Domingo
Ele está à nossa porta
Jesus convida-nos a reconhecer o que nos falta, a procurar a sua riqueza em Deus, a fazer escolhas, a comprometer-se. Numa palavra: a viver. É este apelo à vida que nos dirige Cristo quando bate à nossa porta. É como se dissesse a cada um e a cada uma: não tens tudo na tua existência, há uma dimensão de profundidade que podes ainda descobrir. Faz, então, prova de zelo, podes viver de outro modo!
Com Cristo, é a vida, a vida verdadeira, que bate à nossa porta para que aí reconheçamos Deus. Não em manifestações incomuns ou em acontecimentos extraordinários, mas no humilde quotidiano das nossas existências. O profeta Elias já tinha feito a experiência: Deus raramente derruba as nossas portas com um sismo, fogo ou tempestades. Mais frequentemente, aproxima-se de nós discretamente e convida-nos a discernir a sua presença (cf. 1 Reis 19).
Tudo na nossa vida nos pode aproximar dele. Os acontecimentos felizes e os infelizes são ocasiões para nos virarmos para Deus para lhe expressar o nosso louvor ou a nossa queixa. Poderíamos ver no relevo de uma paisagem ou no voo de uma ave o traço da mão do Criador. Poderíamos discernir no rosto da pessoa à nossa frente os traços de Cristo. Poderíamos descobrir numa intuição inesperada o sopro do Espírito. Tudo pode tornar-se local da presença de Deus.
Porém, mesmo quando estamos atentos, isso não se faz automaticamente. É possível que Deus bata à nossa porta e nós não o escutemos. É por isso que no início do texto do Apocalipse se repete: «Quem tem ouvidos, ouça…». Não existe nenhum automatismo. Porém, existe esta promessa: «Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo». É Deus que opera aqui, é Cristo que vem a nós: e quando escutamos a sua palavra, estabelece-se uma comunhão. Quando não o escutamos, resta uma atitude. É desta forma que termina o livro do Apocalipse, onde se lê: «‘Vem!’ Diga também o que escuta: Vem!’» (Apocalipse 22,17). Quando nada sentimos da presença de Deus nas nossas vidas, também nós podemos dizer: «Vem!»
Comunidade de Taizé in “Textos bíblicos com comentário” (www.taize.fr)
Segunda-feira
Escava dentro de ti
«Escava dentro de ti. Está aí a fonte do bem, e ela pode sempre continuar a jorrar, se escavares sempre.» Os Padres da Igreja muitas vezes não hesitavam em recorrer à cultura clássica para reler as virtudes cristãs.
Também nós queremos enveredar por este caminho e, para uma reflexão pessoal, confiamo-nos às palavras das memórias do imperador filósofo romano Marco Aurélio (121-180), texto que nos séculos seguintes não foi só uma espécie de compêndio popular do pensamento estóico, como também um breviário de vida contemplativa.
O aforismo que escolhemos propõe um itinerário particularmente querido também a Santo Agostinho, o de regressar a si mesmo, na própria interioridade. Trata-se de um exercício necessário em todos os tempos e latitudes, mas decididamente indispensável nos nossos dias, tantas vezes tão empurrados para a exterioridade, a superficialidade, a banalidade, as aparências.
Escavar no terreno, sobretudo rochoso, é muito árduo; é-o também escavar dentro de nós mesmos, debaixo das incrustações dos hábitos e talvez dos vícios consolidados. O exercício da meditação, do exame de consciência, da reflexão é exigente, e é muito mais espontâneo velejar no vazio, deixando-nos transportar pelo vento das opiniões, das modas, do esquecimento.
Todavia, só escavando em profundidade se consegue descobrir «a fonte do bem», nascente viva de moralidade, de sabedoria, de coerência, de amor e de verdade.
Cardeal Gianfranco Ravasi in “Avvenire”
Terça-feira
Conhecer-se custa
Jesus define-se como “Ben-Adam”, o “Filho do homem”, que significa portador de um destino. Vêm-me à ideia as palavras de Fabrizio De Andrè: «Deus fez-me nascer porque queria dar à luz um sentido».
Jesus é atento aos detalhes, ao nome de cada pessoa, à muita estrada que cada um tem de percorrer antes de chegar a casa. Deus não quis guiar as pessoas para a sua casa conduzindo-as pela mão, mas despertando a sua parte mais íntima e fazendo exprimir aquilo que há muito é conhecido nelas mas ainda não foi reconhecido.
Custa-nos o conhecimento de nós próprios, pelo desequilíbrio que vivemos na oscilação entre o desespero e o orgulho, entre o desejo de liberdade e a necessidade de segurança, entre a solidão e o terror de não estar à altura.
É tempo de voltar a agarrar nas mãos as nossas vidas, e não deixá-las à mercê de forças cegas que nos guiam. O valor que temos devemos reconquistá-lo despindo roupas que não são nossas, e conservar um espaço de solidão que nos permita permanecer connosco próprios e voltar a dar valor à nossa unicidade. Há uma força que quer que tu te detenhas na forma a que chegaste, sem te permitir crescer. Mas há, e haverá sempre, poetas, pessoas que refletem sobre si, que habitam a vida sem se separar do seu espaço de vida. Gente consciente de que viver é já uma bênção, que mesmo na fragilidade é possível tomar decisões para a vida, que o tempo que nos é dado nos serve para aprender a amar.
Luigi Verdi in “Il domani avrà i tuoi occhi”
Quarta-feira
Ser santo
O que é ser santo? Jesus explicou-o nas “bem-aventuranças”, que são como que o bilhete de identidade do cristão. A palavra ‘feliz’ ou ‘bem-aventurado’ torna-se sinónimo de ‘santo’, porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade. As bem-aventuranças implicam outro estilo de vida e são contracorrente.
“Felizes os pobres em espírito”: “as riquezas não te dão segurança alguma”; no coração dos que têm o coração pobre, “Deus pode entrar com a sua incessante novidade”.
“Felizes os mansos”: “a mansidão é outra expressão do desapego interior”.
“Felizes os que choram”: compreendem a angústia alheia e aliviam os outros.
“Felizes os que têm fome e sede de justiça”: a realidade mostra-nos como “é fácil entrar nos gangues da corrupção, fazer parte dessa política diária do ‘dou para que me deem’, onde tudo é negócio”.
“Felizes os misericordiosos”: a misericórdia é dar, servir os outros e também perdoar e compreender; “a medida que usardes com os outros será usada convosco”, disse Jesus.
“Felizes os puros de coração”, porque é do coração que procedem os homicídios, os roubos, os falsos testemunhos, preveniu Jesus.
“Felizes os pacificadores.” “Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça.”
Padre Anselmo Borges in “Diário de Notícias” (28.julho.2018)
Quinta-feira
A oração precisa de consistência
A oração é um estado de vida que se deve cultivar. Leva tempo. Requer atenção. Acima de tudo, requer consistência. É possível orar muitas horas, diariamente – só ou em grupo –, e, no fim, desenvolver muito pouca profundidade de alma. A consistência implica que eu regresse à consciência da presença de Deus, dia após dia, hora após hora, toda a minha vida, quer isso seja um acontecimento agendado quer não. É a consciência de Deus que me atrai.
Todos os relacionamentos precisam de ser alimentados e também o relacionamento com Deus. Muitas coisas levam-nos para longe desse relacionamento. Vivemos no plano do tangível e alimentamo-lo através de coisas e acontecimentos e pessoas. São essas coisas que ocupam as nossas mentes.
Quando estamos sós ou deprimidos ou agitados ou assustados, as coisas materiais ajudam-nos muito pouco ou mesmo nada. O que realmente precisamos, então, é de um ponto de apoio que só as coisas espirituais podem dar. Precisamos de ter a consciência de que, embora a vida não esteja nas nossas mãos neste momento, está, seguramente, nas mãos de um Deus que nos ama. É este ponto de apoio do espírito que nos eleva das pressões do presente para a renovada consciência da constância eterna do Deus que quer o nosso bem e não o nosso mal.
Sem consistência de consciência, arriscamo-nos a darmo-nos ao imediato e ao efémero, ao temporário e ao que não tem significado. Perdemos o nosso equilíbrio. Perdemos o sentido da nossa própria natureza, já para não falar do sentido da natureza de Deus. Perdemos o norte. Então, a luz apaga-se da vida e a escuridão torna-se o estado mental, a cor do futuro, a tonalidade do presente.
Quando desistimos da presença prática de Deus, não é Deus que se retira de nós; fomos nós que nos retirámos de Deus. Pegámos no nosso coração e demo-lo àquilo que, por fim, certamente o quebrará. Pegámos na nossa mente e assentámo-la em areias movediças. Demo-nos, como as folhas que caem de uma árvore no outono, àquilo que não pode durar, que não é duradoiro. A longo prazo, portanto, é a consistência, o permanente voltarmo-nos para Deus, que prepara o caminho para a eterna presença de Deus, no aqui e agora.
Joan Chittister in “O sopro de vida interior”
Sexta-feira
Oração pela nossa terra
Deus omnipotente
que estais presente em todo o Universo
e na mais pequenina das vossas criaturas,
Vós que envolveis com a vossa ternura tudo o que existe,
derramai em nós a força do vosso amor
para cuidarmos da vida e da beleza.
Inundai-nos de paz,
para que vivamos como irmãos e irmãs
sem prejudicar ninguém.
Ajudai-nos a resgatar os abandonados e os esquecidos desta terra
que valem tanto aos vossos olhos.
Curai a nossa vida,
para que protejamos o mundo,
para que semeemos beleza, e não poluição e destruição.
Tocai os corações
daqueles que buscam apenas benefícios
à custa dos pobres e da terra.
Ensinai-nos a descobrir o valor de cada coisa,
a contemplar com encanto,
a reconhecer que estamos profundamente unidos
com todas as criaturas
no nosso caminho para a vossa luz infinita.
Obrigado porque estais connosco todos os dias.
Sustentai-nos, por favor, na nossa luta
pela justiça, o amor e a paz.
Papa Francisco in “Laudato Si – carta encíclica sobre o cuidado da casa comum”
Sábado
Ele vem a cada instante
O filosofo Walter Benjamin dizia: “Cada instante é a pequena porta por onde entra o Messias.“ Então, cada segundo da nossa vida, cada momento é o lugar onde Ele vem, onde Ele Se manifesta, onde Ele chega. Jesus é aquele que vem, é aquele que chega, não é aquele que chegou, é aquele que está a chegar, que está chegando a cada instante da nossa vida. E isso, claro, tem consequências, tem de ter consequências na maneira como nós entendemos e vivemos a vida. E a consequência é uma espécie de revogação do modo habitual de viver. A forma da nossa existência que foi revogada. É uma revogação que acontece, mas uma revogação que diz: encontra na tua existência uma nova compreensão do teu lugar, encontra um novo uso para aquilo que és e vive a tua vida, vive o modo da tua existência, oferecendo-lhe um outro significado.
Os cristãos olham para o tempo como uma oportunidade. Este momento das nossas vidas que estamos a viver é a oportunidade que Deus nos está a dar para vivermos plenamente o seu mistério, a sua relação com Ele, para acolhermos em plenitude, para o nosso coração ser a tal pequena porta por onde Ele entra. Faz-nos olhar para o tempo como um lugar onde o chamamento acontece. Por isso, queridos irmãs e irmãos, a nossa existência é vocacional. Nós somos mulheres e homens chamados, como Jesus passou à beira do lago e disse a Simão e André: “Vem comigo.” E disse a Tiago e a João: “Vem comigo.” Ele passa hoje na nossa vida e diz: “Vem comigo.” E é esse estar com Ele, esse fazer coincidir o nosso coração com o coração Dele que dá um outro sentido ao tempo da nossa vida.
O presente é já o futuro de Deus, é já o lugar teofânico, é já o lugar da irrupção desse grande encontro com o Senhor. Cada momento do nosso presente é já a plenitude de Deus. Por isso, confiança, confiança, confiança. Por isso, vigilância naquilo que vivemos, por isso, compromisso com o Senhor que passa no aqui e no agora trémulo, inacabado, imperfeito, mas no agora Ele passa e dá um significado àquilo que vamos vivendo.
José Tolentino Mendonça in “Homilia no III Domingo do Tempo Comum (21.1.2018)”