Que queres que te faça?

Reflexão para o mês de março de 2023

Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Jesus parou e mandou que lho trouxessem. Quando o cego se aproximou, perguntou-lhe: «Que queres que te faça?» Respondeu: «Senhor, que eu veja!»” (Evangelho segundo São Lucas – Lc 18, 40-41)

O episódio do cego de Jericó é um dos muitos relatos de cura descritos nos Evangelhos. Estas recuperações milagrosas narradas pelos diferentes evangelistas nunca são apenas um mero tratamento físico que é dado aos vários doentes que se apresentam diante de Jesus. Estas curas vão para além disso e ultrapassam a noção redutora de biologia. Estas curas são sempre muito mais emocionais do que somente físicas. Cuidando-se do interior dá-se um novo impulso ao que é exterior.

Nesta passagem, o enfoque é dado à cegueira. Nos Evangelhos, a cegueira tem um significado espesso que importa acentuar. Esta cegueira refere-se, sobretudo, à parte emocional, ao bloqueio afetivo que, tantas vezes, nos impede de ver e, consequentemente, ser.  Quando os olhos da alma estão fechados, não conseguimos vislumbrar o que Deus tem para nos mostrar. Por conseguinte, não conseguimos ver a outra margem nem antecipar uma passagem. Só conseguimos ver o imperfeito, o erro, o inconveniente. Como é possível, então, começarmos realmente a ver? Ultrapassando esta cegueira emocional que consiste em não esconder o desejo de Deus que habita em nós e em não desprezar a nossa vontade de caminhar ao encontro de uma Vida maior.

Nos nossos dias, estamos, muitas vezes, ameaçados pela cegueira do conformismo, da intolerância, da hipocrisia, do preconceito. Vivemos dominados pela cegueira da pressa que a sociedade nos impõe e pelo auto-centralismo. É preciso permitir que a Boa-Nova de Jesus nos retire as vendas e nos mostre o caminho de luz, onde poderemos ser homens e mulheres de olhos grandes que contemplam a vida na sua vulnerabilidade, profundidade e existência. Todos nós precisamos desta cura do olhar. Todos nós precisamos que Jesus nos faça ver de um modo diferente, precisamos que Ele nos permita aceder a uma visão nova da realidade. Um modo de entender para além dos preconceitos, das parcialidades, dos julgamentos.

Em várias passagens do Evangelho, encontramos a importância do olhar, do ver, do observar. Deste ver com o coração, do aprender a ver para além das evidências, do ver o que não se vê. E não se trata de nenhum truque mágico, pois se assim fosse estaria ao nível do impossível, do irrealizável, do distante. A perspetiva com que vemos a vida é determinante para a sabermos viver. Jesus ensina-nos a ver a vida para a vida viver. Um olhar novo, puro e límpido faz-nos ser de forma mais plena, mais íntegra, mais contemplativa. Aprender a ver de uma nova perspetiva traz-nos uma maior espiritualidade para a nossa vida quotidiana. Faz-nos ler os acontecimentos diários com uma luz diferente, com uma confiança serena, com uma certeza de um Amor sempre maior.

Aparentemente banal, mas inegavelmente extraordinária é a questão que Jesus coloca àquele cego. “O que queres que te faça?”. Esta pergunta é também para nós, hoje, no nosso mundo, nos nossos quotidianos. “O que queres que te faça?”. Sim, porque a escolha é sempre nossa. Deus nunca se impõe. Ele apenas se disponibiliza. Sou eu que digo sim à construção de uma relação plena, amadurecida e trabalhada com Ele. “O que queres que eu te faça?”. Responder a esta questão implica-nos, traz-nos responsabilidades, faz-nos assumir o leme da nossa embarcação. Ao dar uma resposta, eu penso-me, eu vejo-me, eu conheço-me e, assim, vou crescendo na minha relação de fé adulta e construída. “Uma pergunta é uma máquina de fazer ver.”, diz o Cardeal Tolentino. De cada vez que nos questionamos, de cada vez que procuramos saber mais, de cada vez que nos expomos ao pensar, estamos a encontrar uma nova forma de ver, de conhecer, de viver. As perguntas sobre a vida não nos livram de todas as dúvidas nem nos fazem encontrar todas as repostas que desejaríamos, de imediato, obter. Mas são estas questões que nos encaminham, que nos despertam, que nos abrem horizontes. A vida é sempre mais feita de perguntas do que de respostas precisamente porque cada dia é um momento de temporalidade e de infinito.

A resposta daquele cego é a nossa resposta. O seu pedido é o nosso pedido, é o grito de uma vida nova, é expressão de um desejo de um começo novo dirigido a Deus. E este grito lançado traz consigo novas questões. Querer ver implica sempre confiar no que não se vê para, então, se conseguir ver. E o que é que eu escolho ver? Como perspetivo eu a minha realidade, o meu dia-a-dia, aquilo que eu sou e como sou? Ver implica aprendizagem, construção, busca.

Aquele cego em Jericó pediu a Jesus, “Senhor, que eu veja”. Que seja também este o nosso pedido. Senhor, que eu te veja sobretudo quando a tempestade aparece, quando o medo me domina, quando a morte se instala. Senhor, que eu veja a tua Luz que não se apaga e que brilha desde o início da vida. Senhor, que eu te procure como te procurou aquele cego, mesmo sem te conseguir ver.

“Senhor, que eu veja”. Ensina-me a ver, a saber ver, a aceitar o que estou a ver, a ver na tua presença e com a tua presença. Ajuda-me a compreender que tudo o que me acontece faz parte do meu processo de vida, da minha história, da minha identidade. Senhor, que eu saiba viver através do que me é dado acontecer. Que eu te encontre sempre no que me acontece. Que eu veja a vida dinâmica, orgânica, edificada em ti.

“Senhor, que eu veja.” É este o pedido diário de cada cristão. Uma prece para todos os dias. Para todos os dias em que a vida acontece, recomeça, segue viagem. Senhor, que eu te veja porque tu tornas a minha vida maior, tu amplias as minhas possibilidades, tu acolhes os meus desafios. Tu fazes da minha vida uma história de amor, uma viagem interior, um anúncio de possibilidades infinitas.