Domingo
A viagem mais longa é a viagem interior
No século V a.C., Sócrates pedia aos seus discípulos: «Homem, conhece-te a ti mesmo». O conhecimento de si é indispensável para percorrer o itinerário da vida interior e humana. É verdade que tal conhecimento nunca é pleno: cada um continua a ser um mistério inclusive para si mesmo, e, por vezes, pode parecer até um enigma com sombras e lados obscuros que não quereria ver.
Todavia, é absolutamente necessário conhecer-se a si mesmo, para saber aquilo de que se é capaz, quais são os seus limites e as suas forças, para se ser responsável por si e pelos outros.
Cada um de nós existe porque foi gerado, por isso é precedido por pais específicos; existe num tempo e num lugar particulares, por isso veio e vem a cada dia ao mundo, agora e aqui, está no meio dos outros, por isso, está em relação com outros. Sim, cada um é chamado a conhecer-se na consciência de ser também tudo aquilo que a vida e os outros fizeram de si, contribuindo para a formação do seu eu.
Em tal faixa de relações, conhecer-se a si mesmo comporta um necessário passo preliminar: aderir à realidade, conhecer a sua relação com a história, os outros, o mundo, porque é assim que cada um de nós existe e está envolvido. Muitos caminhos espirituais e psicológicos são estéreis e até desumanizadores, porque carecem de adesão à realidade. É extremamente perigoso iniciar o caminho interior sem sentir-se no meio dos outros, necessitado dos outros, e nunca sem os outros! Quantas derivas existem da parte de pessoas que se isolam, que deixaram de escutar, que vivem só das suas certezas e descobertas…
Conhecer-se a si mesmo é, por isso, uma tarefa e um trabalho quotidiano, que requer perscrutar o seu sentir, pensar, falar e agir, mas sempre na alegria do intercâmbio fraterno.
Enzo Bianchi in “Monastero di Bose”
Segunda-feira
Compaixão
A opção pela alegria não significa uma fuga para longe dos problemas da vida. Pelo contrário, ela permite olhar para a realidade que está à nossa frente e até mesmo para o sofrimento. A opção pela alegria é inseparável da opção pelo homem. Ela enche-nos de uma compaixão sem limites. Saborear, por muito pouco que seja, a alegria de Deus faz de nós mulheres e homens de comunhão.
O individualismo como caminho de felicidade é uma ilusão. Sermos testemunhas da comunhão supõe a coragem de ir contra a corrente. O Espírito Santo dar-nos-á a imaginação necessária para encontrar os meios de nos tornarmos próximos dos que sofrem, escutá-los e deixarmo-nos tocar pelas situações de angústia. O caminho da felicidade, seguindo os passos de Jesus, reside no dom de nós mesmos, dia após dia. Pela nossa vida, numa grande simplicidade, podemos exprimir o amor de Deus.
Irmão Alois de Taizé in “Carta do Chile (2011)”
Terça-feira
A única coisa necessária
Quando penso nas coisas que quotidianamente nos ensinas, Senhor, vem-me muitas vezes ao pensamento aquela tua palavra dirigida a Marta, num dos vossos encontros em Betânia. Tu disseste-lhe: “Uma só coisa é necessária.” (Lucas 10, 42)
Mesmo nos contextos exigentes em que vivemos, onde sentimos que mil braços nos puxam para direções diferentes, onde mil vozes nos gritam urgências e todas elas reais, onde é fácil que a armadilha da angústia nos capture para uma agitação que, no fundo, só serve para ampliar a impotência e o medo, recordo o teu conselho a Marta: “Uma só coisa é necessária.”
Ajuda-nos, Senhor, a ter a sabedoria de perguntar qual é a coisa necessária e concentrar aí a nossa inteligência, o nosso labor e o nosso coração.
Ajuda-nos a discernir, com a luz do Espírito Santo, aquela “única coisa” que, neste momento, melhor resume a indefetível responsabilidade que somos chamados a expressar diante de ti e dos nossos irmãos. E ajuda-nos a confiar não só nas metas consideradas possíveis, mas até naquilo que nós, nos momentos de maior desânimo ou cansaço, formos tentados a declarar como impossível.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”
Quarta-feira
Bem-aventurados
As Bem-aventuranças não constituem apenas uma promessa de recompensa para aqueles que sofrem injustamente e uma predição da viragem tremenda do status quo. As Bem-aventuranças também pintam um retrato da pessoa que Jesus quer que nós sejamos. “Bem-aventurados os pobres” significa não só que os indigentes serão recompensados, mas que a simplicidade de vida é importante. “Felizes os pobres em espírito” significa não só que eles serão recompensados, mas que a humildade é importante.
Jesus estava a convidar as multidões, e a nós próprios, não só a escutar uma promessa de recompensa futura para aqueles que sofrem, mas a encarar desde já certas virtudes. Ao fazê-lo, tornamo-nos as pessoas que Ele pretende que nós sejamos, participamos do seu Reino e passamos a ser seus discípulos. E assim somos felizes.
Enquanto estava sentado no Jardim do Monte das Bem-aventuranças, interroguei-me: como seria viver as Bem-aventuranças? Uma frase que eu ouvira, certo dia, num retiro, ocorreu-me à mente: uma pessoa das Bem-aventuranças. Desde que ouvi, pela primeira vez, essa expressão, tentei tornar-me essa pessoa – humilde, misericordiosa, amável, pacificadora, que procurasse a justiça para os outros – e tentei aproximar-me mais da visão da personalidade que Jesus estava a descrever. As Bem-aventuranças são uma visão não só para o fim dos tempos, ou para a sociedade, mas para nós. Nós tornámo-nos aquilo que Jesus espera que nós sejamos, como povo e como indivíduos. Por isso, somos bem-aventurados.
James Martin in “Jesus – um encontro passo a passo”
Quinta-feira
A vida por inteiro, uma ode ao amor de Deus
É difícil descortinar Deus na vida toda: a que nos agrada e a que não nos agrada, a que nos edifica e a que nos abate, a que entendemos e a que nos lança na escuridão. É fácil encontrarmos Deus quando a vida corre bem: tudo encaixa, os nossos talentos estão à vista e vão crescendo, somos reconhecidos, acordamos com vontade para novos dias, que vão ser cheios de coisas boas, previsíveis nas suas causas e nos seus efeitos. Vem o tempo (sempre vem o tempo) em que nada encaixa, em que os nossos talentos não estão à vista nem vão crescendo, em que não somos reconhecidos, em que não acordamos com vontade para novos dias, que pressentimos não irem estar cheios de coisas boas, nada previsíveis nas suas causas e nos seus efeitos. Apossa-se de nós um sentimento de rejeição. A aparente rejeição de pessoas e das circunstâncias faz-nos ser invadidos pela certeza de rejeição de Deus. Deixando-nos tomar por estes sentimentos, deixamos de nos amar a nós mesmos e à vida toda à nossa volta.
Quando negamos qualquer parcela da nossa realidade, viramos as costas a Deus e entramos numa espiral de desamor connosco mesmos. O amor de Deus implica que recebamos tudo na nossa vida de coração aberto, aceitando tudo de nós nesse gesto, incluindo a repulsa pelo momento que estamos a viver. A condição para percebermos Deus em nós e na vida toda, sobretudo naquela que nos repugna, é fazê-Lo vivê-la connosco, a Ele que nos pôs na situação e está a confiar-nos esse valente legado. Com o nosso coração em fuga não é possível darmos este salto, mas ele é evidentemente necessário para nos colocarmos no lugar certo da nossa existência: a sintonia com Deus, que se faz presente quando aceitamos tudo de nós e não negamos nada da nossa vida, antes conseguimos recebê-la através dos Seus olhos cheios de bondade. Pode não ser fácil esse salto, porque levamos uma memória manchada pelos nossos maus olhares interiores, pelas nossas más vibrações e por um acumulado de argumentos tristes e vazios de sentido e de amor. Deus ajudar-nos-á a restaurar a memória em nós, a boa memória, a memória justa para que fique só a paz. A paz de Deus que nos permite perceber e acreditar que Ele está em toda a nossa vida, mesmo (ou sobretudo) naquela em que Ele parece rejeitar-nos, a que pede de nós o que, se não for Ele, nós não saberemos receber. Tudo o que é preciso são corações disponíveis para se deixarem tomar pelo amor de Deus em qualquer circunstância, recebendo totalmente o que a vida (Deus) lhes apresenta. E fazendo dessa vida a boa memória, a memória eterna, que tem as suas raízes no coração de Deus.
Dina Matos Ferreira in “setemargens.com”
Sexta-feira
A tentação é sempre uma opção entre dois amores
A tentação é sempre uma escolha entre duas vidas, melhor, entre dois amores. E, sem escolher, não se vive. «Tirai as tentações e ninguém mais se salvará» (Abba António, Padre do Deserto), porque faltaria o grande jogo da liberdade. Esse que abre toda a secção da lei na Bíblia: coloco diante de ti a vida e a morte, escolhe! O primeiro de todos os mandamentos é um decreto de liberdade: escolhe! Não ficar inerte, passivo, prostrado.
E é como uma súplica que o próprio Deus se dirige ao ser humano: peço-te, escolha a vida! (Deuteronómio 30, 19). O que significa «escolha sempre o humano contra o desumano» (David Maria Turoldo), escolhe sempre o que constrói e faz crescer a tua vida e dos outros em humanidade e dignidade.
Do deserto é lançado o anúncio de Jesus, o seu sonho de vida. A primavera, nossa e de Deus, não se deixa perturbar por nenhum deserto, por nenhum abismo de pedras. Jesus foi para a Galileia para proclamar o Evangelho de Deus. E dizia: o Reino de Deus está próximo, convertei-vos e acreditai no Evangelho. O conteúdo do anúncio é o Evangelho de Deus. Deus como uma bela notícia. Não era óbvio para ninguém. Nem toda a Bíblia é Evangelho, nem toda é notícia bela e alegre; por vezes, é ameaça e juízo, muitas vezes preceito e ordem. Mas Jesus anuncia a palavra que conforta a vida: Deus fez-se próximo, e com Ele são possíveis novos Céus e uma nova Terra. É possível viver melhor, um mundo como Deus o sonha.
Convertei-vos… Como que a dizer: voltai-vos para a luz, porque a luz já aqui está. E é como o movimento contínuo do girassol, o seu orientar-se tenaz para a paciência e para a beleza da luz. Para o Deus de Jesus e o seu rosto de luz.
Ermes Ronchi in “Avvenire”
Sábado
Não prometas o bem. Faz!
Se procuras a verdadeira alegria, então trata de a semear naqueles que estão à tua volta, a começar pelos mais próximos. É impossível alcançares a felicidade para ti, porque ela só te pode chegar através de outra pessoa.
Tal como qualquer árvore de fruto, também tu não te preocupes em distinguir entre aqueles a quem te podes dar. Mesmo que haja quem julgues que não merece… não julgues e dá-te. Se houver algum mal nessa pessoa, tal não te contaminará.
Promover o bem de alguém é criar condições para que seja quem é, tal como fazer-lhe mal é diminuí-lo ou aniquilá-lo. Por isso, uma das formas mais nobres de fazer o bem é combater o mal!
É de grande valor a existência capaz de ver em si todo o bem que tem. A maior parte das pessoas só depois de o perder tem consciência do quanto iluminava a sua vida.
Alguns, tão escuras são as trevas do inferno em que vivem, que sentem o bem que lhes é feito como algo que os importuna e desrespeita… A solução que veem para o mundo é a de que o mal se espalhe por todo o lado em vez de abrirem a sua vida ao bem que, por mais que pareça tardar, vence sempre. Sempre. Cuida de te preparares porque, por maiores que sejam os bens que faças, não terás as respostas que mereces. Serás mal interpretado e poucos te agradecerão. Mas a verdade é que nunca foi grande herói aquele que só fez o bem a quem lho fazia também.
Faz o bem que tens a fazer, apesar de tudo. Sem promessas, apenas como um compromisso de ti para contigo!
José Luís Nunes Martins in “imissio.net”