I Semana do Advento

I Domingo do Advento

Se não levantares a cabeça, não verás o arco-íris

O ano novo começa com o primeiro domingo do Advento, o primeiro dia de um caminho de quatro semanas que nos conduz ao Natal, o eixo em torno do qual giram os anos e os séculos, o início da história nova, quando Deus entrou no rio da humanidade.

Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas, e sobre a Terra a ânsia dos povos por aquilo que terá de acontecer. O Evangelho não antecipa o fim do mundo, mas sim narra o segredo do mundo: toma-nos pela mão e leva-nos para fora de portas, a olhar para o alto, a sentir o cosmo pulsar à nossa volta; chama-nos a abrir as janelas de casa para fazer entrar os grandes ventos da história, a sentirmo-nos parte viva de uma imensa vida. Que padece, que sofre, mas que nasce. O mundo, muitas vezes, contorce-se como uma mulher que está prestes a dar à luz, diz Isaías, mas para produzir vida: está em contínua gestação, traz outro mundo no ventre. A Terra ressoa de um pranto interminável, mas o Evangelho pede-nos para não perdermos o coração, para não caminharmos de cabeça inclinada, de olhos baixos. Erguei-vos, levantai a cabeça, olhai para o alto e para a distância, a libertação está próxima.

Somos tentados a olhar apenas para as coisas imediatas, mas se não levantarmos a cabeça, nunca veremos nascer arcos-íris. Homens e mulheres de pé, de cabeça erguida, olhos no Sol: é assim que o discípulo vê o Evangelho. Gente de vida vertical. Por isso a nossa tarefa é sentirmo-nos parte de todo a criação, envolvidos por uma energia maior que nós, ligados a uma história imensa, onde também as pequenas vicissitudes são preciosas e poderosas.

Jesus pede aos seus ligeireza e atenção, para ler a história como um ventre de nascimentos. Pede atenção aos pequenos detalhes da vida e àquilo que nos supera infinitamente. Jesus pede um coração ligeiro e atento, para vigiar sobre os rebentos, sobre aquilo que desponta, sobre o novo que nasce, sobre os primeiros passos da paz, sobre a respiração da luz que se desenha no muro da noite ou da pandemia, sobre os primeiros gemidos da vida e dos seus rebentos.

O Evangelho entrega-nos esta vocação a uma dupla atenção: à vida e ao infinito. A vida está dentro do infinito, e o infinito está dentro da vida; o eterno brilha no instante, e o instante insinua-se no eterno. Num Advento sem fim.

Ermes Ronchi  in “Avvenire”

Segunda-feira

Quando amamos

O que quer alguém que ama senão dar o que tem e o que é? Quando há amor, parecerá sempre pouco a quem o dá, mas parecerá sempre mais do que suficiente a quem o recebe! Ao final de algum tempo, quem é amado, se aceitou o que quem o amou lhe deu, tem e é um pouco daquele que a ele se deu.

Mas serão precisos grandes gestos? Não. São as pequenas coisas. As que julgamos serem insignificantes, que, por isso mesmo, não podem ser dadas por outra razão que não a de uma gratuitidade generosa.

Quando amamos, a nossa vida é uma oração, uma presença silenciosa que dá luz às trevas do outro. Uma coragem única capaz de enfrentar o temor dos abismos da solidão e dos egoísmos.

O tempo é finito e a vida gasta-se. Mas só quando amamos podemos multiplicar o tempo e fazer vida brotar da vida, porque nos semeamos em outros corações que, por sua vez, também hão de amar e dar o que são… sendo que se dão connosco dentro! Tal como nós, de cada vez que amamos damos aquilo que recebemos de quem nos amou.

O que sou hoje é em grande parte o resultado de muito amor que me foi dado. Sou muito daqueles que decidiram dedicar-se a mim. Quem me olha vê-os, ainda que não o saiba, ainda que não saiba quem foram ou são, ainda que julgue que sou apenas eu.

José Luís Nunes Martins in www.agencia.ecclesia.pt

Terça-feira

Advento, tempo de esperança

Uma passagem de São Paulo, na carta aos filipenses (4, 4-6), mostra de modo claro o espírito com que o tempo do Advento deve ser encarado: “Fiquem sempre alegres no Senhor! Repito: fiquem alegres! Que a bondade de vocês seja notada por todos. O Senhor está próximo. Não se inquietem com nada. Apresentem a Deus todas as necessidades de vocês através da oração e da súplica, em ação de graças.” A alegria faz parte da preparação para o Natal. Já nos sabemos salvos e acolhidos no Senhor. Basta que destravemos o nosso coração, para que se abra à alegria que vem Dele.

A verdadeira alegria brota do coração, como dom de Deus, por todas as maravilhas que Ele realiza, inclusive a encarnação de seu Filho Jesus. Assim, uma pessoa alegre, é alegre também quando suporta as adversidades da vida, o sofrimento… Por isso, a alegria é uma graça que podemos pedir ao longo deste Advento.

A alegria expulsa o medo. Jesus, em várias ocasiões, precisa reconfortar os seus discípulos, dizendo-lhes: “Não tenham medo” (Jo 6, 20). O medo e a alegria não têm a mesma origem, nem produzem os mesmos frutos em nós. Enquanto o medo vem do espírito do mal e deixa o coração do cristão tímido e calculista, a alegria, vinda de Deus, faz explodir em bondade, generosidade, abertura e criatividade.

O tempo do Advento é, por isso mesmo, tempo de preparação: preparar o coração para acolher a novidade radical que é o próprio Deus irrompendo no mundo. O que requer de nós uma espera vigilante, uma esperança operosa e uma expectativa ativa. Uma espera que é preparação. Que é esperança. Esperança é semear, é plantar. A semente germinando espanta a fome e aproxima o dia da colheita, da fartura. O dia em que o Senhor vem.

André Langer in www.ihu.unidins.br

Quarta-feira

O Advento é uma interrupção

O que é o Advento? O Advento é uma interrupção. É como um cortejo, que nos vem anunciar um nascimento, que nos vem abrir os olhos para olharmos para a vida, a vida no seu milagre, na sua essencialidade, a vida Vida, a vida estreme, a vida sem mais. Porque Jesus nasce e o que nós temos é a vida pura. Ali não há ornamentos, não há decoração. Ele nasce naquela circunstância de completo desprovimento, sem nada, naquele curral de animais onde é só a vida que conta. Maria coloca o filho na manjedoura dos animais para mostrar que é daquela vida que nós nos temos de alimentar.

Que o tempo do Advento seja um tempo para interromper, isto é, suspender as nossas questões, suspender as nossas amarguras, suspender os nossos longos percursos, suspender a nossa inquirição àquilo que não tem resposta, ou então aquilo cuja resposta não nos cabe colher. Interromper. E preparar o nosso coração para o encontro com a vida, com a vida que começa, com a vida que é nova, com essa vida encarnada que nos mostra na nossa carne, na nossa história, o próprio Deus. O Advento é a preparação para esse milagre, para esse encontro com a vida. 

Este tempo de Advento é um tempo necessário. Precisamos de caminhar. O Natal não é uma coisa automática, não é uma coisa que se tira das nossas caixas e coloca de novo e ele acontece automaticamente, imprevistamente. Não, o Natal prepara-se. Este encontro tem de ser, de facto, um encontro com a nossa vida. Deus interrompe o que eu sei, o que eu digo, o que eu falo e mostra-se, e dá-se-me, e enche o meu coração da fome de Deus, da fome de sentido que só Ele pode saciar.

José Tolentino Mendonça in “Homilia do I Domingo do Advento (30.11.14)”

Quinta-feira

Pessoas de Advento

Para nós, cristãos, a cada ano, o tempo do Advento significa uma pausa, para pararmos e tomarmos consciência de novo daquilo que nos suporta e nos sustenta, daquilo que dá sentido e direção à nossa vida.

A palavra de Deus permanece para a eternidade. De facto, Deus é fiel; podemos confiar n’Ele. Pode-se construir sobre a Sua palavra. A palavra de Deus, acima de tudo, é uma palavra de promessa e de esperança. Ela diz-nos: Deus é o Senhor do mundo e da história. Ele tem os seus fios nas suas mãos. No fim, Ele vai reunir os eleitos dispersos, os justos por graça de Deus, que vivem de acordo com a palavra de Deus, de todas as direções e vai estabelecer o reino da paz, da justiça, da verdade e do amor.

Então, Deus será tudo em todos (1Cor 15, 28). Por isso, os mandamentos de Deus também têm uma estabilidade permanente. Eles não são resíduo ultrapassado, fora de moda. Eles são para nós hoje um indicador seguro da estrada. Eles não querem encapsular a nossa vida e privar-nos da nossa liberdade. São palavras de vida; querem ajudar-nos a fazer com que a nossa vida seja bem sucedida e feliz; querem conduzir-nos à vida verdadeira, à vida eterna.

No nosso tempo, em que muitas pessoas estão dececionadas com a vida, e a esperança tornou-se mercadoria rara, num tempo em que domina a deceção, o desânimo e a resignação, nós, cristãos, podemos ser pessoas do Advento, pessoas da confiança, testemunhas da esperança. Sem esperança, de facto, ninguém pode viver: nenhuma pessoa individual, nenhum povo e muito menos a Igreja. Devemos testemunhar que a vida e o mundo não correm rumo ao vazio, mas vão desaguar no reino de Deus.

A esperança cristã não é uma espera por um futuro utópico. A esperança na vinda de Cristo dirige-se ao presente: agora é o tempo oportuno; agora é a hora. Cada dia é importante. Cada momento pode ser a hora de Deus. A luta contra o mal, contra as tentações, deve ser sustentada todos os dias. Como cristãos bem despertos, é necessário que, todos os dias, saibamos reconhecer os “sinais dos tempos” e as possibilidades que se descerram, com inteligência, mas também com a coragem e a confiança de enfrentar e fazer o que é possível hoje. Essa confiança e essa esperança são vitais para toda a nossa existência de cristãos.

Walter Kasper in “Avvenire”

Sexta-feira

Escolher amar

O amor fraterno está no coração da oposição entre vida e morte. Amar significa fazer uma escolha. Devemos «escolher amar», como escreveu o irmão Roger. Amar significa viver e dar vida. Viver a única verdadeira vida, que é a vida eterna. Recebê-la sempre e comunicá-la a outros, pobres como nós.

O amor tem sempre um movimento descendente. Nunca está satisfeito com palavras, ideias ou sentimentos. É tocado pela verdadeira miséria que vê, que o perturba. Procura formas de lidar com isso. Oferece-se incansavelmente e nunca recua perante o mais humilde e penoso trabalho.

Apesar de todos termos algumas noções sobre o amor e a ele aspirarmos, não sabemos, na realidade, o que o amor é. Nem sempre aquilo a que chamamos amor é, de facto, amor. Para descobrirmos tudo o que a palavra abarca temos que olhar cuidadosamente para o exemplo de Jesus, que nunca se coloca acima dos seus irmãos e que, além disso, não hesitou em dar a sua vida. A verdade do nosso amor não é avaliada exclusivamente com critérios puramente psicológicos ou humanos. Consiste no que Jesus nos permitiu ver e perceber.

Amar significa escolher a vida e a verdade. Tornemos estas palavras, reveladas em Jesus, atrativas, dando-lhes a frescura e amplidão.

Comunidade de Taizé in “Textos bíblicos com comentário” (www.taize.fr)

Sábado

Rezar é acender uma luz na noite

A primeira mensagem do Advento e do Ano Litúrgico é reconhecer Deus próximo e dizer-Lhe: «Aproximai-Vos de novo!» Ele quer vir para junto de nós, mas… propõe-Se; não Se impõe. Cabe a nós não nos cansarmos de Lhe dizer: «Vinde!». Cabe a nós repetir a oração do Advento: «Vinde!». Jesus – lembra-nos o Advento – veio entre nós e voltará no fim dos tempos. Mas de que nos servem tais vindas, se não vem hoje à nossa vida? Convidemo-Lo. Façamos nossa esta invocação caraterística do Advento: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20).

Invocando assim a sua proximidade, treinaremos a nossa vigilância. É importante permanecer vigilantes, porque na vida é um erro perder-se em mil coisas e não se dar conta de Deus. Arrastados pelos nossos interesses – sentimo-lo todos os dias –, distraídos por tantas vaidades, corremos o risco de perder o essencial. Por isso, hoje, o Senhor repete «a todos: vigiai!». Vigiar é esperar isto, é não se deixar dominar pelo desânimo: a isto chama-se viver na esperança. Como antes de nascer fomos esperados por quem nos amava, assim agora somos esperados pelo Amor em pessoa.

Manter-se acordado não é fácil; antes, é uma coisa muito difícil: é natural dormir de noite. Há um sono perigoso: o sono da mediocridade. Sobrevém quando esquecemos o primeiro amor e avançamos apenas por inércia, prestando atenção somente a viver tranquilos. Mas, sem ímpetos de amor a Deus, sem esperar a sua novidade, tornamo-nos medíocres, tíbios, mundanos. E isto corrói a fé, porque a fé é o contrário da mediocridade: é desejo ardente de Deus, audácia contínua em converter-se, coragem de amar, é caminhar sempre para diante. A fé não é água que apaga, mas fogo que queima; não é um calmante para quem está agitado, mas uma história de amor para quem está enamorado. E como podemos despertar do sono da mediocridade? Com a vigilância da oração. Rezar é acender uma luz na noite. A oração desperta da tibieza duma vida horizontal, levanta o olhar para o alto, sintoniza-nos com o Senhor. A oração permite a Deus estar perto de nós; por isso liberta da solidão e dá esperança. A oração oxigena a vida: tal como não se pode viver sem respirar, assim também não se pode ser cristão sem rezar.

Papa Francisco in “Homilia do I Domingo do Advento (29.11.20)”