Tempo do Natal

Domingo – Festa da Sagrada Família

Toda a família é sagrada

A família de Nazaré, nós chamamo-la a Sagrada Família porque toda a família é sagrada. Sagrada porque faz parte do plano de Deus – a família é um instrumento da salvação de Deus na história dos homens. Cada um de nós precisa de uma família, é fruto, é consequência de uma família e é construtor de família. Nesse sentido, a família é um marco onde podemos tatear o plano de Deus, a vontade de Deus, o desígnio salvador de Deus na história. A família não é apenas uma invenção cultural, a família tem uma força, tem uma dignidade, tem um papel que é anterior à própria cultura – porque ela é a raiz da própria vida.

A família é um dinamismo – a família não é uma coisa que existe, não é um mapa. É um engano dizer: “A minha família é uma família tradicional” – não há famílias tradicionais… Nós olhamos para o Presépio, não há famílias tradicionais, há famílias! Há esse chamamento de amor e de encontro… e isso é vivido numa construção permanente. a família é um lugar de ação, é um lugar de construção.

A família é um fazer, a família é uma ação – porque a relação não é uma coisa estável, a relação é alguma coisa que se aprofunda continuamente, que se descobre, que se redescobre, que se trabalha, que se investe, que se qualifica… Isso é a família. Por isso, para nós, a família é uma tarefa. Não é aquilo que nós conhecemos ontem. Não basta o conhecimento de ontem para viver a família, é preciso o amor de hoje, e é preciso o investimento que todos nós somos chamados a fazer na nossa família. E cada um tem um papel.

O outro aspeto da vida da família é a família não se fechar em si mesma, mas ter uma capacidade de acolhimento. Uma família só se reforça se ela não se torna um projeto fechado, se ela não é uma cápsula, mas é de facto uma escola de amor, uma escola de aprendizagem onde se aprende a amar, onde se aprende a abraçar, onde se aprende a respeitar, onde se aprende a ouvir, onde se aprende a cuidar dos outros… é esse lugar de aprendizagem para depois se praticar no mundo – porque não é só a “minha família”… cada um de nós tem muitas famílias: os nossos amigos são também uma família, a nossa comunidade é também uma família, o lugar onde trabalhamos é também uma família, o mundo tem de ser para nós uma família… nós cristãos olhamos para o mundo dizendo que é “a família humana”, e nós temos de facto de levar ao mundo a arte de ser família, a arte de integrar, a arte de compreender, a arte de perdoar, a arte de promover, a arte de dialogar, isso é que temos de levar para o mundo!

José Tolentino Mendonça in “Homilia no Dia da Sagrada Família (30.12.2018)”

Segunda-feira

A proximidade de Deus

O Evangelho abre-se sobre a grande esperança da noite de Natal. O Evangelho conta, de forma surpreendente, e até inacreditável, como Deus age para com a humanidade. Em Jesus, Ele vem pedir a cada um e a cada uma, geração após geração, para participar na sua obra de reconciliação. Então, mesmo nas horas mais sombrias, a promessa do Natal é fonte de encorajamento para os que se comprometem na construção da paz.

No Natal, compreendemos que a paz é um dom de Deus e que, em primeiro lugar, é importante acolhê-lo. Somos chamados a uma verdadeira mudança do coração, voltando-nos para a Criança no presépio. Sem esta mudança no mais profundo de nós mesmos, não há paz verdadeira. Quando celebramos o Natal, Deus faz nascer em nós a paz do coração. Vamos buscá-la à confiança que temos de que Deus ama os homens.

No Natal, celebramos um Deus que se faz próximo, mas não queremos esquecer que, mesmo para nós que somos crentes, Ele permanecerá sempre para lá daquilo que podemos compreender. Abramos generosamente o nosso coração e a nossa inteligência a estas duas dimensões do mistério de Deus: a sua proximidade e a sua transcendência.

Meditar a proximidade de Deus, manifestada no Natal, provocará sempre o espanto. O Verbo fez-se carne. Deus fez-se vulnerável. Deus escolhe revestir a fragilidade humana. Cristo junta-se a nós no mundo, faz-se homem como nós para melhor nos estender a mão. Pela vinda de Jesus, Deus compromete-se a uma verdadeira partilha. Assume a nossa humanidade e, através dela, a nossa própria pessoa.

Ousemos reconhecer, na pequena criança do presépio, a presença de Deus, acolhamos a sua paz e, com ela, a esperança de paz para o mundo inteiro. Deixemo-nos conduzir pela confiança. E assim as nossas vidas podem tornar-se como pequenas luzes de Natal que brilham nas trevas, mesmo se a chama parece por vezes vacilante.

Irmão Alois de Taizé in “Ousar acreditar – a celebração da fé em Taizé”

Terça-feira

Receber para dar

Natal é o maior ato de fé de Deus na humanidade, confiando o Filho unigénito nas mãos de uma jovem, Maria. A comunicação da grande alegria é simples: Deus está em nós. O divino fez-se humano em Jesus de Nazaré. Nele nasceu a luz verdadeira e a única esperança, a fonte das fontes da alegria.

Receber para dar. Dar é o primeiro verbo de um tempo novo. Em todo o Evangelho o verbo amar traduz-se com o verbo dar (não há maior prova de amor, que dar a vida; há mais alegria em dar que receber. É a lei da vida. Para estar bem o homem deve dar. A criança salvadora do Natal de Belém é o redentor da Páscoa. Esta é a nossa fé. Esta é a fé da Igreja que nos alegramos de anunciar.

Ao Deus feito criança pedimos a alegria da paz para o mundo e para a Igreja, para ser uma comunidade de comunidades. A Ele confiamos também o coração dos que quiserem ser servidores da alegria que a Paz do Natal comunica. Acolhamos a verdadeira luz do mundo na beleza simples do Natal. Esta simplicidade cristã é um ponto de chegada e não um ponto de partida. Todavia, para chegar à beleza simples é necessário partir de Cristo, a alegria da nossa paz.

D. José Cordeiro in “Homilia da Missa da noite de Natal 2012”

Quarta-feira – Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

O mistério que nos visita

Cada um de nós tem de investir, tem de dar, tem de se entregar, tem de modificar, tem de se pôr de pé; mas, ao mesmo tempo, tudo é graça, tudo é dado, tudo é dom. A vida é conquista mas também é dádiva, a vida também é um mistério que nos visita, também é a graça que se vem sentar a nosso lado, também é aquilo que nós não sabemos explicar mas que acontece e que muitas vezes é a experiência decisiva, muitas vezes é a epifania e o milagre na nossa vida. A nossa vida avança numa linha reta, mas também é feita de ruturas, de saltos, também é feita disso que só o exercício profundo da confiança nos pode fazer tocar.

Por isso, neste primeiro dia do ano, nós sabemos isto: numa mão temos a força da conquista que temos de fazer, dia a dia, hora a hora, plasmando o tempo, sendo nós os oleiros do tempo; mas a outra mão é a mão que recebe, é a mão que a vida vai encher, onde Deus vai colocar caminhos para vivermos – essa mão que é o milagre, essa mão que nos vai encher o coração de gratidão, essa mão que é o mistério de Deus que vem ao nosso encontro, essa mão que é o amor com que Deus em cada dia de uma forma incondicional nos abençoa. A vida não se resume àquilo que nós podemos fazer, nós precisamos de ser redimidos nesse encontro com o Outro e com todo o outro. É na conjugação, é na rede, é na roda, é na dança que a vida surge, que as coisas mais importantes rebentam, nascem, florescem. Por isso, temos de abrir o nosso coração e sentirmo-nos abençoados.

Hoje celebramos a solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Maria é para nós um modelo de vida. Aquela rapariga da Galileia tem tanto a ensinar-nos nas atitudes fundamentais da sua vida, na capacidade de dizer “Sim”, um sim a uma história muito maior do que ela e ela abre as portas do seu coração a isso, assumindo que isso tem um custo, que isso se paga também em sofrimento, em compreensão, em solidão – ela assumiu essa história. E depois, a fidelidade que Maria vive em cada momento a essa história. Ela deve muitas vezes ter olhado para Jesus e não ter entendido nada, mas guardava isso no seu coração, guardava imagens, guardava palavras, pedindo a Deus que desse um sentido àquilo que ela via e não entendia, sentindo que tinha ela própria também de fazer um caminho para descobrir Jesus. Maria não é aquela que entende tudo logo. Ela terá feito um caminho duríssimo de compreensão progressiva do mistério de Jesus.  É também esse caminho que nós fazemos, um caminho progressivo de compreensão do mistério que nos visita.

José Tolentino Mendonça in “Homilia na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus (01.01.2017)”

Quinta-feira

Desarmar o coração

Que 2025 seja um ano em que a paz cresça! Aquela paz verdadeira e duradoura, que não se detém nas querelas dos contratos ou nas mesas dos compromissos humanos. Procuremos a verdadeira paz, que é dada por Deus a um coração desarmado: um coração que não se esforça por calcular o que é meu e o que é teu; um coração que dissolve o egoísmo para se dispor a ir ao encontro dos outros; um coração que não hesita em reconhecer-se devedor de Deus e que, por isso, está pronto para perdoar as dívidas que oprimem o próximo; um coração que supera o desânimo em relação ao futuro com a esperança de que cada pessoa é um bem para este mundo.

Desarmar o coração é um gesto que compromete a todos, do primeiro ao último, do pequeno ao grande, do rico ao pobre. Por vezes, é suficiente algo simples como «um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito». Com estes pequenos-grandes gestos, aproximamo-nos da meta da paz, e lá chegaremos mais depressa quanto mais, ao longo do caminho, ao lado dos nossos irmãos e irmãs reencontrados, descobrirmos que já mudámos em relação ao nosso ponto de partida. Com efeito, a paz não vem apenas com o fim da guerra, mas com o início de um mundo novo, um mundo no qual nos descobrimos diferentes, mais unidos e mais irmãos do que poderíamos imaginar.

Concede-nos, Senhor, a tua paz! Esta é a oração que elevo a Deus ao dirigir as minhas saudações de Ano Novo aos Chefes de Estado e de Governo, aos Chefes das Organizações Internacionais, aos líderesdas diferentes religiões e a todas as pessoas de boa vontade.

Perdoa-nos as nossas ofensas, Senhor,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,
e, neste círculo de perdão, concede-nos a tua paz,
aquela paz que só Tu podes dar
para aqueles que deixam o seu coração desarmado,
para aqueles que, com esperança, querem perdoar as dívidas aos seus irmãos,
para aqueles que confessam sem medo que são vossos devedores,
para aqueles que não ficam surdos ao grito dos mais pobres.

Papa Francisco in “Mensagem para o LVIII Dia Mundial da Paz”

Sexta-feira

Jesus, caminho para a paz

Jesus nasce no meio de nós, é Deus-connosco. Vem para acompanhar a nossa vida quotidiana, partilhar tudo connosco, alegrias e amarguras, esperanças e inquietações. Vem como menino indefeso. Nasce ao frio, pobre entre os pobres. Carecido de tudo, bate à porta do nosso coração para encontrar calor e abrigo.

Como os pastores de Belém, deixemo-nos envolver pela luz e saiamos para ver o sinal que Deus nos deu. Vençamos o torpor do sono espiritual e as falsas imagens da festa que fazem esquecer Quem é o Festejado. Saiamos do tumulto que anestesia o coração induzindo-nos mais a preparar ornamentações e prendas do que a contemplar o Evento: o Filho de Deus nascido para nós.

Irmãos, irmãs, voltemo-nos para Belém, onde ressoa o primeiro choro do Príncipe da paz. Sim, porque Ele mesmo – Jesus – é a nossa paz: aquela paz que o mundo não se pode dar a si mesmo e Deus Pai concedeu-a à humanidade enviando o seu Filho ao mundo.

Jesus Cristo é também o caminho da paz. Com a sua encarnação, paixão, morte e ressurreição, abriu a passagem de um mundo fechado, oprimido pelas trevas da inimizade e da guerra, para um mundo aberto, livre para viver na fraternidade e na paz. Irmãos e irmãs, sigamos este caminho! Mas, para o podermos fazer, para sermos capazes de seguir os passos de Jesus, devemos despojar-nos dos pesos que nos enredam e bloqueiam.

Se queremos que seja Natal, o Natal de Jesus e da paz, voltemos o olhar para Belém e fixemo-lo no rosto do Menino que nasceu para nós! E, naquele rostinho inocente, reconheçamos o das crianças que, em todas as partes do mundo, anseiam pela paz. O Senhor nos torne disponíveis e prontos para gestos concretos de solidariedade a fim de ajudar todos os que sofrem, e ilumine as mentes de quantos têm o poder de fazer calar as armas e pôr termo imediato a esta guerra insensata!

Irmãos e irmãs, Belém mostra-nos a simplicidade de Deus, que Se revela, não aos sábios e entendidos, mas aos pequeninos, a quantos têm o coração puro e aberto (cf. Mt 11, 25). Como os pastores, vamos também nós sem demora e deixemo-nos maravilhar pelo Evento incrível de Deus que Se faz homem para nossa salvação. Aquele que é fonte de todo o bem faz-Se pobre e pede de esmola a nossa pobre humanidade. Deixemo-nos comover pelo amor de Deus e sigamos Jesus, que Se despojou da sua glória para nos tornar participantes da sua plenitude.

Papa Francisco  in “Benção Urbi et Orbi – Natal 2022 (25.12.2022)”

Sábado

E se o Natal for tudo isto?

E se o Natal for um recomeço? Talvez este seja o seu significado. E, assim, não nos dedicamos a festejar o que já aconteceu, mas sim aquilo que pode vir a acontecer. Se o Natal for um recomeço, então este tempo é uma oportunidade para festejarmos o que ainda podemos vir a ser. Se o Natal for um recomeço, então andamos a brilhar de esperanças.

E se o Natal for uma eterna novidade? Talvez o Natal seja o tempo em que nos dedicamos ao velho para podermos abraçar o novo. Se o Natal for uma eterna novidade, então andamos a festejar a possibilidade de nada ser dado por terminado. Se o Natal for uma eterna novidade, então andamos a celebrar a certeza de que haverá sempre algo para descobrir em nós, nos outros e em Deus.

E se o Natal for para dar espaço? Talvez o Natal seja a altura ideal para revisitarmos as nossas sombras. Se o Natal for para dar espaço, então andamos a festejar a nossa inteireza. Se o Natal for para dar espaço, então andamos a celebrar a alegria de sabermos que Deus encarna em toda a nossa história. Se o Natal for para dar espaço, então andamos a rejubilar pela novidade de saber que não há nada na nossa história que não possa ser abraçado por este Deus que quer estar connosco.

E se o Natal for para contemplar? Talvez este seja o grande convite desta época. É o tempo onde devemos treinar o nosso olhar. Se o Natal for para contemplar, então é a altura de olharmos com atenção aqueles a quem ninguém permite recomeçar. Se o Natal for para contemplar, então é chegada a hora de olharmos, sem julgamentos, para os que andam em busca. Se o Natal for para contemplar, então talvez tenha chegado o tempo de percebermos que Deus nos visita através dos inesperados, dos últimos, dos que ninguém espera.

E se o Natal for tudo isto? Talvez o Natal seja tudo isto. Um tempo onde o recomeço nos encaminha para esta novidade: a de a nossa vida ganhar espaço na contemplação do que somos e, dessa forma, descobrirmos onde nasce, todos os dias, este Deus-Menino. Este Deus que não se cansa de querer estar connosco.

Emanuel António Dias in “imissio.net”