XVI Semana do Tempo Comum

Domingo

Procurar a chave do coração que também abre a porta do reino

«Que procurais?» As primeiras palavras de Jesus que o Evangelho segundo João regista são sob a forma de pergunta. Também na aurora da Páscoa, no jardim perto de Jerusalém, Jesus dirigir-se-á a Maria de Magdala com as mesmas palavras: «Mulher, que procurais?». As primeiras palavras do Jesus histórico e as primeiras do Cristo ressuscitado, duas perguntas iguais, revelam que o Mestre da existência não se quer impor, não lhe interessa impressionar ou deslumbrar ou doutrinar, mas a sua paixão é fazer-se próximo, pôr-se ao lado, abrandar o passo para fazer-se companheiro de caminho de cada coração que procura.

Que procurais? Com esta pergunta Jesus não se dirige à inteligência, à cultura ou às competências dos dois discípulos que deixam João Batista, não interroga a teologia de Madalena, mas a sua humanidade. Trata-se de uma interrogação a que todos são capazes de responder, cultos e ignorantes, laicos e religiosos, justos e pecadores. Porque Ele, o mestre do coração, faz as perguntas verdadeiras, aquelas que fazem viver: dirige-se antes de tudo ao desejo profundo, ao tecido secreto do ser.

Que procurais? Significa: qual é o vosso desejo mais forte? O que é que mais desejais acima de tudo da vida? Jesus, que é o verdadeiro mestre, ensina-nos a não nos contentarmos, ensina fome de céu, salva a grandeza do desejo, salva-o da vulgaridade, da banalização.

Com esta simples pergunta – que procurais? – Jesus dá-nos a entender que a nossa identidade mais humana é ser criatura de procura e de desejo. Porque a todos falta alguma coisa: com efeito, a procura nasce de uma ausência, de um vazio que pede para ser preenchido. O que é que me falta? De que coisa me sinto pobre?

Jesus pede, acima de tudo, que voltes a entrar no teu coração, que o compreendas, que conheças aquilo que mais desejas, aquilo que te faz feliz, o que acontece no teu íntimo. Pede-te que escutes o coração. São João Crisóstomo diz-nos: «Encontra a chave do coração. Esta chave, verás, abre também a porta do Reino» Que procurais? Para quem caminhais? Eu sei: caminho para aquele que faz feliz o coração.

Ermes Ronchi in “Avvenire”

Segunda-feira

O quotidiano

Pergunto-me a cada dia como fazer para reencontrar uma nova qualidade de vida, onde reinventar um espaço humano de liberdade e criatividade, e um novo sabor do quotidiano, onde redescobrir a utilidade das coisas inúteis e fazer florir a hospitalidade, a amizade, a solidariedade e o silêncio.

Transformámos o cristianismo de vida em rito, enquanto Jesus tinha a trepidação, a sensibilidade, a emotividade, a tensão de esperar qualquer coisa de novo a cada dia. O quotidiano é feito de previsível e de salto na surpresa. A maior das graças é conseguir ver as coisas do quotidiano da parte de Deus, e sentir que cada dia é preparado para nós, sem ter nada de demasiado nem nada de insuficiência, nada de indiferente ou de inútil.

Devemos parar de tratar o nosso dia como uma folha de agenda, sem atenção, sem ver naquilo que acontece uma ocasião. Devemos aprender dos camponeses, para os quais cada coisa, cada peregrino, cada estação é uma ocasião.

Muitas vezes vivemos bem as pequenas esperanças sem as colocar numa esperança verdadeira, não sabemos colocar as pequenas alegrias numa alegria maior. O engano é exaltar o momento, sem o colocar num momento maior.

Os poucos anos da nossa vida são suficientes a fim de que Deus possa manifestar-se inteiramente, assim como um dia é suficiente para manifestar o todo. Como a alma não precisa nem de bens nem de tempo, mas de pobreza e de eternidade, assim também os nossos dias, feitos de trabalho, de alimento, de oração e de encontros com os outros, devem deixar de ser meios para a paz, mas tornarem-se a paz.

Luigi Verdi  in “La realtà sa di pane”

Terça-feira

Inversão de marcha

Há mais de dois mil anos foi-nos oferecida a oportunidade de um recomeço, a possibilidade de um outro olhar sobre nós próprios, de uma inversão de marcha para escolher outro caminho. Foi posta à nossa disposição a possibilidade de crescer.

O que é crescer? É compreender que temos de nos formar transformando-nos, aprender os nossos limites, conhecer a renúncia. É deixar para trás o individualismo, o culto da subjetividade que achamos perfeita pelo simples facto de ser nossa.

Algumas filosofias do indivíduo convidam-no à máxima exaltação de si próprio e o supremo valor é o que encontra em si, não o que o transcende. Aderindo sem reservas às suas emoções e vontades, sem impor limites, o homem sente que já não precisa de se construir: basta-lhe fundir-se consigo próprio e afirmar-se como modelo absoluto. É fácil aderir a essa soberania do capricho; podemos ser seduzidos tão subtilmente que nem nos damos conta de que fazer do princípio do prazer uma norma, nos vai debilitando até à degradação.

Importante é não esquecer que as patologias da modernidade não são fatalidades; temos a liberdade de escolher modos de ser mais autênticos. E para isso, como para quase tudo, nunca é tarde.

Henrique Manuel S. Pereira in “Os paraísos são interiores”

Quarta-feira

Deus torna o irreversível reversível

A experiência mais extraordinária da fé é nós percebermos que não há uma fatalidade, nós não estamos condenados à fatalidade, e que a nossa vida não é irreversível. Deus torna o irreversível, reversível. Deus consegue recuperar a nossa vida, a nossa história, Deus consegue levantar-nos do pó, Deus consegue dar-nos uma outra oportunidade, Deus consegue fazer-nos renascer. Esta experiência de misericórdia, esta experiência de reversibilidade é a experiência fundamental da fé. Porque Deus não apenas nos criou uma vez, mulheres e homens, Deus cria-nos continuamente. Neste momento, neste instante, Deus está a criar-nos, está a recriar-nos, está a dar-nos uma nova oportunidade, está a amassar-nos de novo, está a fazer-nos sair dos nossos lutos, das nossas perdas, dos nossos pecados, da nossa noite. Deus está a fazer-nos sair, está a levantar-nos e é essa a ação de Deus em nós.

Por isso, nós descobrimos Deus cumprindo os mandamentos, nós descobrimos Deus procurando ser boas pessoas, nós descobrimos Deus procurando ser bons cristãos. Cumprindo os nossos deveres, fazendo o melhor que está ao nosso alcance, transcendendo-nos a nós mesmos. Mas, nós conhecemos Deus sendo a ovelha perdida, sendo a moeda perdida, sendo o filho pródigo, sendo a mulher inominada e pecadora. A nossa fragilidade também nos oferece um conhecimento de Deus porque Deus é misericórdia, porque Deus é amor, porque Deus é aquele que diz ao nosso coração “Tu não morrerás, tu não morrerás.” Quando tudo nos condena Jesus diz: “ Tu não morrerás.” E levanta-nos. Quando a Lei nos condena, quando a lei interior nos condena, quando a lei do mundo nos condena, Deus ainda dá ao homem a possibilidade de renascer, a possibilidade de ser. Desta máquina de misericórdia que é o coração de Deus é que nós temos de receber alimento, é aí que nós temos de colocar o nosso coração.

Por isso, confiança, confiança, confiança. Temos de confiar, temos de acreditar. Temos de acreditar que é possível e temos de nascer de novo, a cada momento da nossa vida. Porque Deus é misericórdia, porque Jesus, como diz S. Paulo na Carta aos Gálatas, é “ O novo princípio vital: já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.” Porque nós somos justificados, somos transformados, somos creditados não numa lei mas num encontro de misericórdia e de amor que Jesus representa, e está sempre pronto a representar, na história de cada um de nós.

José Tolentino Mendonça in “Homilia do XII Domingo do Tempo Comum (12.06.2016)”

Quinta-feira

Verdade desarmada e amor desinteressado

«Estou firmemente convencido de que a verdade desarmada e o amor desinteressado terão a última palavra. É mais do que nunca necessário tornar a escutar agora (e sempre) a voz dos pacificadores, já “beatificados” por Jesus no Discurso da Montanha.» Estas frases são parte do discurso pronunciado a 11 de dezembro de 1964 por Martin Luther King no momento de receber o prémio Nobel da paz.

É uma palavra de esperança e de otimismo que deve expandir-se – com esforço e dificuldade – no meio da cizânia da guerra, da prevaricação, da opressão, da injustiça, uma densa e luxuriante vegetação maligna que cobre o mundo e que tem as raízes nos corações dos seres humanos.

A tentação do desencorajamento é forte mas não é cristã, como também não o é do crente no sentido mais universal do termo. Porque as religiões, no seu espírito mais íntimo, são fontes de vida e de paz; só a maneira com que os seus seguidores as incarnam é que as tornam ofensivas, agressivas, exclusivistas.

Para ter confiança no secreto poder do «verdade desarmada» e do «amor desinteressado» é preciso ser autenticamente religioso e, portanto, corajoso e otimista, certo de que Deus nunca está alinhado com as armas e a força bruta.

Gandhi, que desta certeza foi uma testemunha inabalável, declarava que «para praticar a não violência é preciso ser intrépido e ter uma coragem a toda a prova». Mas a meta, sempre luminosa e feliz, é a das Bem-aventuranças: «Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus».

Cardeal Gianfranco Ravasi  in “Avvenire”

Sexta-feira

Ele está vivo e quer-nos vivos

A nossa fé é fé no Deus dos vivos. Cristo está vivo e atua no meio de nós, guiando-nos a todos para a plenitude da vida. Ele está vivo e quer-nos vivos. Cristo é a nossa esperança. Pedimo-lo todos os dias: venha a nós o vosso Reino, Senhor. E, ao fazê-lo, queremos também que a nossa vida e as nossas ações se tornem um louvor. Se a nossa missão como discípulos missionários é ser testemunhas e arautos do que virá, ela não nos permite resignar-nos perante o mal e com os males, mas impele-nos a ser fermento do seu Reino onde quer que estejamos: em família, no trabalho, na sociedade; impele-nos a ser uma pequena abertura pela qual o Espírito continua a soprar esperança entre os povos.

O Reino dos Céus é a nossa meta comum; uma meta que não pode ser só para amanhã, mas imploramo-la e começamos a vivê-la hoje junto da indiferença que rodeia e silencia tantas vezes os nossos doentes, os idosos e abandonados, os refugiados e trabalhadores estrangeiros: todos eles são sacramento vivo de Cristo, nosso Rei; porque, «se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar».

Naquele dia, no Calvário, muitas vozes emudeciam, tantas outras zombavam; só a voz do ladrão soube erguer-se e defender o Inocente sofredor: uma corajosa profissão de fé. Cabe a cada um de nós a decisão de emudecer, zombar ou profetizar. 

Papa Francisco  in “Homilia da Solenidade do Cristo Rei (24.11.2019)”

Sábado

Amanhã colherás o que hoje semeaste

O Evangelho é, antes de tudo, uma revolução no coração. Jesus descreveu o seu efeito não como repentino ou dramático, mas à imagem dos processos ocultos de fermento, sal e luz, como semear sementes cujas colheitas talvez não possamos ver. Os profetas eram raramente reconhecidos no seu próprio tempo, mas a sua coragem e fidelidade construíram um futuro para as gerações posteriores. A mudança real é o resultado da virtude comum ao longo do tempo, investimentos constantes que produzem retornos alimentados com paciência e disciplina.

Um dos sinais seguros de que estamos a viver no Espírito de Jesus é constatar que as nossas palavras e ações levam cura e maior liberdade para os outros. As sementes que semeamos multiplicam a bondade e, quando outros semeiam generosamente, estamos ansiosos por os ajudar a colher os resultados. A mudança significativa ocorre no trabalho das comunidades, onde os egos desaparecem e o bem comum floresce, onde o serviço é sinal de liderança. Um dia, a História revelará como é que o nosso tempo será apreciado pelas gerações futuras, mas se formos fiéis agora, elas honrar-nos-ão, imitando-nos.

Pat Marrin in “National Catholic Reporter”