coração.

Entra no teu quarto.

Toma consciência da tua vida, da qualidade da tua vida. Da qualidade espiritual, da qualidade de amor, da qualidade de generosidade, da qualidade ou não de misericórdia que tu vives.

Entra no teu quarto.

Escuta o teu coração e entra. Entra com esperança para olhares o Pai, para descobrires o Pai que te ama e que te estende a mão.

Entra no teu quarto e descobre, redescobre que Deus é teu Pai e que Deus é uma presença de amor. Ele assiste ao nosso parto, Ele assiste à reinvenção de nós mesmos, Ele assiste à transformação da nossa vida.

Celebrar o tempo da Quaresma é esperar a primavera que não está longe. Há a primavera que as árvores vão mostrando, mas há sobretudo uma primavera interior, um rejuvenescimento da alma, uma juventude de coração que cada um de nós pode ganhar.

As cinzas hoje benzidas são um sinal austero que revela ao Homem que ele, um dia, será cinza e que tudo aquilo que era grande, tudo isso desaparece. Então, lembremo-nos destas cinzas não como fonte de tristeza, mas sim como lembrança de que devemos fazer as escolhas certas, aquelas escolhas que não passam, aquelas escolhas que permanecem para sempre.

Homilia de quarta-feira de cinzas do Cardeal José Tolentino Mendonça

Quinta-feira

O ser hipotecado ao ter

Senhor,

são estes os primeiros dias da Quaresma. Um tempo para pôr a vida em processo de florescimento. Vivemos triturados na digestão que o mundo faz de nós próprios. Trazemos o ser hipotecado ao ter. Corremos de um lado para o outro, reféns e instrumentos, mais do que autónomos e criativos.

Mergulhar no caminho quaresmal de oração, de penitência e de caridade liberta-nos, concede-nos um olhar novo sobre as coisas, cria no nosso coração zonas de disponibilidade para o que é essencial, possibilita o exercício do pensamento e do discernimento, melhora o sentido de humor e fortalece o nosso ser.

José Tolentino Mendonça in “Um Deus que dança”

Sexta-feira

Jesus, nossa Esperança

Jesus, nossa esperança, tu vens fazer de nós pessoas humildes segundo o teu Evangelho. Tu ofereces-nos a frescura do teu Evangelho: tudo começa com a confiança do coração. Gostaríamos tanto de compreender que o que há de melhor em nós se constrói através de uma confiança muito simples, tão simples que mesmo uma criança a pode compreender e viver.

Abençoa-nos, Jesus nossa paz, tu que nos amas sempre, mesmo na nossa noite.

Abençoa-nos, Jesus nossa luz, tu que vens apaziguar o nosso coração quando nos acontece o incompreensível.

Abençoa-nos, Jesus nossa força, tu que procuras ser tudo para nós.

Comunidade de Taizé

Sábado

Transfiguração

A Quaresma convida-nos a fazer uma viagem por dentro de nós mesmos, a atravessar os nossos desertos, os nossos jardins, a arrumar a casa dos nossos afetos, a raiz dos nossos desejos, a reordenar o rumo da nossa vida e a qualidade das nossas relações. Fazemos essa viagem guiados pelo evangelho que é Cristo, Ele próprio no seu «êxodo», na sua travessia/passagem pela morte para a glória da ressurreição e da plenitude da vida.

Jesus desconcerta as expetativas dos discípulos, desarruma-os, vira-os do avesso: um messias assim não lhe passava pela cabeça; era, para eles, uma violência, uma impossibilidade mental e teológica: o Cristo de Deus só poderia vir pela força, trazendo uma libertação do domínio político romano. Essa era a profunda expetativa de um povo inteiro, da qual eles comungavam. Por isso Jesus desconcerta-os. Podemos imaginar que entram numa profunda crise. Atravessam a insegurança, a ameaça, o risco, o perigo. É neste contexto que vemos Jesus tranquilizar e consolar os discípulos, ou ao menos o núcleo duro, os mais próximos: Pedro, Tiago e João. Faz com eles uma viagem. Sobem a um monte, e aí Jesus expõe-se em oração ao Pai. Essa viagem, com Cristo, é uma antecipação da páscoa, uma profecia da ressurreição para o presente do nosso tempo presente, quando marcado pela crise e pela incerteza.

A oração é esse lugar onde somos transfigurados pelo Espírito, onde se vive, no discreto do quotidiano dos nossos dias, a morte e ressurreição, a passagem da desolação à consolação, da revolta à aceitação, do medo à confiança. Na oração somos ressuscitados, transfigurados, pelo Pai que nos consola, nos acolhe pelo abraço do Espírito. A oração é essa ligação permanente de Jesus ao Pai, à fonte da sua identidade de Filho, a razão do seu ser e do seu agir.

A Quaresma exercita-se como um tempo de oração. Esta deve ser percebida e vivida, não tanto como um recitar de fórmulas, mas mais como silêncio hospitaleiro, repousante, do gemido de Deus nas profundezas da nossa consciência e do nosso sentir. Somos convidados para, no silêncio, esperar Deus, numa passividade recetiva e expectante, onde nada fazemos mas consentimos fazer, onde somos escuta e não dizer.

Padre António Martins in “Homilia no I Domingo da Quaresma (17.03.2019)”