V Semana do Tempo Comum

Domingo

Oração para qualquer domingo

Senhor, faz que tenhamos em cada dia

a capacidade de passar da mera evocação dos símbolos

à pura concretude do real,

verdadeiramente atentos à gestação do mundo

e comprometidos em descrevê-la.

Que saibamos apreciar a imediatez flagrante em que a vida se dá,

mas também as suas camadas profundas, escondidas, quase geológicas.

Que no instante e na duração saibamos escutar,

hoje e sempre,

o vivo, o desperto, o fremente e o seu espantoso trabalho.

Recebe, de nós,

a aurora e o verde azulado dos bosques.

Recebe o silêncio intacto dos espaços.

Recebe a música do vento.

Mas recebe igualmente a marcha da história.

O desenho sonoro da nossa conversa terrena.

Esta espécie de parto que, entre dor e alegria, nos une.

A nossa dança e o nosso combate.

A nossa canção de semeadores mais que de ceifeiros.

Sejam os nossos quotidianos gestos

mergulhados na vivacidade da troca,

abertos ao que de todos os pontos

da humanidade e do mundo

converge impelido pelo Espírito.

Que a chama do amor hoje acesa

ilumine tudo por dentro:

desde o coração da menor partícula

à energia das leis mais universais.

E tão naturalmente invada cada elemento,

cada mola, cada liame,

florescendo e amadurecendo

sobre toda a vida que em nós vai germinar.

Que, nesta hora,

todos consintamos na busca da comunhão mais autêntica,

gramática deslumbrante capaz de ligar

no mesmo gesto

o inúmero e o diverso.

José Tolentino Mendonça

Segunda-feira

Porque estais com tanto medo, homens de pouca fé?

O crescimento pessoal e da humanidade não se dão numa linha contínua, mas costumam acontecer abruptamente, com “saltos” que nos levam para o nível seguinte. Cada uma dessas etapas é normalmente precedida por crises, sofrimentos e, não raramente, confrontos decisivos. São os tempos dos labirintos e das escolhas difíceis – porque sabemos que, no que quer que escolhamos, outros caminhos ficam para trás.

Para os crentes, esses são também os tempos dos extraordinários apelos de Deus, os chamamentos que nos cegam (de tão luminosos), mas que também nos amedrontam (de tão desajustados). Pois é no deserto que Deus nos fala ao coração. Há sempre luz e há sempre medo quando nos sentimos interpelados por Deus: a perceção da grandiosidade da empreitada, a par da incerteza total do caminho e da abrupta consciência das próprias limitações.

E é assim que podemos ler os dias de hoje: uma enorme adversidade à escala global, incertezas absolutas, incapacidade percebida e ausência de respostas. Vem-nos à mente o episódio do evangelho de Mateus, sobre a barca açoitada pela tempestade onde Jesus dormia tranquilo, enquanto os discípulos achavam que morriam. Na barca estamos todos, a humanidade inteira chamada a unir-se na privação, na tempestade, na aparente ausência de Deus. A beleza crua de um trajeto comum num mundo ainda tão (primariamente) fragmentado, como um sinal e uma oportunidade para crescermos decididamente na fé e estarmos mais próximos uns dos outros a todos os níveis: ontológico, espiritual, material.

Talvez tenha chegado o tempo para nos desprendermos do que nos divide, de pormenores, modos, espaços e razões. Tudo isso é vão, volátil, acessório. Só interessa o que permanece. E, para os cristãos, o que permanece é a Fé, a Esperança e o Amor. Para quem é cristão, deixe que Ele viva em si, através de si, onde e como Ele quiser, neste tempo que passa. Que Ele viva através da fé, com obras de esperança e de amor – os Seus sinais distintivos, sempre heroicos, porque a medida de Deus é sem medida. Se somos crentes, devemos ainda estar profundamente gratos. Porque o tempo presente para um crente é sempre um dom onde se encontra um tesouro escondido.

Dina Matos Ferreira in “setemargens.pt”

Terça-feira

Procurar compreender tudo no outro

Mais frequentemente do que antes, há jovens que me perguntam: o que há de mais bonito na sua vida? Sem hesitar, respondo-lhes: primeiro, a oração em comum e, nessa oração, os longos tempos de silêncio. Depois, logo a seguir, eis o que há de mais bonito na minha vida: compreender, na intimidade de um encontro pessoal, uma pessoa na sua globalidade, marcada ao mesmo tempo por dramas ou ruturas interiores e por dons insubstituíveis. Através destes dons, a vida em Deus de uma pessoa pode realizar tudo!

É essencial procurar compreender a totalidade de uma pessoa através de algumas palavras ou atitudes, em vez de o fazer através de grandes explicações. É preciso ainda procurar o dom específico que Deus pôs nela, eixo de toda a existência. E abrem-se caminhos quando este ou aqueles dons são plenamente expostos à luz.

Não perder tempo nas encruzilhadas nem nos fracassos, nas forças contraditórias para as quais encontramos sempre mil motivações. Passar o mais depressa possível à etapa essencial: discernir aquilo que é dom único, os talentos colocados em cada ser humano, para que não permaneçam enterrados, mas, em Deus, se tornem talentos vivos.

O que há de mais bonito na minha vida? A lista poder-se-ia prolongar sem fim: aqueles momentos especiais em que é possível partir de forma imprevista, passear no campo… caminhar, enquanto se conversa, nas ruas de uma grande cidade… acolher à mesa com simplicidade…

Irmão Roger de Taizé in “Deus só pode amar”

Quarta-feira

Chamados à santidade

Todos nós somos chamados à santidade, isto é, à plenitude, à perfeição, à alegria, na vida do quotidiano. Diz-nos o papa Francisco que Deus “pede tudo e, em troca, oferece a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, aguada e liquefeita”. “Ser santo não significa revirar os olhos nem viver em êxtase.” “O santo não é uma pessoa excêntrica, distante, que se torna insuportável pela sua vaidade, negativismo e ressentimento”. “Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade está reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avô ou avó? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. És investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum, renunciando aos teus interesses pessoais”. Aquela mãe ou aquele pai rumam à santidade quando, em casa, “o seu filho reclama a sua atenção para falar das suas fantasias” e eles, embora cansados, “sentam-se ao seu lado e escutam com paciência e carinho”. O papa Francisco defende o que chama a “classe média da santidade”, os santos “ao pé da porta”, eles vivem perto de nós e são reflexos da presença de Deus.

A vida é uma missão, que se cumpre na contemplação e na ação. O que não santifica é “um compromisso movido pela ansiedade, o orgulho, a necessidade de aparecer e dominar”, menosprezando os momentos de quietude, solidão e silêncio para estar consigo e diante de Deus, ou quando “tudo se enche de palavras, prazeres epidérmicos e rumores a uma velocidade cada vez maior; aqui não reina a alegria, mas a insatisfação de quem não sabe para que vive”. A santidade nada tem a ver com “um espírito retraído, tristonho, amargo, melancólico ou um perfil sumido, sem energia. O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor.” Porque, mesmo nos momentos mais difíceis, momentos da cruz, nada pode destruir a alegria sobrenatural, que “sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados por Deus”.

Padre Anselmo Borges in “dn.pt”

Quinta-feira

A liberdade cristã, fundamento universal de libertação

Na chamada à liberdade descobrimos o verdadeiro significado da inculturação do Evangelho. Qual é este verdadeiro significado? Ser capaz de proclamar a Boa Nova de Cristo Salvador, respeitando o que é bom e verdadeiro nas culturas. Isto não é fácil! Há muitas tentações de impor o próprio modelo de vida como se fosse o mais evoluído e desejável. Quantos erros foram cometidos na história da evangelização ao querer impor apenas um modelo cultural! A uniformidade como regra de vida não é cristã! A unidade sim, a uniformidade não! Disto deriva o dever de respeitar a origem cultural de cada pessoa, colocando-a num espaço de liberdade que não seja restringido por qualquer imposição ditada por uma única cultura predominante. Este é o significado de nos chamarmos católicos, de falarmos da Igreja católica: não é uma denominação sociológica para nos distinguir dos outros cristãos; católico é um adjetivo que significa universal: a catolicidade, a universalidade. Igreja universal, isto é, católica, significa que a Igreja tem em si, na própria natureza, uma abertura a todos os povos e culturas de todos os tempos, pois Cristo nasceu, morreu e ressuscitou para todos.

Por outro lado, a cultura está, pela sua natureza, em contínua transformação. Pensemos em como somos chamados a proclamar o Evangelho neste momento histórico de grande mudança cultural, onde parece predominar a tecnologia cada vez mais avançada. Se pretendêssemos falar da fé como se fazia nos séculos passados, correríamos o risco de já não sermos compreendidos pelas novas gerações. A liberdade da fé cristã – a liberdade cristã – não indica uma visão estática da vida e da cultura, mas uma visão dinâmica, uma visão dinâmica inclusive da tradição. A tradição cresce, mas sempre com a mesma natureza. Por conseguinte, não pretendamos ter a posse da liberdade. Recebemos um dom que deve ser preservado. E é a liberdade que pede a cada um de nós para permanecer num caminho constante, orientados para a sua plenitude. É a condição de peregrinos; é o estado dos caminhantes, num êxodo contínuo: libertados da escravidão para caminhar rumo à plenitude da liberdade. E este é o grande dom que Jesus Cristo nos doou. O Senhor libertou-nos da escravidão gratuitamente e pôs-nos na via para caminhar na plena liberdade.

Papa Francisco in “Audiência Geral de 13.10.2021”

Sexta-feira

Eternidade

Acredito que o sentido da vida está na construção de uma qualquer espécie de eternidade. Não está nas rotinas necessárias à sobrevivência material; não está nas atividades que servem para entreter e passar tempo; não está no que diverte e ajuda a esquecer. Olhemos à nossa volta: uns ocupam-se, outros entretém-se, outros divertem-se, outros entendiam-se. Vivem porque a vida dura, como dizia Pessoa.

A vida segue sempre e nós seguimos com ela, necessariamente, como se fôssemos empurrados pela passagem inexorável do tempo. Mas enquanto uns aceitam esse empurrão inexorável como um impulso para levantar voo – inclusive até lugares onde o tempo não domina –, outros deixam-se arrastar por ele até ao abismo. Porque quando o tempo não serve para moldar e edificar pedaços de eternidade, ele apenas dura e, portanto, a nada conduz (a não ser à morte), pois a sua natureza é durar, sem mais.

Por isso, acredito que o sentido da vida está para além da vida, quer dizer, está na construção de qualquer coisa que não se esgota no tempo e no espaço de uma vida. Onde quer que, ao longo da história, homens ou mulheres tenham produzido obras de eternidade, quer seja pela arte, pela ciência, pela filosofia, pela literatura, pela espiritualidade, pela ética ou pelo amor, eles encontraram também a justificação e o sentido para as suas próprias vidas. Pelos seus contributos ou pelas suas obras singulares, superaram a sua finitude, venceram o tempo, e não apenas na medida em que as suas obras permaneceram muito para além das suas mortes físicas, mas porque pelo próprio ato de criar, trabalhar, construir, contemplar, pensar, amar, experienciaram a eternidade nas suas próprias vidas.

O fim da vida não é a morte; o fim da vida é a superação da morte; o fim da vida é a imortalidade. Imortalidade no sentido de uma experiência que se viveque se experiencia na medida em que de alguma forma se participa naquilo que é eterno, intemporal, absoluto. Porque não é possível edificar nada que participe da eternidade se o próprio ato de fazer, produzir e criar não mergulhar ele próprio na eternidade cuja imagem se procura reproduzir a partir da matéria do tempo e do espaço. E na medida em que se experiencia, num dado momento, a eternidade, conquista-se também o sentido, a finalidade, que já não é um algo que vem depoisa consumação de um tempomas um agora que é semprea anulação do tempo.

Ruben Azevedo in “setemargens.com”

Sábado

Precisamos de Santos

Precisamos de Santos
mesmo sem véu ou batina.
Precisamos de Santos
de calças de ganga e ténis.
Precisamos de Santos que vão ao cinema,
oiçam música e saiam com os amigos.
Precisamos de Santos
que coloquem Deus em primeiro lugar,
mas que se comprometam na faculdade.
Precisamos de Santos que tenham tempo, durante o dia, para rezar
e que saibam namorar na fidelidade.
Precisamos de Santos modernos, Santos do século XXI,
com uma espiritualidade para o nosso tempo.
Precisamos de Santos
comprometidos com os pobres
e com as mudanças sociais que são necessárias.
Precisamos de Santos
que vivam no mundo, que se santifiquem
e que não tenham medo de viver no mundo.
Precisamos de Santos
que bebam Coca-Cola, comam cachorros,
naveguem na internet e oiçam música.
Precisamos de Santos
que amem apaixonadamente a Eucaristia
e que achem natural tomar uma bebida
ou comer uma pizza com os amigos.
Precisamos de Santos
que gostem de cinema, de teatro, de música, de dança e de desporto.
Precisamos de Santos sociáveis, abertos, normais,
amigos, alegres e que sejam bons companheiros.
Precisamos de Santos
que saibam saborear as coisas puras e boas do mundo, mas que não sejam mundanos.

Papa João Paulo II