
Domingo
Nova criação
O grande desafio no início deste tempo é cada um de nós descobrir-se em Cristo, descobrir o que é na ação de Cristo, naquilo que Cristo faz em nós. Talvez seja uma surpresa para nós próprios a descoberta que podemos fazer da nossa própria vida. Porque a nossa vida não é só isto que está confiado às nossas mãos, a nossa vida é infinitamente mais preciosa do que aquilo que podemos pensar porque a nossa vida não é só a nossa vida. A nossa vida é este lugar santificado por Cristo, é este lugar que recebeu a vida de Cristo, é este lugar habitado, insuflado, transfigurado pelo espírito do ressuscitado.
Cada um de nós passou a valer muito mais, e é assim que cada um é chamado a olhar para a sua própria vida, com um valor que não deriva apenas de mim mesmo mas com um valor que deriva da ação de Cristo em mim. Eu descubro-me mulher e homem, nova criatura, “nova criação” como S. Paulo também dirá. Um cristão é uma nova criação a partir da Páscoa de Jesus. Então, nós somos novas criaturas, não somos o homem velho, a mulher velha que insiste dentro de nós com as manias de sempre, as dificuldades de sempre, os limites de sempre, esta espécie de círculo vicioso que muitas vezes é o nosso quotidiano. Não somos apenas isso, somos uma realidade transfigurada, transformada pelo próprio Cristo, somos nova criação.
O grande desafio neste novo entendimento de nós próprios e daquilo que somos também é um desafio a relermos a nossa história. Se calhar, olhando para a nossa própria biografia nós encontramos coisas certas e incertas, encontramos o bem e o mal, encontramos a incompletude. Mas sobretudo nós somos desafiados a encontrar o movimento da Graça de Deus, o fio da Sua misericórdia, do Seu amor, que são eternos para connosco e que desde sempre nos ampararam.
Queridos irmãs e irmãos, há uma história para escrever. Nós temos de olhar para o tempo que nos é dado como uma oportunidade para escrever uma história. E uma história que seja, não uma história de maldição, não uma história de fatalismo, não uma história de desistência mas uma história de salvação em que olhamos para Jesus com confiança, com esse salto que é a fé e dizemos: “Senhor, Tu és o Cordeiro que me salva, Tu és aquele que repara o mundo, Tu és aquele que dá sentido à nossa vida sobre o mundo.” Este tempo é por isso de uma grande responsabilidade. Que cada um de nós sinta o seu lugar, o seu papel, a sua missão. E aqui o Senhor atua em cada um de nós.
José Tolentino Mendonça
Segunda-feira
O nosso lugar
Nem sempre somos capazes de encontrar o lugar que nos pertence. Nem sempre sabemos se o lugar que nos está destinado ao coração pode, na verdade, existir. Gostamos de acreditar que estará para chegar o dia em que nos sentiremos encaixados, pertencentes e enraizados. Para alguns, o lugar que lhes pertence pode estar guardado dentro da alma de outra pessoa qualquer. Para outros, o lugar que lhes enche as medidas tem uma geografia específica e pertence a uma qualquer terra com nome de país. Para alguns, o lugar que procuram está na forma como vão decidir viver cada dia. Ou tem a pele por viver de uma aventura por estrear. Para outros, o lugar que nos fará ser moradas andantes…não existe.
Talvez o importante seja que cada um se dedique a encontrar o seu lugar. Aquele que tudo muda e que tudo sossega. Aquele lugar que nasceu para ser habitado e querido por nós. Haverá lugares que cheguem para cada um? Haverá tempo suficiente para os encontrar? A resposta é bonita e é pequena: sim. O problema é que o nosso coração é feito de pressas e batidas velozes. Não bate como quem espera. Bate como quem quer tudo de uma vez. O mais rapidamente possível. E é assim que, apressados pelo nosso lado esquerdo, nos deixamos apaixonar pelos lugares errados. É assim que nos enganamos no lugar de chegada. Preferimos um lugar qualquer à espera demorada do lugar que será nosso e para nós. Contentamo-nos com o que aparecer. Esquecemo-nos do que disseram os poetas e outros sábios: o melhor está sempre para vir. Somos tempestades ambulantes que teimam em rasgar os céus de calmaria que a vida tem para oferecer. Somos feras de dentes aguçados que teimam em não permitir que a vida aconteça. Valerá a pena continuar à procura de um lugar que esteja à nossa espera? Vale. Mas vale mais a pena entender que a aventura de não saber o que virá depois, compensa. O mistério compensa e faz-nos crescer. O que seria de nós se já soubéssemos o que vem a seguir? Que esperanças nos fariam avançar, ir em frente, caminhar, seguir se os nossos olhos já tivessem visto tudo?
O nosso lugar na vida e no mundo está disponível apenas para ser descoberto. Não para ser adivinhado. Se ousarmos embarcar na aventura de deixar tudo para o alcançar, havemos de encontrar mais do que alguma vez tivemos. Quem semeia aventuras, colhe esperanças. Quem semeia passos, colhe caminhos. Quem semeia cores, colhe paisagens. Quem semeia a paz, colhe céus azuis para o teto do coração. O teu lugar é teu. Vai buscá-lo. Quando lá chegares, terá valido tudo a pena.
Marta Arrais in “imissio.net”
Terça-feira
A razão da nossa esperança
Nós somos os primeiros que devemos ter bem firme em nós a esperança e dela devemos ser um sinal visível, claro e luminoso para todos. O Senhor ressuscitado é a esperança que nunca esmorece, que não engana (cf. Rm 5, 5). A esperança do Senhor não engana! Quantas vezes na nossa vida as esperanças esmorecem, quantas vezes as expectativas que temos no coração não se realizam! A nossa esperança de cristãos é forte, certa e sólida nesta terra, onde Deus nos chamou a caminhar, e está aberta à eternidade porque se funda em Deus, que é sempre fiel. Não devemos esquecer: Deus é sempre fiel; Deus é sempre fiel para connosco. Ressuscitar com Cristo mediante o Batismo, com o dom da fé, para uma herança que não se corrompe, nos leve a procurar em maior medida as realidades de Deus, a pensar mais n’Ele, a rezar mais a Ele. Ser cristão não se reduz a seguir mandamentos, mas significa permanecer em Cristo, pensar como Ele, agir como Ele, amar como Ele; significa deixar que Ele tome posse da nossa vida e que a mude, transforme e liberte das trevas do mal e do pecado.
Prezados irmãos e irmãs, a quantos nos perguntarem a razão da nossa esperança (cf. 1 Pd 3, 15), indiquemos Cristo ressuscitado. Indiquemo-lo com o anúncio da Palavra, mas sobretudo com a nossa vida de ressuscitados. Manifestemos a alegria de ser filhos de Deus, a liberdade que nos permite viver em Cristo, que é a verdadeira liberdade, aquela que nos salva da escravidão do mal, do pecado e da morte! Contemplemos a Pátria celeste, e teremos uma luz e força renovadas também no nosso compromisso e nas nossas labutas diárias. É um serviço precioso, o qual devemos prestar a este nosso mundo, que muitas vezes já não consegue elevar o olhar, já não consegue olhar para Deus.
Papa Francisco in “Audiência Geral de 10.04.2013”
Quarta-feira
Ser discípulo
Imbuídos da vida de Cristo e do seu amor pelos outros, os discípulos são aqueles que querem viver como ele viveu. Durante a vida pública de Jesus, uma multidão de discípulos caminhava atrás dele. Seguiam-no de um lugar a outro para entenderem os seus ensinamentos. Entre eles, alguns continuaram a segui-lo até ao fim, até às horas mais sombrias da cruz e da morte. Mas não eram muitos. Muitos deixaram-no ao longo do caminho ou ao fim de algum tempo.
Para aquele que quer caminhar com ele, o chamamento de Cristo é radical, sem equívoco. Pede para se «renunciar» a si mesmo. É uma palavra difícil de entender na mentalidade de hoje. Não quer dizer que se deve negar aquilo que se é. Trata-se de renunciar àquela parte de si mesmo que vai contra a vida de Cristo e os seus ensinamentos. Compreendemos claramente que a perda de si não é pedida por Jesus. É, acima de tudo, um convite a realizar-se, seguindo-o verdadeiramente. Não com uma atitude preguiçosa e sem fervor, mas apenas com todo o coração e com toda a força é que o discípulo poderá seguir o caminho do Mestre.
A cruz de que Jesus nos fala é a cruz do «dia após dia», que cada um é chamado a carregar. Jesus sabe que os seus discípulos deverão encarar múltiplas provas e dificuldades. Ele encoraja-os a ter audácia, a enfrentar o desafio, a dar-se sem medo de sofrer pelo Evangelho e a encontrar, assim, uma vida em plenitude.
Na verdade, se caminharmos na senda de Cristo, hoje como no tempo dos Apóstolos, é inevitável que tenhamos que ir contra a corrente e, em certos momentos, nos tenhamos que tornar num «sinal de contradição» na sociedade. Por medo de perder o rosto ou pela segurança, será que vamos virar as costas aos diferentes obstáculos ou vamos avançar com confiança, com audácia e com a entrega de nós mesmos? O próprio Cristo não sofreu passivamente, mas entregou-se pelos outros. É verdade que o seu chamamento é exigente. Mas àquele que se entrega por causa de Cristo e do Evangelho, a alegria e a recompensa prometidas ser-lhe-ão oferecidas cem vez mais (Marcos 10,28-30).O caminhar pela vida traz, em todos os momentos, um arriscar perante o mistério do que nos espera, bem como do mistério daquilo que somos.
Comunidade de Taizé in “Textos bíblicos com comentário”
Quinta-feira
Escuta
A reconstrução de um mundo justo passa através do exercício da escuta. Vemo-lo antes de tudo na relação entre pais e filhos, adultos e jovens. A necessidade de se ser aprovado e reconhecido passa necessariamente através da experiência da escuta: um pai tem nas mãos o poder de gerar frustração ou bem-estar no seu filho simplesmente refutando ou acolhendo o implícito, e por vezes silencioso, pedido de escuta. Também uma instituição, também a Igreja, tem nas suas mãos o poder de dar acolhimento ou transmitir indiferença. Muitas feridas foram geradas pela perceção, verdadeira ou presumida, de não termos sido escutados: nessas ocasiões não nos sentimos amados.
Vendo bem, a capacidade de escutar é precisamente a possibilidade dada ao ser humano para evitar o risco do delírio de omnipotência e para reconhecer que foi feito para a relação. A criança aprende a escutar antes de aprender a falar, aliás, aprende a falar precisamente porque tem a capacidade de escutar: falar quer dizer inicialmente repetir aquilo que escuto. Isto quer dizer que nunca aprenderia a falar se não houvesse antes de mim alguém que me dirige a palavra e que posso escutar. Apenas porque escuto, posso falar. Hoje, talvez, já não somos capazes de falar precisamente porque deixámos de escutar. É como se ao não escutar, eliminássemos a verdade da nossa origem.
Esta dinâmica é muito clara na revelação bíblica: «Deus disse» é o primeiro passo da história da salvação. O ser humano escuta. Reconsiderar a nossa atitude para a escuta significa também reapropriar-se da nossa identidade diante de Deus. Graças a esta capacidade de escuta, o ser humano pode receber o dom da lei. Reencontramos aqui o profundo nexo, que no latim é evidente, entre escutar (“audire”) e obedecer (“ob-audire”). Não se pode obedecer sem escutar. Se a rebelião fundamental do ser humano consiste na recusa da relação com Deus e com os outros, só pode começar com o fechamento dos ouvidos. O mal começa daí, da desobediência, da traição do dom da escuta: o eu toma o todo o espaço quando não há mais nada que entra na nossa vida. Só numa escuta honesta reencontramos a nossa plena identidade, integrando as dimensões fundamentais da nossa pessoa.Jesus Cristo, tu vens transfigurar-nos para nos renovares à imagem de Deus: ilumina as nossas trevas.
Gateano Piccolo in “Osservatore Romano”
Sexta-feira
Dar a Vida
Como é que Jesus viveu a negação de si mesmo, a perda de si próprio, o carregar a cruz? Não foi a cruz que tornou grande Jesus, mas foi a vida de Jesus que deu sentido até à cruz, quando Jesus esteve pendurado nela. Foi a vida de Jesus gasta a amar, a dar vida, a fazer justiça, a reconhecer e a ir ao encontro do outro nas suas necessidades; é também a vida de Jesus marcada pela amizade, fraternidade, afetos, contemplação da criação, encontros gratuitos; é ainda a vida de Jesus sustentada pela fé simples e radical em Deus, atravessada pela oração ao Pai e da escuta filial da sua Palavra, que conotou a cruz (símbolo de uma morte injusta e cruel, sinal do pecado do homem) com o selo da fidelidade e da solidariedade radical de Jesus. Fidelidade a Deus e solidariedade com os homens, sintetizados num único amor a Deus e ao próximo.
Jesus não teve como fim o autoaniquilamento, a perda da sua vida, mas o facto de vivê-la, plena e jubilosamente, perseguindo a liberdade e o amor. E amando livremente até ao fim, até ao ponto de não retorno.
Jesus viveu dando a vida: aos doentes, aos pecadores, aos marginalizados e aos desprezados. Jesus soube, isto é, escolheu e quis, dar a vida. A perda da sua própria vida foi dar tempo, forças físicas e espirituais, energias psíquicas e afetivas: Jesus deu a sua vida, dando vida aos outros. Não foi um mero perder, mas um dar, um gerar, um transmitir. Jesus também lutou com todas as suas forças contra a morte de cruz: orou intensamente para que fosse livre daquela hora. Mas também acolheu o indesejável, o que não queria, a contradição, como possibilidades de amar. Viveu na liberdade e no amor, na fidelidade a Deus e na solidariedade com os homens, mesmo o desumano a que foi sujeitado, mostrando-nos que “através de cada evento, seja qual for eventualmente o seu caráter não divino, passa uma estrada que nos conduz a Deus” (Dietrich Bonhoeffer). E até o ato de morrer de Jesus foi um ato de dar. Se amar é dizer sim, radicalmente àquele que se ama, Jesus amou, isto é, disse sim a Deus e aos homens como uma escolha sem retorno. Segundo o Novo Testamento, o que salva é o amor. O amor de Deus manifestado no dom do Filho à humanidade, o amor com que Jesus viveu e com que fez da sua própria morte um ato de amor e de doação, o amor com que amou os seus até ao extremo, até ao ponto de não retorno.
Luciano Manicardi in “Viver uma fé adulta – Itinerário para um Cristianismo credível”
Sábado
Confiança
Deixa! Confia! Acredita! Porque no caminho da fé não é apenas com a nossa força que nós contamos, é com a força da eficácia do próprio dom de Deus. Aquilo que Deus acende em nós tem sempre a natureza de um milagre, de alguma coisa flagrante, tem sempre o inesperado, o imprevisível. A fé não é o caminho que nós já percorremos tantas vezes da mesma maneira, mas sim uma abertura, é um rasgão, eu não sei o que vai acontecer, eu não sei como é que se vai dar… mas eu sei que vai acontecer em mim.
Santo Agostinho, na linha dos Padres da Igreja, dizia uma coisa tremenda. Ele dizia: “Porque é absurdo, eu acredito”. Às vezes nós desistimos muito facilmente da vida, da nossa própria vida, porque achamos que já não vamos a tempo, que os anos passaram, que perdemos as oportunidades certas e que já não há lugar para nós, ou perdemos a esperança nos outros, desistimos! É muito fácil isto acontecer. Ora, Deus não desiste, e na fé nós sabemos que mesmo aquilo que nos parece impossível, mesmo aquilo que não está no plano das probabilidades acontecer, também acontece, também se dá a ver.
“Porque é absurdo, eu acredito!” A fé põe-nos à prova: nós, crentes, somos mulheres e homens expostos à prova da confiança, à prova de uma esperança maior que a própria esperança! E que muitas vezes contraria o horizonte da própria esperança… Mas é este fulgor, é esta intensidade que Deus quer colocar no coração de cada um de nós. Nós às vezes só vemos o deserto, só vemos a aridez, só vemos a secura, só vemos aquilo que está a ir declinando, a ir perdendo o seu vigor… Acreditemos naquilo que Deus nos diz: Elepróprio, o Senhor, vai arrancar da nossa vida um ramo novo evamos ser esse cedro verdejante. O Senhor vela pela fecundidade das nossas próprias vidas.
Por isso, a Palavra de hoje é uma palavra de confiança. E não necessariamente nas nossas forças, que são sempre frágeis. Eu acho que quando fazemos o diagnóstico da nossa vida, estamos a ver bem: somos frágeis, somos fracos, há tanta coisa por purificar, há tanta coisa que nos transcende… É verdade, não estamos numa ilusão, é verdade! É um diagnóstico realista das nossas possibilidades, mas a vida não é só isso e a nossa força não é só a nossa força. Não é só aquela que temos em nós. É a força que Deus deposita, é o fulgor das Suas sementes, é a intensidade da Sua palavra, é a novidade do Seu gesto, é o envolvimento concreto de Deus com cada um de nós que se torna depois o garante, a certeza, a grande razão da esperança…
José Tolentino Mendonça in “Homilia no XI Domingo do Tempo Comum”