XIX Semana do Tempo Comum

Domingo

Ilumina e serás iluminado

No Evangelho, Jesus proclama as bem-aventuranças, e acrescenta, dirigindo-se aos seus discípulos e a nós: se as viverdes, sereis sal e luz da terra. Uma afirmação que surpreende: que Deus é a luz do mundo já o tínhamos ouvido, o Evangelho de João repetiu-o, e nós acreditamos; mas ouvir – e crer – que também o ser humano é luz, que o somos também eu e tu, com todos os nossos limites e sombras, é surpreendente.

E não se trata de uma exortação de Jesus, “esforçai-vos por vos tornardes luz”, mas “sabei que já o sois”. A lâmpada, se estiver acesa, não tem de se esforçar por dar luz, porque é da sua natureza; assim também vós. A luz é o dom natural do discípulo.

Esta é a confiança que Jesus comunica, a esperança que repõe em nós. E encoraja-nos a tomar consciência disso: não fiques na superfície de ti mesmo, na porosidade do barro, mas procura em profundidade, no reduto secreto do coração, desce ao centro de ti próprio e lá encontrarás uma lâmpada acesa, uma mão cheia de sal.

Vós que viveis segundo o Evangelho, sede luz no mundo. E sede-o não com a doutrina ou as palavras, mas com as obras: resplandeça a vossa luz nas vossas boas obras. Tu podes realizar obras de luz! E são as mansas, as puras, as justas e as pobres as obras alternativas às escolhas do mundo, a diferença evangélica oferecida à flor da vida. Quando segues o amor como única regra, então és luz e sal para quem te encontra. Quando duas pessoas se amam, tornam-se luz na escuridão, lâmpada para os passos de muitos. Em qualquer lugar onde se quer o bem, é espalhado o sal que dá o bom sabor à vida. Ilumina os outros e serás iluminado, cura os outros e serás curado. Não te curves sobre a tua história e sobre as tuas derrotas, mas ocupa-te da terra, da cidade do outro. Quem olha só para si nunca se ilumina

Ermes Ronchi in “Lachiesa.it”

Segunda-feira

Falar de alegria

Gosto daquela história em que há alguém que pergunta: “Como explicarias a uma criança o que é a felicidade?”. E a resposta é: “Não explicaria. Lançar-lhe-ia uma bola para que possa jogar.”

Aquilo que nos torna felizes deve ser uma experiência infinitamente mais humilde do que a norma fantasiosa requerida pela ideologia da felicidade. Em vez de uma felicidade abstrata, deveríamos falar mais, por exemplo, da alegria.

A alegria mergulha as raízes no dia a dia; mesmo quando nos surpreende imprevistamente, ela emerge de um itinerário existencial que podemos reconstruir; sabemos o que é e como se chega até ela.

Deveríamos falar mais de ligeireza, a qualidade daqueles que permitem à vida manter um impulso, uma espécie de transparência e gratidão, ligadas não àquilo que a vida foi ou que poderia ter sido, mas ao indizível milagre que ela, a cada instante é.

Deveríamos falar de simplicidade, essa capacidade de partir continuamente do essencial, fazendo dele uma opção, uma prática e um estilo.

E falar daquelas pequenas esperanças, de quanto recebemos e damos, estabelecendo dessa forma o movimento circular da vida, que depois se torna o guia e o espelho das nossas aspirações maiores.

Falar, em resumo, de coisas concretas, ao alcance da mão, coisas talvez banais que que vêm, com imediatez, jogar aos nossos pés. Tornar-nos-emos mais infelizes se elevamos a felicidade ao ponto de a idealizar.

José Tolentino Mendonça in “Avvenire”

Terça-feira

Arriscar

Toda a vida tem os seus riscos. Aqueles que nada arriscam, arriscam muito mais, ensina o Talmude. Enquanto mantivermos a cabeça baixa, a boca fechada e a reputação pública imaculada, graças ao silêncio que mantemos frente às grandes questões públicas dos nossos dias, os pilares da sociedade vão-se erodindo à nossa frente. A Constituição debate-se com as ambições políticas das próprias pessoas que a deveriam defender. Os pobres ficam ainda mais pobres. A classe média vê a sua reforma reduzir-se a pó. É a nós, neste lugar, que a Escritura chama com maior clareza: «Deus é minha salvação; confiarei e não temerei.» Não devemos temer a escuridão; devemos apenas decidir-nos a trazer a luz para onde quer que nos encontremos.

A chamada a discernir a diferença entre aquilo que é santo e aquilo que é simplesmente popular, entre aquilo que é e aquilo que deveria ser, faz parte da essência da vida boa. A obra de Deus está nas nossas mãos. Ignorá-lo é ignorar a própria plenitude da vida. Cada profeta contemplou o preço do risco e seguiu em frente sem se ater a ele – chamando o mundo a tornar-se a sua melhor versão –, e o mesmo devemos fazer nós.

«Só aqueles que arriscarem ir longe demais talvez possam descobrir até onde se pode ir» (T.S.Eliot).

Joan Chittister in “O tempo é agora – o chamamento para uma coragem invulgar”

Quarta-feira

A flor e a estrela

«As coisas estão unidas por laços indivisíveis: não se pode colher uma flor sem perturbar uma estrela.» Albert Einstein (1879-1955) não foi apenas um físico no sentido comum do termo. Muitas das suas obras entrelaçam, com efeito, ciência, filosofia e até teologia. Einstein era muitas vezes atraído pelo aspeto teórico dos fenómenos e até por uma certa dimensão mística do real; por exemplo, são sugestivos os ensaios recolhidos em “Ideias e opiniões” (1954), que revelam curiosidades secretas de índole filosófica.

De um dos ensaios do célebre cientista extraímos uma espécie de moto, que aliás se tornou famoso e frequentemente citado. Tem-se a consciência de uma subtil e oculta harmonia cósmica que torna todo o ser compacto, semelhante a uma tapeçaria. Se se arranca um fio, é como se levemente, mas de maneira irremediável, se arruinasse todo o conjunto, a trama global, o tecido do todo. Esta convicção das perspetivas infinitas pode tornar-se uma parábola também para esse microcosmo que é a humanidade.

No Credo celebra-se a «comunhão dos santos»: precisamente porque somos um corpo único, o de Cristo, o bem de um só membro extravasa e torna feliz todo o organismo, tal como o mal se transforma em fonte de sofrimento comum. A esta luz é errado pensar que o indivíduo é como uma mónada, uma unidade fechada em si mesma.

É verdade que temos uma identidade própria e, portanto, uma responsabilidade pessoal, mas somos células de um corpo mais amplo, de quem recebemos e a quem damos.

Cardeal Gianfranco Ravasi  in “Avvenire”

Quinta-feira

És o que fazes

Qualquer pessoa consegue começar qualquer projeto, por mais difícil que seja. Mas não é por colocar a primeira pedra e assumir um conjunto de intenções firmes que alguém deve ser considerado o obreiro daquilo que, afinal, não está feito!

Chegar ao fim é o mais difícil. Ultrapassar todas as dificuldades, as esperadas e as inesperadas, as simples e as que começam por parecer impossíveis de vencer. Concluir um plano é que faz de alguém digno de ser o seu autor.

Sonhar, todos sonham. Mas quantos de nós somos capazes de nos levantar dias e dias para ir lutar contra pedras? Sair do conforto para arriscar fracassos? Afinal, o mundo não se faz com palavras, sonhos e desejos.

A nossa identidade resulta das nossas escolhas. Sou o que faço e o que não faço, o que tento mesmo sem conseguir o resultado que queria e o que achei que não valia a pena.

É possível fazer o mal ficando quieto? Claro que sim. Se tens capacidades, tens deveres. O que julgar de alguém que tem na sua posse algo de muito bom e o ignora, agindo como se o não tivesse?

Mas será que tenho o que é preciso para levar até ao fim um projeto? Bem, só o saberás se te puseres a caminho, porque há forças e talentos que só surgem depois de esgotares grande parte das que tens ao início.

José Luís Nunes Martins in www.agencia.ecclesia.pt

Sexta-feira

O mundo muda, Deus permanece

Diz-se que a única coisa permanente é a mudança. O movimento do tempo revela um fluxo constante, com períodos de estabilidade que formam a próxima onda de mudança. Uma imagem da história é um pêndulo que se move para uma direção até que o seu próprio contrapeso o puxa de volta na direção oposta.

Jesus sabia que a sua mensagem de justiça e amor seria disruptiva para pessoas cujo privilégio era mantido às custas de outras pessoas. A sua visão de uma sociedade mais igualitária ameaçava aqueles que usavam a força para controlar a sociedade e extraíam riqueza da terra mediante o trabalho de outras pessoas, incluindo escravos e estrangeiros residentes. Sob a mensagem de amor e relacionamento justo de Jesus, havia uma revolução implícita do coração, que exigia a transformação social. O contexto histórico ampliou a urgência dos ensinamentos de Jesus.

Embora a maioria de nós viva relativamente tranquilo, podemos perguntar-nos que histórias serão, no futuro, narradas por milhões de refugiados e imigrantes que lutam hoje para reconstruir as suas vidas após fugir de guerras, desastres climáticos e pobreza. E quem pode dizer, com segurança, que a instabilidade e a incerteza profundas não nos aguardam a todos, num mundo que enfrenta novas ondas de mudança causadas pela expansão da consciência social, pelos fracassos institucionais e pelas mudanças ecológicas?

As palavras de Jesus devem perturbar-nos. A questão subjacente é: se tudo falhar, no que é que podemos confiar? Jesus oferece-se a si mesmo a nós como uma bússola, ao tornar central o nosso relacionamento com Ele. Se pegarmos na nossa cruz e o seguirmos, não nos perderemos no caminho. Mesmo se perdermos a nossa vida por causa dele, haveremos de a encontrar. Jesus é a continuidade na mudança, a estabilidade na transição. Dentro destas promessas há todo um mundo de garantia de que, se confiarmos, encontraremos a vida. Se fizermos do amor a nossa regra, faremos parte de uma abençoada rede de cuidado e doação que atenderá as nossas necessidades como parte da grande peregrinação da história. Confiar que isto é real e verdadeiro é a essência da fé.

Pat Marrin in “National Catholic Reporter”

Sábado

Tempo

O meu tempo sou eu.
Eu que vivi e que vivo
e que desejo viver ainda mais,
eu com tudo aquilo que compreendo e não compreendo,
com tudo aquilo que sei fazer e que não sei fazer,
com as minhas qualidades boas e menos boas.
O meu tempo sou eu
com o meu grande desejo:
amar Deus com todo o coração, a alma e as forças
e o meu próximo como a mim mesmo.
Mas o meu tempo sou também eu
com o abismo de sombras que transporto em mim.
Eis-me, Deus, tal como Tu me conheces bem,
estou nas tuas mãos.
Essas mãos que Tu estendeste, dizendo
«vinde a mim, vós todos afadigados e oprimidos»,
essas mãos que curaram os doentes,
que abençoaram as crianças,
que partiram o pão para cinquenta mil,
que abraçaram a pecadora e o publicano.
Estas são as tuas mãos nas quais está o meu tempo.

Luigi Verdi  in “La realtà sa di pane”