XVIII Semana do Tempo Comum

Domingo

Recomeçar

Recomeçar, recomeçar em cada fracasso, em cada adeus, em cada morte.

Recomeçar com toda a força da vontade e dos músculos.

Recomeçar com uma prece nos lábios.

Recomeçar!

Viver solto de amarras, de hábitos, de utopias.

Recomeçar livre!

Recomeçar abraçando a noite, abraçando a dor e as nuvens.

Recomeçar com fé, com certeza.

Recomeçar, por respeito connosco próprios.

Subir ao terraço da alma e recomeçar olhando o infinito como promessa.

A experiência diz-nos que, às vezes, é preciso beber a noite para tocar a aurora.

Noites longas, tantas! Mas, recomeçar! E arrancar manhãs à noite.

De múltiplas mortes as flores constroem a existência e abrem-se a quem as visita.

Esperar como quem recomeça já!

Se preciso for, de joelhos, no íntimo; mas sempre de pé, na praça pública.

Esperar!

Purificarmo-nos na espera.

Merecermos a conquista da alegria e da paz, na espera.

Sem fugas nem alienações.

Esperar como se recomeçássemos já!

Recomeçar cingidos de coragem e de sonho!

Henrique Manuel S. Pereira in “Os paraísos são interiores”

Segunda-feira

Ser si mesmo como outro

«Nunca está só quem é pessoa. O ser humano torna-se pessoa numa correspondência de reciprocidade e de relação. É ser si mesmo como outro que torna o ser humano uma pessoa.»

Por mais de meio século, o filósofo francês Paul Ricoeur foi um ponto de referência nobre do pensamento contemporâneo. Entregamo-nos a estas suas palavras para comentar uma locução, o si mesmo como outro, que indica a relação que intercorre entre duas pessoas. É famoso o apelo de Cristo: «Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei» (João 15,12). A mulher do Cântico dos Cânticos exprime de maneira fulgurante este ligame: «O meu amado é meu, e eu sou sua. Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu» (2,16; 6.3).

Não se é ainda plenamente pessoa humana se não se sai de si mesmo para encontrar o outro. A mónada fechada em si mesma, ou a porta blindada que te isola dos outros na suspeição e no medo, são imagens que representam uma situação bastante comum.

É verdade que há riscos de cada vez que se abre a porta do coração ou se estende o braço a um outro, mas desgraçado de quem decide optar pelo isolamento e pelo individualismo espiritual.

Já Qohélet, sábio bíblico deveras cético no que diz respeito ao próximo, reconhecia que «é melhor dois do que um só: tirarão melhor proveito do seu esforço. Se caírem, um ergue o seu companheiro. Mas ai do solitário que cai: não tem outro para o levantar»

O egoísmo, a solidão forçada, o fechamento como um ouriço, no fim, tornam o ser humano já não uma pessoa, mas um prisioneiro de si mesmo, um infeliz autorrecluso, um segregado sem amor.

Cardeal Gianfranco Ravasi  in “Avvenire”

Terça-feira

O convite que Deus nos faz

A fé, a esperança e a caridade caminham juntas. A esperança manifesta-se praticamente nas virtudes da paciência, que não esmorece na prática do bem, mesmo em face de um aparente insucesso, e da humildade, que aceita o mistério de Deus e confia nele, mesmo na escuridão. A fé mostra-nos o Deus que entregou o seu Filho por nós e, assim, gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo verdade: Deus é amor! Deste modo, transforma a nossa impaciência e as nossas dúvidas em esperança certa de que Deus tem o mundo nas suas mãos e que, apesar de todas as trevas, Ele vence.

O amor de Deus é a luz que ilumina, incessantemente, um mundo às escuras e nos dá coragem de viver e de agir. O amor é possível e nós somos capazes de o praticar, porque somos criados à imagem de Deus. Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo. Este é o convite que Deus nos faz.

Papa Bento XVI in “Deus é amor”

Quarta-feira

A coragem de ser criador da paz

Incansavelmente, Cristo Ressuscitado que, sozinho, venceu o ódio, a violência e a morte, diz-nos: «A paz esteja convosco». É ele a nossa consolação. É ele que nos comunica a coragem de sermos criadores de paz. «Felizes os pacificados, porque serão chamados filhos de Deus», diz também Jesus.

Escutar Cristo conduz-nos à escuta dos outros. Para sermos criadores de paz, tomemos o tempo de compreender o ponto de vista dos outros. Assim, os nossos olhos abrir-se-ão para ver sinais de esperança, mesmo em situações difíceis. E somos impelidos a colocarmo-nos próximos dos que atravessam provações.
Fazer a paz começa nas nossas relações de todos os dias com os que nos estão próximo. Somente podemos almejar ser artesãos da paz na sociedade e nos graves conflitos de hoje em dia se o somos, à partida, nas relações com os que nos rodeiam.

As situações de ódio e violência que vemos no mundo são um apelo a aprofundar a nossa confiança em Cristo. É nesta profundidade que devemos colocar a coragem de nos tornarmos mulheres e homens de paz. Sem esta confiança sempre renovada em Cristo, não será possível interromper a espiral de violência que se alimenta de argumentos realmente ou aparentemente justos. É esta confiança em Cristo que nos permite acreditar que a paz é possível.

Irmão Alois de Taizé  in “Meditações semanais em Taizé” (www.taize.fr)

Quinta-feira

Sal e Luz

É interessante notarmos a força plástica das imagens que Jesus por vezes utiliza: Ele recorre à imagem do sal e à imagem da luz. São imagens muito curiosas porque, tanto o sal como a luz, atuam numa espécie de fusão com a realidade. O sal tem de desfazer-se, deixa de ser sal para tornar aquilo em que ele se desfaz salgado. A luz também é assim, nós não vemos exatamente o ponto da luz, mas vemos a iluminação que ela provoca. Há assim nestas imagens uma espécie de desafio a nos aproximarmos da realidade, corpo a corpo, pele a pele de maneira que já não possamos olhar como se fosse uma realidade outra, como se fossemos espectadores. Mas estando dentro, sujando as mãos, sentindo que somos uma coisa só. Com o quê? Com o mundo, com a realidade, com a história.

A nossa fé não nos deixa como espectadores da vida, olhando para aquilo que acontece como se o mundo fosse uma realidade estranha à vivência da nossa fé e distante daquilo que Deus pede e espera de cada um de nós. Não, Deus desafia-nos a abraçar o mundo, a abraçar a vida, a abraçar as circunstâncias da história e a sentir que este lugar de contradição, este lugar de desafio, este lugar de luta é também o lugar onde o sal pode ser aquilo que é, pode salgar, e a luz pode ser aquilo que é, pode iluminar. Um cristão precisa de mundo, um cristão precisa de vida, uma fé precisa de concretude. A nossa fé não pode ficar uma realidade abstrata ou uma zona de conforto tão íntima, tão nossa, tão pessoal, tão privada que deixe de exercer um poder transformador.

A nossa fé é chamada a exercer um poder transformador: o poder do amor em relação à realidade. Não podemos ficar como aquelas pessoas tão preocupadas por não sujar as mãos na realidade que acabam por ficar sem mãos, sem saber para que é que servem umas mãos. Eu não sei se como cristãos nós sabemos para que é que servem as nossas mãos, os nossos olhos, os nossos ouvidos, a nossa boca, o nosso coração. Para que é que esta máquina humana serve em termos evangélicos, em termos daquilo que o Senhor espera de nós? O Cristianismo tem desde sempre o desafio de ir ao encontro do pobre. O nosso Cristianismo fica incompleto se não tem uma dimensão social, se não emprestamos à nossa fé uma concretude, um desafio também que se realiza no encontro com os mais pobres, no encontro com o irmão que sofre, no encontro com o irmão que é carente, na pessoa do irmão que passa pelas dificuldades de uma vida. Por isso,  nós temos com sinceridade, com humildade, mas ao mesmo tempo com confiança, também de nos perguntar: o que é que eu tenho feito do meu sal? O que é que eu tenho feito da minha luz?

José Tolentino Mendonça in “Homilia no V Domingo do Tempo Comum (05.02.2017)”

Sexta-feira

O semeador de parábolas

Jesus foi um semeador de parábolas, cada qual com uma pequena semente destinada a germinar na imaginação do ouvinte, ao oferecer lições para toda a vida sobre a relação e interação de Deus com a Criação e connosco, enquanto filhos da Criação.

Para nós, hoje, a grande bênção das parábolas não é apenas meditar em cada uma e buscar significado pessoal, mas imitar Jesus ao encontrar parábolas nas nossas próprias vidas. Já o podemos fazer, pois de cada vez que descrevemos a nossa experiência com uma metáfora, recorrendo a “como”, ou comparando-a a determinado processo natural, estamos a revelar significado através da narrativa. Um “nascer do sol após uma noite longa e difícil”, uma “chuva após um longo período de seca”, ajudam-nos a descrever e a explicar as nossas vidas, e, ao fazê-lo, estamos a mergulhar em ideias mais profundas sobre os momentos ensinadores ​​da vida e as verdades transcendentes.

Por isso, se perguntarmos sobre que tipo de terra somos para as sementes da fé, ou apenas a tentar plantar um jardim enquanto lidamos com pássaros e esquilos famintos, muita ou pouca sombra, solo pedregoso ou ervas daninhas, estamos no modo de parábola. Se experimentamos dores de parto ou esperamos em “ponta dos pés” para que algo de maravilhoso aconteça, estamos a usar a imaginação para entender o anseio da Criação e do coração humano para que as promessas de Deus se tornem realidade. Pensar e sentir em parábolas é uma maneira de rezar, de transmitir questões espirituais em imagens, a partir das nossas próprias memórias. Encontramos Deus através das nossas experiências humanas de desejo, ansiedade, esperança e frustração. A maneira como sabemos que as histórias inspiradas por esta forma de encontro são de Deus é que as parábolas divinas acabam sempre em Boas Novas. A adversidade conduz à esperança, a perda inspira determinação. Deus inspira-nos para continuar a bater à porta, pedindo e buscando até encontrarmos o nosso caminho.

Pat Marrin in “National Catholic Reporter”

Sábado

A aventura da fé

Precisamos rever o nosso modo de entender e viver a fé cristã, muitas vezes, passiva e estática, infantil e imatura. A fé não é “algo” que uns têm e outros não. A fé é uma vida que se desperta, cresce, se expande… Segundo S. Paulo, se cremos em Jesus Cristo “o nosso interior vai se renovando de dia em dia” (2Cor. 4,16).  A fé viva e operante amadurece no coração de quem vive como discípulo(a) e seguidor(a) de Jesus. A fé não é um ato, nem uma série de atos, mas uma atitude pessoal fundamental e total que imprime uma direção definitiva à existência. Confiar naquilo que realmente somos dá-nos uma liberdade de movimento para desatar todas as nossas possibilidades humanas. Sabemos que Jesus desencadeou um movimento profético em favor da vida, mobilizando seguidores(as) a quem confiou a missão de anunciar e promover o projeto do Reino de Deus. Por isso, o mais importante para reavivar a fé cristã é ativar a decisão de viver como seguidores(as) seus(suas). 

Nesta perspetiva, o critério primeiro e a chave decisiva para entender e viver a fé cristã é seguir Jesus Cristo. Quem o segue vai descobrindo o mistério que se revela n’Ele, situa-se na perspetiva correta para entender a sua mensagem e vai aprendendo a trabalhar a serviço do Reino de Deus. Este seguimento constitui o núcleo, o eixo e a força que permite a uma comunidade cristã expandir sua fé em Jesus Cristo. Por isso, mais que ter fé em Jesus, o decisivo é “viver a fé de Jesus”; seguir Jesus é a opção primeira que há de fazer um cristão. Esta decisão muda tudo. É começar a viver, de maneira nova e criativa, a adesão a Jesus e a pertença à sua comunidade. Encontrar, por fim, o caminho, a verdade, o sentido, a razão do viver quotidiano. Concretamente, viver a fé de Jesus é crer no que Ele acreditou, dar importância ao que Ele dava, interessarmo-nos por aquilo que Ele se interessou, defender a causa que Ele defendeu, olhar as pessoas como Ele as olhava, aproximarmo-nos daqueles que sofrem como Ele se aproximava, sofrer por aquilo que Ele sofria, confiar no Pai como Ele confiava, enfrentarmos a vida e a morte com a esperança com a qual Ele enfrentou.  

No seguimento, vamos procurando uma maneira criativa de viver hoje o que Jesus viveu no seu tempo. Jesus, narrado nos evangelhos, ensina-nos a viver a fé, não por obrigação, mas por atração. Faz-nos viver a vida cristã, não como um dever, mas como discípulos(as) e seguidores(as), seduzidos(as) por Ele. No encontro com seu Evangelho, aprendemos o seu estilo de viver e descobrimos formas mais humanas e evangélicas de pensar, viver, celebrar.

Adroaldo Palaoro, sj  in “centroloyola.org”