III Domingo da Páscoa
Viver no mundo
É no meio deste mundo que o cristão é chamado a viver o que se chama experiência de Deus, a descobrir o facto grande e ao mesmo tempo tão simples de que Deus é um Deus que se revela e, mais do que isso, que se deixa experimentar. Deus deixa-se experimentar pelo homem que o busca e o experimenta.
E a grande pergunta do discípulo, daquele que quer seguir Jesus Cristo e viver segundo o seu Espírito, continua a ser, hoje, como sempre: “Como estar no mundo sem ser do mundo?”; “Como usar as coisas do mundo como se delas não fizesse uso?”; “Como seguir Jesus tal como Ele pede para ser seguido, com todas as radicais exigências que coloca aos seus discípulos, e, ao mesmo tempo, viver humanamente a vida desta terra?”.
A espiritualidade que cabe, portanto, a todo o cristão é uma espiritualidade de discernimento, ou seja, de busca da vontade de Deus no horizonte do seu plano de amor. Nessa busca, cada um vai encontrar-se com as tentações e as ilusões próprias das situações diferentes e variadas em que se vir colocado. E cada cristão é uma testemunha da fé e da caridade de Cristo e, portanto, um enviado em missão, fazendo brilhar, no meio do mundo, Deus e o Evangelho.
Maria Clara Bingemer in “Viver como crentes no mundo em mudança”
Segunda-feira
A alegria é uma estrada
Senhor,
faz-nos percorrer a estrada que conduz à alegria. No simples, no próximo, no escondido da vida, ajuda-nos a ouvir a pequena sinfonia da alegria e a abrir com solenidade para ela as portas indecisas do tempo que corre.
Só quem saboreia as pequenas alegrias se dá verdadeiramente conta das grandes.
Só quem rejubila com a alegria dos outros percebe que ele é, em cada um de nós, uma onda puríssima que se expande.
Ajuda-nos a inscrever a alegria como tarefa e, ao mesmo tempo, a mantermo-nos disponíveis para o modo surpreendente e gratuito da sua vinda.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Terça-feira
A vida pascal
A vida de Jesus é toda ela algo de espantoso: mesmo se se esquecer os milagres, o espanto permanece em cada ato comum, tornado incomum pelo Homem que transforma em maravilha tudo o que toca, sobretudo o espírito dos que à sua ação se abrem.
Todavia, o maior milagre da ação de Cristo, renovando o sentido profundo do ato fundador de todo o ser, é o seu amor. Este milagre contínuo é o paradigma de ação para o comum humano: se não se pode pedir a um vulgar ser humano que cure um leproso, já que ame, pode pedir-se-lhe, pois tal está perfeitamente ao seu alcance. É segundo o contínuo milagre do amor que a ação humanamente santa, a que se pode chamar imitação de Cristo, se assemelha em essência e substância à ação de Cristo: cada ato de amor é, no ser humano e em Deus, um ato de criação, de criação de possibilidade de ser, como foi, num outro nível, mas sem distinção qualitativa, o ato de criação, primeiro, do mundo. Em cada ato de amor, quem tal pratica cria, isto é, põe bem no bem do mundo. Assim, com Maria; assim com José; assim, com Jesus; assim com cada um de nós quando ‘imita’ Deus fazendo o bem.
Percebe-se facilmente que o mal é tudo o que não é este ato de amor. Percebe-se que a vida de Cristo, toda ela pascal segundo o ato de amor, é um contínuo ato de bem. Percebe-se, também, que é neste ato perfeito de bem que o mundo atinge o seu melhor possível incarnado num ser humano.
Américo Pereira in https://www.snpcultura.org/
Quarta-feira
Esperança criativa
Jesus ressuscitou da morte, ressuscitou do lugar donde ninguém esperava nada e espera-nos para nos tornar participantes da sua obra de salvação. Esta é a base e a força que temos, como cristãos, para gastar a nossa vida e o nosso ardor, inteligência, afetos e vontade na busca e, especialmente, na criação de caminhos de dignidade.
«Não está aqui… Ressuscitou!». É o anúncio que sustenta a nossa esperança e a transforma em gestos concretos de caridade. Como precisamos de deixar que a nossa fragilidade seja ungida por esta experiência! Como precisamos que a nossa fé seja renovada, que os nossos horizontes míopes sejam questionados e renovados por este anúncio! Jesus ressuscitou e, com Ele, ressurge a nossa esperança criativa para enfrentar os problemas atuais, porque sabemos que não estamos sozinhos.
In Homilia do Papa Francisco na Vigília Pascal (abril de 2018)
Quinta-feira
Na Páscoa, aprender a ser feliz
Há tantas coisas que morrem e que amamos como se fossem eternas: poderes e prestígios que passam, riquezas sem celeiros que as guardem no céu. Os passos da vida de Jesus culminam na cruz, denunciando a precaridade de todas essas coisas às quais confiamos, demasiadas vezes, a nossa felicidade. Mas aquilo que nos consome e atormenta, aquilo que nos rouba o ânimo, que nos faz correr atrás de fontes ilusórias que não saciam a sede mais profunda de sentido, não pode trazer-nos felicidade.
Na manhã de Páscoa os discípulos estavam confusos. Os apóstolos demoraram a acreditar, desconfiaram das mulheres classificando as suas palavras como um “desvario” (Lc 24, 11). Tomé desconfiou da comunidade (cf. Jo 20, 25). Não somos mais, nem menos do que todos eles. Precisamos de tempo. E, no modo como celebramos a Páscoa, podemos ter por vezes a tentação de um salto apressado passando da contemplação da dor a uma euforia que ignora o tempo da espera, a lentidão necessária para que o olhar possa reparar nos frutos que nascem das feridas da entrega e do amor. A felicidade pede lentidão, atenção e paciência.
Fazemos da alegria e da tristeza, da felicidade e a dor opostos irreconciliáveis. Jesus ressuscitado mostra as marcas da cruz, os sinais da vida oferecida gratuitamente. É desses rasgos que nascem os frutos, a felicidade eterna. A cruz florida que, em algumas zonas do nosso país, visita as casas no domingo de Páscoa recorda-nos esta verdade da nossa fé. A felicidade não passa por ignorar a dor. A felicidade é o sentido encontrado pelo caminho estreito de um amor que sabe ser o último e o mais pequeno para poder entrar no mais recôndito dos lugares. A felicidade é saber que a vida recebida de Jesus é mais forte do que qualquer dor, mal, pecado ou sofrimento.
Não somos felizes sozinhos. O reino de Deus está no meio de nós e apenas entre nós podemos reconhecer a presença do Ressuscitado. É daí que Ele nos convoca para o serviço gratuito, para O seguir no caminho da entrega que tem a felicidade como fruto. Na Páscoa somos tocados pelo Amor que não morre. Aprendemos a felicidade como o fruto da fidelidade. Aquele que servimos vive para sempre! A nossa felicidade é eterna.
Padre José Maria Brito in “pontosj.pt”
Sexta-feira
O poder de Deus é esperança e alegria
A Ressurreição de Jesus diz que a superação é, de facto, possível; que, em termos de princípio, a morte não pertence irrevogavelmente à estrutura da criação, da matéria. Também diz que a superação das fronteiras da morte não é possível, em definitivo, por meio de métodos clínicos sofisticados, por meio da técnica. Ela acontece por intermédio da palavra e do amor. Só estes poderes são suficientemente fortes para modificar tão fundamentalmente a estrutura da matéria, para tornar superável a barreira da morte.
A fé na Ressurreição de Jesus é uma profissão da existência real de Deus, e uma profissão da sua criação, do “Sim” incondicional com que Deus se coloca perante a criação, perante a matéria.
Eis o conteúdo libertador da revelação pascal: o poder de Deus é esperança e alegria. Na Páscoa, Deus revela-se a Si próprio, revela a sua força – que é superior às forças da morte -, a força do amor trinitário. Assim, a revelação pascal dá-nos o direito de cantar “Aleluia” num mundo sobre o qual paira a nuvem da morte.
Joseph Ratzinger in “O Caminho Pascal”
Sábado
Praticar o louvor
Estarás no princípio e no fim, à porta da nossa casa e à janela dos caminhos, na partida e nos regressos.
A nosso lado, percorrerás cada trilho, como companheiro que vai permanecendo até se transformar num de nós, tornando suave a difícil pausa e uma descoberta cada desvio.
Brilharás como estrela da manhã e serás o ponto mais silencioso da noite, quando mesmo o assobio do tempo se suspende.
Então, pousarás sobre nós o teu imenso olhar, como uma mãe ou um pai que se levantam na casa recolhida apenas para vigiar o filho que dorme.
E quando acordarmos já tu penteaste de verde os longos cabelos das árvores, e ensinaste ao pássaro cantor a sua alegria.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”