IX Semana do Tempo Comum

Domingo

Abrir os olhos

Podemos perguntar-nos: O que é que move os nossos dias? Que amor nos impele a seguir em frente: o Espírito Santo ou a paixão do momento, isto é, uma coisa qualquer? Como nos movemos na Igreja e na sociedade?

Uma segunda pergunta: O que veem os nossos olhos? Simeão, movido pelo Espírito, vê e reconhece Cristo. E reza dizendo: «Meus olhos viram a Salvação» (2, 30). Eis o grande milagre da fé: abre os olhos, transforma o olhar, muda a perspetiva. Como sabemos através de muitos encontros de Jesus nos Evangelhos, a fé nasce do olhar compassivo com que Deus nos vê, dissolvendo as durezas do nosso coração, curando as suas feridas, dando-nos olhos novos para nos vermos a nós mesmos e ao mundo: olhos novos sobre nós mesmos, sobre os outros, sobre todas as situações que vivemos, mesmo as mais dolorosas. Não se trata dum olhar ingénuo, mas é sapiencial; o olhar ingénuo foge da realidade ou finge não ver os problemas; ao contrário, trata-se de olhos que sabem «ver dentro» e «ver mais além»; que não se detêm nas aparências, mas sabem entrar também nas brechas da fragilidade e dos fracassos para vislumbrar a presença de Deus.

Devemos ter esta sabedoria de olhar (é o Espírito que a dá): olhar bem, medir bem as distâncias, compreender as realidades. O Senhor não cessa de dar sinais para nos convidar a cultivar uma visão renovada da nossa vida. Não podemos fingir que não vemos esses sinais e continuar como se não importassem, repetindo as coisas de sempre, arrastando-nos por inércia nas formas do passado, paralisados pelo medo de mudar. Nós abrimos o coração, com coragem, sem medo. Abrimos o coração. Irmãos e irmãs, não desperdicemos o hoje a olhar para o ontem ou sonhando com um amanhã que jamais virá, mas coloquemo-nos diante do Senhor, em adoração, e peçamos olhos que saibam ver o bem e vislumbrar os caminhos de Deus. O Senhor no-lo concederá, se Lho pedirmos com alegria, com fortaleza, sem medo.

Por fim, uma terceira pergunta: Que estreitamos nos braços? Deus colocou o seu Filho nos nossos braços, porque o essencial, o centro da fé é acolher Jesus. Às vezes corremos o risco de nos perder e dispersar em mil coisas, fixar-nos em aspetos secundários ou mergulhar-nos nas coisas que temos de fazer, mas o centro de tudo é Cristo, que devemos acolher como o Senhor da nossa vida. Se acolhermos Cristo de braços abertos, acolheremos também os outros com confiança e humildade.

Papa Francisco in “Homilia na Festa da Apresentação do Senhor (2.2.22)”

Segunda-feira

Nós nos outros

Conseguirmos ir ao encontro de quem somos é, claramente, o maior de todos os desafios. É nesta descoberta das nossas limitações que, muitas das vezes, eliminamos falsas imagens. É neste confronto com aquilo que verdadeiramente somos que nos apercebemos que existe muito mais do que um “eu” solitário. É neste confronto que surge a perceção da realidade.  

Acredito firmemente que este será o desafio de todos os que querem tocar no céu ou chegar à santidade. É preciso ter esta capacidade de autoconhecimento. É fundamental ter esta capacidade de autoconhecimento, para que possamos chegar até ao outro. Chegar ao outro para além do toque. Chegar ao outro para além do olhar. 

É preciso, mais do que nunca, chegar ao outro através da dor. É preciso, mais do que nunca, chegar ao outro através da mente. Há muito mais em cada pessoa do que aquilo que ela nos mostra. E para se chegar a esse “invisível” é preciso conhecermos profundamente aquilo que deixamos escondido de todo o mundo. É preciso percebermos cada pensamento, cada emoção e cada comportamento. Só assim pode existir uma verdadeira compaixão. Chegar bem junto do outro na sua dor entendendo-a e querendo ajudar a suportá-la. 

Uma maior aceitação de nós e das nossas limitações leva-nos a abrir os olhos para o mundo. Uma maior aceitação de nós e das nossas limitações leva-nos a estar onde mais ninguém quer estar. Leva-nos a desafiar tudo e todos, porque deixamos para trás um ego altamente narcisista. 

É disto que este mundo necessita: de aceitação. Não uma aceitação mascarada, mas uma aceitação que leve à verdadeira compreensão do outro e da pessoa que se encontra à nossa frente. É preciso valorizar a unicidade que é revelada em cada ser humano. É preciso valorizar cada ser humano, tal como é, percebendo, de uma vez por todas, que “somos todos mais humanos do que outra coisa”, e como tal, não podemos, nem devemos ser tratados como meras máquinas. Tenhamos a audácia de nos conhecermos verdadeiramente, para podermos estar de olhos voltados para o mundo. 

Emanuel António Dias  in “imissio.net”

Terça-feira

Acreditar no amor

A religião cristã representa, para muitos, um sistema religioso difícil de entender e, sobretudo, um quadro de leis demasiado complicado para viver corretamente ante Deus. Não necessitamos, os cristãos, de concentrar muito mais a nossa atenção em cuidar antes de mais nada do essencial da experiência cristã?

Assim resume Jesus o essencial: o primeiro mandamento é “amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu ser”; o segundo é “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A afirmação de Jesus é clara. O amor é tudo. O decisivo na vida é amar. Aí está o fundamento de tudo. Por isso, o primeiro mandamento é viver ante Deus e ante os demais numa atitude de amor. Não devemos perder-nos em coisas acidentais e secundárias, esquecendo o essencial. Do amor sai todo o resto. Sem amor, tudo fica desvirtuado.

Ao falar do amor a Deus, Jesus não está a pensar nos sentimentos ou emoções que podem brotar do nosso coração; tão pouco está a convidar-nos à multiplicação das nossas rezas e orações. Amar o Senhor, nosso Deus, com todo o coração é reconhecer Deus como Fonte última da nossa existência, despertar em nós uma adesão total à sua vontade e responder com fé incondicional ao seu amor universal de Pai de todos. Por isso, agrega Jesus um segundo mandamento. Não é possível amar a Deus e viver de costas para os seus filhos e filhas. Uma religião que anuncia o amor a Deus e se esquece dos que sofrem é uma grande mentira. A única postura realmente humana ante qualquer pessoa que encontramos no nosso caminho é amá-la e procurar o seu bem como quiséssemos para nós mesmos.

Toda esta linguagem pode parecer demasiado velha, demasiado gasta e pouco eficaz. No entanto, também hoje o primeiro problema no mundo é a falta de amor, que vai desumanizando uma e outra vez os esforços e as lutas por construir uma convivência mais humana. Há alguns anos, o pensador francês Jean Onimus escrevia assim: “O cristianismo está, todavia, nos seus começos: tem vindo a trabalhar apenas há dois mil anos. A massa é pesada e serão necessários séculos de maduração antes que a caridade a faça fermentar”. Os seguidores de Jesus não devem esquecer-se da sua responsabilidade. O mundo necessita de testemunhas vivas que ajudem as futuras gerações a acreditar no amor, pois não há um futuro esperançoso para o ser humano se acaba por perder a fé no amor.

José António Pagola  in “imissio.net”

Quarta-feira

E se

Olharmos com profundidade e amor para todos os momentos da nossa vida?
Se apreciarmos com compaixão cada experiência, o que ela nos traz e para onde nos leva?
Se escutarmos atentamente cada silêncio, o que ele nos diz e o que nos faz sentir?
Se aceitarmos humildemente as nossas fragilidades e crescermos com elas?
Se aceitarmos o outro, sem julgamento e sem critica?
Se abrirmos a porta do nosso coração à fé e à esperança?
Se abraçarmos quem nos chega de mãos fechadas?
Se oferecermos sorrisos? 
Se acreditarmos que somos coragem e força no caminho?
Se plantarmos roseiras no nosso jardim?
Se redirecionarmos a bússola da nossa alma em direção ao sol?
Se fecharmos os olhos e sentirmos o vento?
Se abrirmos o gaiola e ganharmos asas?


A paz e a felicidade andam de mãos dadas. São estados de consciência que podemos trazer para a nossa vida todos os dias, a cada momento.


Talvez seja esta a grandiosa experiência da humanidade. Acreditar que é sempre possível ser a paz e levar a paz a cada lugar, começando dentro do nosso coração.


Temos o direito e o dever de vivermos em felicidade, pelo presente único da vida em si mesma.
Que desafio este! Que magia esta!


Que amor maravilhoso que nos sustenta e nos conduz.


E se tu acreditares que há uma luz interior que nunca se apaga, que brilha e ilumina?


Aí estás tu. Aí está Deus. 

Carla Correia  in “imissio.net”

Quinta-feira

Caminhar

Quando caminhamos através da vida, somos turistas ou peregrinos? Apenas viajamos para observar a partir de fora ou há uma sede interior que nos atrai para a frente? O peregrino, mesmo sem ver a meta, procura significado em cada passo da jornada, pressentindo intuitivamente a direção. Mas um caminho sem objetivo pode tornar-se numa jornada sem rumo. Por vezes, passamos por períodos nas nossas vidas em que, por várias razões, não conseguimos ver qualquer objetivo. Há momentos em que precisamos de aceitar estar num terreno deserto. Quando isso acontece, será que nos lembramos do que Jesus disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (João 14,6)? Caminhar com ele significa manter estas três realidades juntas. Jesus é, pessoalmente, o caminho que seguimos, podemos confiar no que ele diz e ele conduz-nos a uma plenitude que nunca imaginámos.

Jesus não excluiu ninguém da sua jornada. Enraizado numa comunhão com Deus, partilhou a sua vida com quem quer que viesse até ele, com pessoas justas e injustas. Reconheceu a presença de Deus nos que se encontravam nas margens da sociedade, nos pecadores e nos excluídos, e até nos que não eram do seu próprio povo. Jesus deu o que tinha e também recebeu dos que encontrou. A sua vida foi desafiada por eles e, muitas vezes, ficou mais rica. Não nos convida Jesus, manso e humilde de coração, a trilhar este mesmo caminho? Estaremos prontos para procurar a generosidade da humildade, de modo a acolher o que os outros nos podem oferecer nesta jornada? Caminhar juntos é a vida da Igreja e da sociedade. No entanto, cada pessoa precisa de espaço para que a sua própria criatividade e as suas ideias possam ser expressas. Contudo, estas são-nos oferecidas para serem partilhadas, para construir a nossa vida em conjunto, na Igreja e na família humana.

Irmão Matthew de Taizé in “Caminhamos juntos – Carta para 2024”

Sexta-feira

Amor, palavra-chave do Evangelho

Mestre, qual é o maior dos mandamentos? O mandamento-fonte, a palavra-fonte, a lei que unifica e dá sentido às outras, de maneira que possamos também nós simplificar a vida, ir direto ao essencial? Pergunta séria, a que Jesus responde, mas, como é seu hábito, libertando dos esquemas. Começa com um verbo, amarás, no futuro, a indicar que o amor é o futuro do mundo, que sem amor não há futuro: amai-vos, de outra maneira sereis destruídos. O Evangelho está todo aqui. Amarás para sarar a vida e fazê-la feliz, porque a balança na qual se pesa a bem-aventurança desta vida é dar e receber amor.

Não amar é apenas um lento morrer. Morre lentamente quem não ama, quem não estremece por uma pessoa, daquele amor que volta a limpar os olhos, que faz ver as pessoas como as vê a divindade, que move o sol e as outras estrelas e move tudo em nós, que escava pedras para construir casas, que faz nascer abraços para nos encontrar inteiros, que faz surgir arcos-íris que apontam o caminho.

Amarás Deus com todo o coração. Amá-lo-ás como podes, o melhor que podes, com o que tens, mesmo quando ficas sem fôlego. Mas com toda a tua alma, ou seja, com a tua vida toda inteira. Com toda a tua mente. Deve ser amor inteligente: por isso conhece-o, lê, fala dele, vai ao fundo. Escreve uma prece, uma canção, uma poesia de amor ao teu Amor… Amarás com tudo.

Mas com isto, o que Jesus disse de novo? No fundo são as palavras que repetem os místicos, os buscadores de Deus de todas as religiões. A novidade de Jesus está em acrescentar um segundo mandamento, semelhante ao primeiro… O génio do cristianismo: “amarás o ser humano” é semelhante a “amarás Deus”. O próximo é semelhante a Deus. O próximo tem rosto e voz, tem coração e beleza, semelhante a Deus. A Terra responde ao Céu. Um olho para o alto, outro para baixo, cabeça no céu e pés na terra. A grandeza da vida tem a ver com o amor. Deus tem a ver com o amor. E Jesus veio para o cuidar, como curador do desamor do mundo. O desamor é o único pecado que torna a Terra deserta e impensável o amanhã. Veio para sarar o coração. E torna-se berço do futuro e berço de Deus.

Ermes Ronchi in snpcultura.org

Sábado

É o Amor que nos faz viver

Todos bem o sabemos: existimos para responder ao apelo do amor, para amarmos e sermos amados. Assim dito, tudo parece simples e fácil, mas bem sabemos que não é. Amando, cumprimo-nos como pessoas; não amando, respondendo ao amor com o ódio, falhamos tragicamente o sentido da nossa vida. É o amor que nos funda, que nos faz viver. Toda a nossa vida, em cada dia renovada, é a resposta possível e falível a esse amor primeiro, incondicional que nos é dado: o amor do Pai pelo Filho que chega a cada um de nós. Todo o amor humano, nas suas diferentes formas de expressão, é resposta ao amor de Deus que funda e inspira em nós o amor de filhos amados, capazes de amar. Daqui as implicações práticas e concretas, a contínua construção e reconstrução do tecido das nossas relações, sempre em risco, sempre em recomeço. Respondemos ao amor do Pai pelo Filho praticando, tentando experimentar, o estilo do Filho.

«Amai-vos uns aos outros». Não se ama no abstrato; todo o amor é concreto, pessoal e interpessoal, ou não é. Amar é uma prática, e não uma ideologia. Procuramos amar pessoas concretas, com corpo singular, identidades, história. Sempre com esforço e fadiga, com aquela sensação de não sermos capazes, de não estarmos à altura…

«Amai-vos uns aos outros como eu vos amei»: Não há medida, não há metro, não há peso para o amor. O Amor não se mede nem se quantifica. Vive-se e arrisca-se ao estilo de Jesus. O seu estilo inspira-nos na nossa aventura pessoal de resposta ao Amor. Com uma liberdade inventiva, até para falir e recomeçar. Como Cristo amou, em seu corpo de contacto, feito cuidado, asilo, hospital, abraço compassivo. E por fim, corpo-grão de trigo dado, num amor até ao fim, para que os amigos (os irmãos) tenham vida em abundância. Não sabemos nunca «como». Porque aprende-se a amar amando, deixando-nos amar, sem manual de instruções, sem GPS. Se amamos, mesmo com possíveis riscos e falhas, sempre prontos a recomeçar, a nossa vida não falha. Vai-se cumprindo. Com custo e fadiga, atravessando sempre o desconhecido. E descobrimos que amando somos felizes.

António Martins in capeladorato.org