IV Semana do Tempo Comum

Domingo

A Palavra é para todos

A Palavra de Deus é para todos. O Evangelho apresenta-nos Jesus sempre em movimento, saindo ao encontro dos outros. Em nenhuma ocasião da sua vida pública, nos dá a ideia de ser um mestre estático, um professor sentado na sua cátedra; pelo contrário, vemo-Lo itinerante, vemo-Lo peregrino, a percorrer cidades e aldeias ao encontro de rostos e casos. Os seus pés são os do mensageiro que anuncia a boa-nova do amor de Deus. Assim Jesus «amplia as fronteiras»: a Palavra de Deus, que sara e levanta, não se destina apenas aos justos de Israel, mas a todos; quer alcançar os que estão longe, curar os doentes, salvar os pecadores, reunir as ovelhas perdidas e encorajar a quantos têm o coração cansado e oprimido. Em suma, Jesus ultrapassa os confins para nos dizer que a misericórdia de Deus é para todos. Não esqueçamos isto: a misericórdia de Deus é para todos e para cada um de nós. Cada um pode dizer: «a misericórdia de Deus é para mim».

Este aspeto é fundamental para nós. Recorda-nos que a Palavra é um dom dirigido a cada um e, por isso, não podemos jamais limitar o seu campo de ação, porque aquela, ultrapassando todos os nossos cálculos, germina de forma espontânea, imprevista e imprevisível, segundo modalidades e tempos que o Espírito Santo conhece. E se a salvação é destinada a todos, incluindo os mais distantes e os extraviados, então o anúncio da Palavra deve tornar-se a principal urgência da comunidade eclesial, tal como o foi para Jesus. Não nos aconteça professar um Deus de coração largo e ser uma Igreja de coração estreito (seria – ouso dizer – uma maldição); não nos aconteça pregar a salvação para todos e tornar intransitável o caminho para a acolher; não nos aconteça saber que somos chamados a levar o anúncio do Reino e transcurar a Palavra, dispersando-nos em tantas atividades secundárias ou tantos debates secundários. Aprendamos com Jesus a colocar a Palavra no centro, a alargar as fronteiras, abrir-nos às pessoas, gerar experiências de encontro com o Senhor, sabendo que a Palavra de Deus «não está cristalizada em fórmulas abstratas e estáticas, mas tem uma história dinâmica, feita de pessoas e acontecimentos, de palavras e ações, de evoluções e tensões» A Palavra, quando entra em nós, transforma o coração e a mente; muda-nos, levando a orientar a vida para o Senhor. Este é o convite de Jesus: Deus aproximou-Se de ti, por isso dá-te conta da sua presença, dá espaço à sua Palavra e mudarás a perspetiva da tua vida. Por outras palavras: coloca a tua vida sob a Palavra de Deus.

Papa Francisco in “Homilia no III Domingo do Tempo Comum – Domingo da Palavra do Senhor (22.01.2023)”

Segunda-feira

Uma realidade muito simples

Ao abrir o Evangelho, cada um pode dizer para si mesmo: estas palavras de Jesus são um pouco como uma carta muito antiga, que me foi escrita numa língua desconhecida; mas, como foi escrita por alguém que me ama, vou procurar compreender o seu sentido e vou desde logo tentar pôr em prática, na minha vida, o pouco que descobri…

No início, não importam os grandes conhecimentos. Claro que eles têm um grande valor. Mas é através do coração, nas profundezas de si mesmo, que o ser humano começa a descobrir o Mistério da Fé. Os conhecimentos virão a seguir. Não é tudo adquirido de uma só vez. Uma vida interior elabora-se passo a passo. Hoje, mais do que nunca, penetramos na fé avançando por etapas.

No mais profundo da condição humana repousa a espera de uma presença, o desejo silencioso de uma comunhão. Nunca esqueçamos: este simples desejo de Deus é já o começo da fé.

Além disso, ninguém consegue compreender sozinho todo o Evangelho. Todos podem dizer para si mesmos: nesta comunhão única que é a Igreja, o que eu não compreendo acerca da fé outros compreendem e vivem. Não me apoio apenas sobre a minha fé, mas sobre a fé dos cristãos de todos os tempos, os que me precederam, desde a Virgem Maria e os apóstolos até aos cristãos de hoje. E, dia após dia, disponho-me interiormente a confiar no Mistério da Fé.

Então compreende-se que a fé, a confiança em Deus, é uma realidade muito simples, tão simples que todos poderiam acolhê-la. É como um impulso, mil vezes sentido ao longo da nossa existência e até ao nosso último suspiro.

Irmão Roger de Taizé in taize.fr

Terça-feira

Deus acredita em nós

Se Deus está a transfigurar o mundo, podes perguntar, por que é que Ele precisa da nossa ajuda? A resposta é bastante simples: nós somos os agentes de transformação que Deus usa para transfigurar o seu mundo. Na Bíblia, quando Deus quis que os filhos de Israel fossem libertados da escravidão do Egito, Ele podia ter feito isso à sua maneira, mas Ele quis ter um parceiro humano. Esquecemo-nos muitas vezes que patriarcas e matriarcas eram humanos de carne e osso, mas a Bíblia recorda-nos isso mesmo repetidas vezes. Essas pessoas, com todas as suas falhas, foram capazes de ser os parceiros heroicos de Deus. Assim, o nosso Deus é um Deus que desce para libertar. Mas a maneira como Deus liberta é usando-nos como Seus parceiros, chamando Moisés e a ti e a mim.

Mas não estamos sós. Deus não nos abandona nos nossos momentos de necessidade. Deus está aqui connosco. Deus não nos tira as nossas dores, mas carrega-as connosco e fortalece-nos para as carregarmos. Existe sempre a esperança que os pesadelos terminem, a esperança de que problemas aparentemente intratáveis possam encontrar solução. Deus tem alguns espantosos companheiros de trabalho, alguns proeminentes parceiros.

Cada um de nós tem a capacidade de fazer grande mal, mas também grande bem, e é isso que convence Deus que valeu a pena o risco de nos criar. É espantoso que Deus, o Omnipotente, dependa de nós, frágeis de vulneráveis criaturas para realizar a vontade de Deus e para trazer justiça e cura e plenitude. Deus só nos tem a nós. Tal como o grande santo africano Agostinho de Hipona afirmou, “Deus sem nós nada pode, tal como nós, sem Deus, nada podemos”.

Deus acredita em nós. Deus depende de nós para ajudar a fazer deste mundo tudo o que Deus sonhou que devia ser.

Desmond Tutu in “Deus tem um sonho – uma visão de esperança para o nosso tempo”

Quarta-feira

A alegria parece simples

A alegria é certamente a expressão espontânea de um coração simples, mas não deixa, por isso mesmo, de ser uma construção exigente. É que o nosso coração não é simples. No nosso coração temos tantos fios misturados que ele dá por si a falar uma língua contrariada e confusa. Temos amalgamado o medo de sermos rejeitados com a necessidade de nos sentirmos queridos; temos o receio de falhar e de perder caldeado com um incongruente orgulho e com uma vaidade vã, que se sobrepõe a tudo; temos o terror do desamparo mesclado com uma incapacidade de comunicar aquilo que em nós é mais fundo e, em certo sentido, mais real.

Julgámos que experimentaremos a alegria se não nos faltar nada, se estivermos completamente bem e tudo decorrer como idealizamos. Ora, isso nunca acontece ou ocorre só raramente. A vida não é um campo neutral, nem se deixa encerrar numa campânula insonorizada. Contra a nossa tentação de fixar o seu curso, a vida encontra sempre modo de dizer-nos que é viva. Como chegaremos à alegria? Com a sabedoria de agradecer mais do que lamentar, com a capacidade de sentir os mil perfumes da existência e inebriar-se com eles, com a disponibilidade para ver a beleza não apenas com os olhos, mas também com o coração.

José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”

Quinta-feira

Prece

Que sejamos travessia, em qualquer tipo de viagem, para a Paz.

Pelo caminho, se abra a consciência do que nos impede de amar, e livres, amemos. ⠀⠀
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Olhemos o outro, para lá de todas as diferenças e ainda que nos custe cruzar a presença, como igual em dignidade. ⠀⠀
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Possamos permitir Deus entrar no caminho e assim crescer com Ele, que nos quer adultos na fé. ⠀⠀
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Ajustemos o material à necessidade do que realmente precisamos na vida, sabendo que num instante damos conta de que apenas o abraço importa. ⠀⠀
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Possamos ter coração disponível para acolher, cabeça fresca para pensar o que acolhemos e mãos abertas para devolver em dádiva de bem.⠀⠀
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Vivamos o humor em recordação da alegria como fonte de humanidade e a reverência como sinal de respeito, em especial por quem sofre. ⠀⠀
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No meio da multidão, agradeçamos sermos apenas mais um. No silêncio do quarto, agradeçamos sermos únicos. No conforto de um abraço ou beijo, agradeçamos a possibilidade de partilhar afeto.⠀⠀
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No serviço, sejamos generosos a pôr os dons a render, em colaboração com quem nos é confiado no caminho. ⠀⠀
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Ganhemos tempo em leituras, conversas, encontros, silêncios, espetáculos que nos abram o ser a cuidar da humanidade e da nossa casa comum.

Padre Paulo Duarte, sj

Sexta-feira

O perdão é a escolha que liberta o futuro

Rezar é abrir-se aos vínculos, abrir a nossa casa, como se abre uma janela ao sol, uma porta ao vento; abrir-se em duas direções: a quotidiana e a eterna; o eterno que se insinua no instante, o instante que se abre ao eterno. Colocamo-nos diante de Deus e esforçamo-nos para sermos para os outros aquilo que queremos que Deus seja para nós. Queremos o seu perdão, mas estamos empenhados diante de Deus para sermos generosos de perdão. A preocupação com os outros está dentro da oração, é o texto da oração

O que mantém o mundo unido e a história conectada não é o resgate dos meus direitos, não é a meritocracia, nem mesmo a verdade (a minha verdade contra a tua verdade é de onde nascem as guerras). É um caminho que Nelson Mandela descreve assim: “O perdão liberta a alma, remove o medo. É por isso que é uma arma poderosa”. “O perdão arranca dos círculos viciosos, rompe com a coação em repetir sobre os outros o que foi sofrido sobre si próprio, com a cadeia da culpa e da vingança, rompe a simetria do ódio” (Hannah Ardent). Às ofensas é possível reagir de forma antitética com a vingança ou com o perdão.

Somos mais do que a história que nos deu à luz, podemos ir além do episódio que nos feriu. É claro que somos também aquela história e com ela temos que fazer um acerto, não simplesmente colocar uma pedra sobre o passado, esquecer: isso seria remoção, não perdão. Não acertar as contas com nosso passado torna-nos perigosos: as feridas ainda permanecem abertas e somos reféns daquele mal que continua a agir, mesmo que de forma inconsciente. O perdão não é um sentimento, é uma decisão. Exige decisão, perseverança e mudança. É uma sabedoria originada pela vida, um discurso feito a partir da gramática da condição humana. Perdoar não é esquecer. É abrir ao futuro. A necessidade de perdão é a necessidade de não carregar para sempre o fardo dos nossos erros, das feridas, dos fracassos, de não encerrar ninguém, nem a si próprio nem aos outros, dentro de prisões perpétuas internas, mas de libertar o futuro.

Ermes Ronchi in “Avvenire”

Sábado

Deus está infinitamente para além do medo

Acreditar em Deus será necessariamente viver no medo do imprevisível? Só se crermos num deus caprichoso, que ora nos dá graças, ora nos dá dores, independentemente do que façamos. Acreditar em Deus e temê-lo como se ele não passasse de um génio caprichoso não é, de facto, acreditar n’Ele. É só ter medo. Crer num deus assim é crer numa mesquinhez, e condenar-se a si próprio à mesquinhez. Crer verdadeiramente é crer para além de toda a mesquinhez, pois aquilo em que se crê não é senão o próprio Infinito Bem, que é infinita justificação do próprio Ser no Ser, da Totalidade em si mesma. Colocamo-nos, desse modo, no coração desse Bem, alinha-se a nossa existência individual com esse poder absoluto que tudo realiza, justifica e completa. No fundo, Deus é promessa de realização no Horizonte do Infinito, promessa de Justiça no Ser, por isso a fé verdadeira é existencial, isto é, empenha a vida toda, porque trata-se de responder com a inteireza da vida à mais suprema das vocações.

Não se pode afirmar que se tem fé com o coração e a inteligência se se crê num deus mesquinho, caprichoso, que é tudo menos o Horizonte mais elevado de realização no Ser – que é o que de mais alto podemos pensar e intuir, e o mais alto a que podemos aspirar. O deus em que se acredita não pode ser inferior ao bem a que se aspira, à justiça que se deseja, à plenitude que se imagina; enfim, à radical sede que se tem. Crer é superar o medo; é abrir-se, é dar-se, é entregar-se. A fé não é fé se é só teoria, pois ela alimenta e alimenta-se da vida e das suas lutas. O deus pode chamar-se “Deus Vivo” e “dos vivos”, precisamente porque nos chama à vida e está connosco nos nossos combates, assiste-nos na nossa luta para ser. Quer, no fundamental, que não tenhamos medo deser, medo de ser realmente livres. Porque é necessário que sejamos, é necessário que nos realizemos. Deus é promessa de que nada se opõe ao cumprimento do que somos; nada, senão a nossa própria ignorância, os medos que alimentamos. Nada, senão a nossa falta de tenacidade para perseverar no que somos, na disciplina das nossas virtudes, exercitando a nossa liberdade e dando fruto de acordo com as melhores promessas da nossa natureza.

É evidente que há muito que podemos evitar, mas também muito há que não depende do nosso arbítrio. O inesperado é uma realidade, e ninguém está isento de dor enquanto viver. Mesmo quando dá o melhor de si. Mas a dor e o sofrimento podem frequentemente ser o prólogo de bens maiores. O essencial é acreditar que no coração do Real habita o Bem Absoluto, princípio e fim de Tudo, e que enquanto crermos no Bem e lutarmos pelo Bem dentro das nossas capacidades, a nossa justificação está garantida, aconteça o que nos acontecer.

Ruben Azevedo in “setemargens.com”