
Domingo do Advento
Esperar é preciso
É tempo do Advento. Esperamos o que advém, o que se anuncia, o que chega. Depois de todo um ano fintando a doença e a morte, agora esperamos a vida que se faz esperar na alegria, na vigilância e na purificação. Mais do que nunca é preciso esperar. Esperar com paz e com desejo. Esperar com abertura e solicitude. Esperar crendo que, apesar de todas as aparências em contrário, a vinda vai acontecer.
Quem espera vislumbra uma chegada, um acontecimento. Sente o desejo de algo novo que se pressente. O povo de Israel esperava o Messias como aquele que inauguraria um novo tempo, onde reinariam a justiça e o direito. Era a espera de um futuro radicalmente distinto do passado. E a negação de uma história cíclica condenada a um eterno retorno, à repetição infindável das suas grandezas e misérias. E nunca mais o mundo foi o mesmo. A vida passou a ser uma existência atravessada permanentemente pela espera daquele que vai chegar e que tudo renovará. Como dizia um sábio judeu: “Cada segundo é uma porta estreita por onde o Messias pode entrar”. Desta maneira, a esperança adquire o seu mais vigoroso fundamento.
E quem dessa esperança vive, quem com essa esperança espera, sempre alcança. Porque o bem, o belo e o verdadeiro habitam desde sempre as entranhas humanas mais profundas. Porque o que o ser humano deseja movido pela inspiração do Deus da vida só pode resultar em mais vida, vida em abundância, vida para todos. Estamos sedentos de um acontecimento que nos confirme nessa espera, nessa esperança. Mas antes de ver a expectativa respondida e culminada, é preciso esperar. Gratuitamente. Humildemente. Pobremente. Esperar é preciso. Quem espera sempre alcança. A semente dará seu fruto. Espera-se um futuro novo, diferente do passado. Ele está a chegar e a qualquer momento pode entrar por qualquer fresta de qualquer porta.
Maria Clara Bingemer
Segunda-feira
Exercitar a esperança
A esperança é o que pode dar sentido à espera, torna-a eficaz e acelera sua realização, e nós, humanos, carregamos no nosso interior a semente da esperança, com a qual fomos dotados desde o nosso nascimento. Na origem de todas as nossas virtudes está a confiança (a fé), mas a esperança sempre a acompanha e continua a ser a mais necessária em tempos de incerteza e dúvida, quando a nossa fé enfraquece.
Cristo é a força da nossa vida. Se Cristo é a nossa esperança, então “esperamos novos céus e nova terra” (2Pd 3,13), não no sentido de que esperamos o paraíso, mas que, esperando, estamos atuando, empenhamo-nos com essa nova criação que já começou com a ressurreição de Jesus Cristo. A esperança é para hoje, por isso, é uma virtude! A nossa esperança participa daquela de toda a humanidade, é aquela da criação que geme e sofre, alimentando a esperança da libertação (cf. Rm 8, 20-22).
A esperança – devemos ter a coragem de dizer isso a nós mesmos – é a esperança de que a morte já não tenha mais a última palavra. Este é o proprium da nossa fé cristã: esperança na ressurreição, na vida plena, na reparação doada a quantos nesta terra sofreram e conheceram injustiça e opressão, doença e pobreza. Quando o apóstolo Pedro, dirigindo-se aos cristãos em diáspora entre os pagãos, os convida à missão, não lhes pede ações ou estratégias especiais, mas apenas para estar “sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vós” (1Pd 3,15).Esperar é viver como cristãos, esperar já é evangelização. É preciso exercitar a esperança: plantada como uma semente na vida de cada um de nós, deve ser confirmada, exercitada empenhando também a própria vontade. Devemos decidir ter esperança, como Abraão que “teve fé, esperando contra toda a esperança” (Rm 4,18). Exercitar a esperança torna-nos visionários, no sentido de que se perscruta o hoje e se vislumbra o amanhã, se contempla as coisas visíveis, mas se veem também as invisíveis.
Enzo Bianchi in “Avvenire”
Terça-feira
Nascimento
Nós pensamos que estamos em agonia. Que o nosso mundo está a morrer, que nós próprios estamos condenados, a termo, à extinção, que tudo, no fundo, passará; que tudo é um espaço em que teremos experimentado entusiasmo, paixão e alegria, mas está destinado apenas a ser sepultado.
O Natal, ao contrário, introduz na história o inédito de Deus, leva-nos para um nível novo. Este Menino Jesus é o símbolo do nascer. Esta boa notícia origina uma mudança que não diz respeito apenas à forma ou ao ornamento, mas modifica radicalmente o fundo das coisas.
Mostra-nos, com efeito, que não somos as testemunhas de uma agonia, mas de um parto. E de um parto que não é só daquele Menino, mas que é o nosso próprio nascimento, o nascimento do mundo. O Natal torna-nos cúmplices do nascimento, da fé no nascer.
Ele pede-nos para acreditarmos na potencialidade que a vida frágil possui, a vida nua, a vida na sua condição mais reduzida. Desafia-nos a dar valor ao que apenas nasce: ao rebento e não só à flor, à aurora e não só ao meio-dia, ao que mal é esboçado, ao que é fragilíssimo…
Este investimento de confiança na vida frágil é uma alavanca para a nossa transformação e para a transformação do mundo. O Natal deve impregnar-nos do perfume da vida recém-nascida.
José Tolentino Mendonça in “Avvenire”
Quarta-feira
Saber esperar
E se o tempo do Advento viesse renovar em nós a esperança? Não um otimismo fácil, que fecha os olhos à realidade, mas esta esperança forte que se apoia em Deus e cujos sinais podem ser percebidos no nosso mundo. O ano cristão começa com o Advento, tempo de espera. Porquê? Para nos revelar a aspiração que nos habita e para a aprofundar: o desejo de um absoluto, para o qual tende cada um com todo o seu ser, corpo, alma, inteligência, a sede de amor que arde em cada um de nós, do bebé que se amamenta à pessoa idosa, e que mesmo a maior intimidade humana não pode apaziguar completamente.
Vemos, frequentemente, esta espera como algo que nos falta ou como um vazio difícil de assumir. Mas, longe de ser uma anomalia, ela faz parte do nosso ser. É um dom, conduz-nos a abrirmo-nos, orienta todo o nosso ser para Deus. O progresso económico e o bem-estar material, por muito indispensáveis que sejam, não podem saciar a nossa sede mais profunda. Este sede abre o nosso coração à voz do Espírito Santo que em nós murmura, noite e dia: “Tu és amado permanente e incondicionalmente; mesmo as provações da tua vida, por vezes muito duras, não podem apagar este amor.” Ousemos acreditar que o vazio pode ser habitado por Deus e que já podemos viver a espera com alegria.
Saber esperar… Estar presente, simplesmente, gratuitamente. Ajoelharmo-nos para reconhecer, até com o corpo, que Deus não age forçosamente como imaginamos. Abrir as mãos em sinal de acolhimento. Ao prepararmo-nos para o Natal, o Advento prepara-nos para acolhermos Deus. Do mesmo modo que a longa história que precedeu Cristo foi o prelúdio da sua vinda à terra, também o Advento nos permite, ano após ano, abrirmo-nos progressivamente à presença de Cristo em nós. Jesus reconhece sempre a nossa espera.
Irmão Alois de Taizé in “Ousar acreditar – a celebração da fé em Taizé”
Quinta-feira
Que algo de novo quero que nasça em mim?
O Advento abre à esperança do mundo novo. Talvez se idealize algo exterior, mas parece-me cada vez mais a força do mundo novo ao nível das entranhas, do ser. Desde aí, o exterior muda, ou pelo menos o olhar e a escuta ante a realidade muda, transforma-se, converte-se. O Natal acontece sempre. De forma diferente, mas acontece sempre que estejamos dispostos a iluminar nova realidade, mesmo, ou talvez sobretudo, com os sobressaltos inesperados.⠀
A cada ano, por esta altura, pergunto que algo novo quero que nasça em mim. A pergunta deixa de ser algo bonito para ganhar corpo e sentido no crescimento que se impõe. Todos os acontecimentos podem ser levados ao coração. Aí, no silêncio do respeito de todo e qualquer sentimento, ilumino o que é, permitindo que Deus me mostre algo novo. Torna-se claro que passa pela simplicidade, como o “orvalho que cai do céu”, caindo na terra que somos, pronta a deixar brotar maturidade e sentido de presença, no aqui e no agora. E, quase sem dar conta, dá-se mais um passo no que realmente importa: amar.
Padre Paulo Duarte in https://www.instagram.com/pauloduartesj
Sexta-feira
Segue em frente
É próprio do amor o facto de não esquecer; é próprio do amor ter sempre sob o olhar o muito, o muito bem que recebemos; é próprio do amor olhar para a história: de onde viemos, os nossos pais, os nossos antepassados, o caminho da fé… E esta memória faz-nos bem, porque torna ainda mais intensa esta expetativa vigilante do Natal. Um dia calmo. A memória que remonta ao início da eleição do povo: «Jesus Cristo, Filho de David, Filho de Abraão» (Mt 1, 1). O povo eleito, que caminha rumo a uma promessa com a força da aliança, das sucessivas alianças que vai fazendo. Assim é o caminho do cristão, assim é o nosso caminho, simples. Fizeram-nos uma promessa, foi-nos dito: caminha na minha presença e sê irrepreensível como é o nosso Pai. Uma promessa que, afinal, será plena mas que se consolida com cada aliança que nós fazemos com o Senhor, aliança de fidelidade; e faz-nos ver que não fomos nós que elegemos: faz-nos compreender que todos nós fomos eleitos. A eleição, a promessa e a aliança são como os pilares da memória cristã, este olhar para trás a fim de seguir em frente.
No Advento começamos a percorrer este caminho, na expetativa vigilante do Senhor. Hoje paremos, olhemos para trás, vejamos que o caminho foi bonito, que o Senhor não nos desiludiu, que o Senhor é fiel. Vejamos também que tanto na história como na nossa vida houve momentos belíssimos de fidelidade e momentos menos bons. Mas o Senhor está ali, com a mão estendida para te levantar e te dizer: «Segue em frente!». E esta é a vida cristã: vai em frente, rumo ao encontro definitivo. Que este caminho de muita intensidade, na expetativa vigilante que venha o Senhor, nunca nos tire a graça da memória, de olhar para trás, para tudo aquilo que o Senhor fez por nós, pela Igreja, na história da salvação. A história de um Deus que quis caminhar com o seu povo e tornar-se, afinal, um homem, como cada um de nós.
Papa Francisco in “Homilia na Concelebração Eucarística com os cardeais (17.12.2016)”
Sábado
Advento é toda a história humana
Somos convocados, pela liturgia do Advento, à concentração da atenção, à espera vigilante, própria de quem tem a certeza que vai acontecer sem saber quando nem como. O canto, as leituras bíblicas, o despojamento estético, tudo nos apela à contenção para concentrar a atenção.
Somos convocados a imaginar o inimaginável, a ver o invisível, a esperar o inesperado, a narrar acontecimentos que desconhecemos. É paradoxal, parece loucura, e talvez seja mesmo. Somos incapazes de prever o triunfo pleno do Ressuscitado sobre a violência da morte, a extensão e a consumação da vida eterna a todo o universo, a Páscoa de toda a criação. Ignoramos por completo a vinda desse «Dia» definitivo, em que Deus será tudo em todos. Desconhecemos o tempo e o modo da sua vinda, mas sabemos na esperança que acontecerá. Porque a vitória pessoal de Cristo sobre a morte precisa de se cumprir na vida de toda a humanidade e de toda a criação. Isso é a Parusia, a vinda do Senhor em poder e glória.
Porque esperamos a sua vinda em pleno, porque a queremos antecipar na urgência do seu cumprimento em nós, na humanidade, no universo, somos advento (somos, mais do que estamos). Viver do futuro, para o futuro, é uma condição da nossa existência. O melhor de nós está para vir, vem do futuro ao presente, vem de Cristo Ómega ao nosso quotidiano de peregrinos. Somos vida frágil, ameaçada, em perigo, mas vida prometida a uma consumação futura. Somos em advento, expectantes do futuro onde seremos plenamente nós próprios. Advento é toda a história humana, a nossa existência pessoal, a Igreja que peregrina comungando as alegrias e as dores da humanidade.
Esta espera do tempo novo e definitivo, não nos aliena do presente nem nos retira do drama da história. Sabemos, pela esperança, que a nossa libertação está próxima. Essa certeza leva-nos a nos comprometer com a causa da liberdade e da libertação dos povos, das pessoas, da criação, das comunidades ameaçadas. A fé que espera torna-se operativa. Vigiai! Permanecei despertos, acordados e atentos ao acontecer da vida, à vibração interior, ao ritmo cardíaco da humanidade, esse sentir comum.
Padre António Martins in “Homilia do I Domingo do Advento (28.11.21)”