IX Domingo do Tempo Comum
O refazer da vida
Dá-nos, Senhor, depois de todas as fadigas, um tempo verdadeiro de paz.
Dá-nos, depois de tantas palavras, o dom do silêncio que purifica e recria.
Dá-nos, depois das insatisfações que travam, a alegria como um barco nítido.
Dá-nos a possibilidade de viver sem presa, deslumbrados com a surpresa que os dias trazem pela mão.
Dá-nos a capacidade de viver de olhos abertos, de viver intensamente.
Dá-nos de novo a graça do canto, do assobio que imita a felicidade aérea dos pássaros, das imagens reencontradas, do riso partilhado.
Dá-nos a força para impedir que a dura necessidade esmague em nós o desejo e a transparência dos nossos sonhos se dissipe.
Senhor, torna-nos peregrinos que no visível detetam a discreta insinuação do invisível.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Segunda-feira
Ser irmãos
Em cada dia é-nos oferecida uma nova oportunidade, uma etapa nova. Gozamos de um espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e de gerar novos processos e transformações. Sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas.
Hoje, temos à nossa frente a grande ocasião de expressar o nosso ser irmãos, de ser outros bons samaritanos que tomam sobre si a dor dos fracassados, em vez de fomentar ódios e ressentimentos. Como o viajante ocasional, é preciso apenas o desejo gratuito, puro e simples de ser povo, de ser constantes e incansáveis no compromisso de incluir, integrar, levantar quem está caído; embora, muitas vezes, nos vejamos imersos e condenados a repetir a lógica dos violentos, de quantos nutrem ambições só para si mesmos, espalhando confusão e mentira. Assim, alimentemos o que é bom e coloquemo-nos sempre ao serviço do bem comum.
Papa Francisco in “Fratelli Tutti”
Terça-feira
Tesouro da fé
A Igreja responderá melhor às necessidades espirituais diferenciadas das futuras gerações se conseguir conceber o Cristianismo como um estilo de vida cuja dimensão profunda seria a espiritualidade, e a sua oura característica saliente seria a solidariedade, sobretudo a solidariedade para com aqueles que são tratados injustamente na sua sociedade particular.
Nós trazemos o tesouro da fé “em vasos de barro”, admite São Paulo. A Igreja é um paradoxo na sua passagem através da história, um paradoxo entre a enormidade da missão que lhe é confiada, por um lado, e o seu barro frágil, rachado e, por vezes, sujo e poeirento, por outro.
Assim, foi-nos confiado um dom incomensurável: amor, fé e esperança. É nossa responsabilidade proteger e cultivar esse dom – até mesmo nas condições menos favoráveis. Sim, o nosso serviço, que deriva desse dom, é necessário e essencial. A fidelidade do nosso serviço – quixotesco e louco em termos da “lógica deste mundo” – pode ser o milagre que abre os olhos dos outros e desloca essa lógica.
Tomáš Halík in “A noite do confessor – A fé cristã numa era de incerteza”
Quarta-feira
Diálogo
Uma das minhas últimas proezas: perceber que cada momento dá à luz um novo momento, cheio de potencial fresco e, por vezes, como um presente inesperado. E que não devemos agarrar-nos a momentos de mal-estar e prolonga-los sem necessidade, porque, ao fazê-lo, se pode impedir um momento mais rico de nascer. A vida corre por nós como uma corrente constante numa série fabulosa de momentos…
A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto contigo, ó Deus, um grande diálogo. Às vezes, quando me posto nalgum canto do campo, com os meus pés plantados na tua terra e os meus olhos erguidos para o teu céu, o meu rosto fica inundado de lágrimas, de lágrimas de profunda emoção e gratidão.
Etty Hillesum in “Cartas e diários (1941-1943)”
Quinta-feira
Fé cristã
Jesus faz uma pregação voltada para um futuro aberto pelo anúncio de uma boa-nova, a do Reino de Deus que vem, que já está ali, próximo. A fé que propõe é a confiança nele como caminho que conduz a Deus e que deve ser seguido radicalmente. A fé que nasce da sua pessoa, da sua vida, morte e ressurreição e que será chamada fé cristã, tomará consciência de si como de um dom, gratuito e imprevisto, recebido do Espírito de Deus, e não de uma herança humana, mesmo sendo ela uma religião.
A fé cristã não possui uma garantia permanente, mas, pelo contrário, está sempre aberta em projeção mais além de si mesma. Fundada sobre a carta magna do Sermão da Montanha, que proclama felizes e bem-aventurados os pobres, os mansos, os misericordiosos e os pacíficos, ela só se autocompreende a partir do vínculo inseparável entre Deus e o próximo, que a faz experimentar-se obrigada à caridade que serve o pobre, que perdoa o inimigo, que dá um copo de água a um desconhecido. É nestes, nos que sofrem qualquer tipo de injustiça, que a fé cristã encontra o seu Senhor e o seu Deus.
Maria Clara Bingemer in “Viver como crentes no mundo em mudança”
Sexta-feira
O silêncio
Precisamos de confiar mais nas possibilidades do silêncio: ele é uma ferramenta preciosa para a construção da vida espiritual. No silêncio, ouve-se o silêncio.
O orante é, por isso, como o alpinista: o que o move não é descobrir o que há na montanha, mas chegar a escutá-la a ela, à sua vibração milenar, às suas camadas geológicas, à sua presença calada, ao seu mistério.
O orante é como o mergulhador: o seu verdadeiro assombro não são os detalhes, mas a paisagem marinha em si, isso de que se pode falar, mas que jamais se compreenderá completamente sem descer às profundezas.
No silêncio, nasce alguma coisa que nos atrai ao silêncio. Que Deus nos conceda acolher o que nasce do nosso silêncio.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Sábado
És amado… amarás!
«Deus amou tanto o mundo» (João 3, 14-21), versículo central do Evangelho joanino, versículo do assombro que renasce sempre por estas palavras tonificantes como uma caminhada junto ao mar, entre salpicos de ondas e ar bom respirado a plenos pulmões. Palavras a saborear a cada dia e às quais nos agarrarmos com força em todas as passagens da vida, em cada queda, em cada noite, em casa desilusão.
Deus amou tanto… e as nossas noites, iluminam-se. Aqui podemos renascer. A cada dia. Renascer para a confiança, para a esperança, para a serena paz, para a vontade de amar, trabalhar e criar, renascer para a vontade de proteger e cultivar pessoas, talentos e criaturas, todo o pequeno jardim que Deus me confiou.
Não só o ser humano, mas é o mundo que é amado, a Terra é amada, e os animais e as plantas e a criação inteira. E se Ele amou a Terra, também eu a devo amar, com os seus espaços, os seus filhos, o seu verde, as suas flores. E se Ele amou o mundo e a sua beleza frágil, então também tu amarás a Criação como a ti mesmo, amá-la-ás como o teu próximo.
A revelação de Jesus é esta: Deus considerou o mundo, cada ser humano, este meu nada a que no entanto deu um coração, mais importante do que Ele próprio. Para me adquirir perdeu-se a si mesmo. Loucura de amor.
Deus amou: a beleza deste verbo no passado, para indicar não uma esperança ou uma expetativa, mas uma segurança, um facto certo, e o mundo inteiro dele está impregnado: «O nosso desastre é estarmos imersos num oceano de amor e não nos damos conta» (G. Vannucci). Toda a história bíblica começa com um «és amado» e termina com um «amarás». Não somos cristãos porque amamos Deus. Somos cristãos porque acreditamos que Deus nos ama.
Ermes Ronchi in “Avvenire”