A Igreja vive um tempo único e excecional de sinodalidade. Como povo que caminha, vamos todos, todos, todos em busca de um sentido de comunhão, de irmandade, de acolhimento, de construção de um caminho que só pode ser feito em conjunto através do diálogo, da partilha, da reconciliação, da união. De 4 a 29 de outubro, e depois de um caminho de três anos nas dioceses dos cinco continentes, decorrem os trabalhos da XVI Assembleia Geral Ordinária dos Bispos sobre o tema: “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Neste tempo de reflexão, unidos com a estrutura pensante e orante da Igreja, rezemos juntos, com esperança e gratidão, por este caminho sinodal para que possa fazer da Igreja que somos uma comunidade de escuta, um espaço de cuidado, um lugar de Vida com todas as vidas.
Esta necessidade de oração comunitária fez com que o Papa Francisco anunciasse a realização de uma Vigília Ecuménica de Oração que tem lugar hoje, 30 de setembro, em Roma, na Praça de São Pedro. Esta vigília integra-se no evento “Together – Encontro do Povo de Deus”, presidido pelo Papa Francisco, e conta com a presença de líderes das Igrejas Ortodoxa, Protestante e Evangélica. Ao lado do Papa Francisco, estarão representantes ecuménicos, cardeais e jovens de vários países e de diferentes confissões. Como disse o Papa aquando do anúncio deste evento, esta vigília faz parte de um processo sinodal e ecuménico: “O caminho para a unidade dos cristãos e o caminho de conversão sinodal da Igreja estão ligados”. Esta vigília será orientada pela Comunidade de Taizé e evoca o Tempo da Criação, numa celebração de gratidão pelo dom da unidade, pelo caminho sinodal e pelo dom da paz. Com momentos de silêncio, de escuta da Palavra de Deus, de cânticos e de preces, esta vigília é uma oportunidade para juntos vivermos esta tão desejada unidade eclesial e sentirmos que é em comunidade que melhor experimentamos a presença de um Deus que nos ama e se faz presente. A vigília ecuménica de oração vai ser transmitida em direto pelos canais do Vatican Media. Das 16h30 às 18h00, é transmitido o programa que antecede a Vigília e, das 18h00 às 19h00, a oração presidida pelo Papa Francisco.
Nas Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa e encontrei um velho amigo: o filme “A Missão”! Encontrei-o na Cidade da Alegria, entre as ruas que assinalavam todas as Jornadas que ocorreram até agora. Não estava à espera da mistura de sentimentos que me despertou …
“A Missão” é um filme de Roland Joffé, com música de Ennio Morricone, que estreou em Portugal a 19 de dezembro de 1986. É um filme bastante antigo, que me marcou pela beleza da fotografia, da banda sonora, da interpretação de atores que admiro bastante, como Jeremy Irons, Robert de Niro e Liam Neeson, mas principalmente pela mensagem transmitida, que se mantém perfeitamente atual. O filme situa-se em 1750, na América do Sul, na altura em que começam as perseguições e a expulsão dos Jesuítas em Portugal. Robert de Niro interpreta Rodrigo Mendoza, um mercenário, traficante de escravos, que mata o irmão em duelo, por ciúmes. Não podendo ser condenado por lei, porque a morte em duelo era legal, fecha-se ao mundo por pensar que o que fizera estava acima do perdão! Jeremy Irons interpreta um padre Jesuíta, o Irmão Gabriel, responsável pela Missão de San Carlos, situada acima das cataratas e em plena selva na América do Sul, que acolhia os índios Guarani. O irmão Gabriel propõe como penitência a Mendoza carregar a armadura e as armas, isto é, tudo o que representava a sua antiga vida, até à Missão, incluindo a subida das cataratas.
Impressionou-me a viagem, mas principalmente a cena em que um dos jesuítas, vendo a dificuldade com que ele subia as cataratas com semelhante carga, e pensando ser suficiente o que fizera até ali, corta a corda que segurava o embrulho, que cai. Impressionou-me a descida de Mendoza, o amarrar de novo a corda, o voltar a subir, sempre em silêncio, sem uma queixa… Comoveu-me a cena em que os índios, tantas vezes perseguidos por ele para serem vendidos como escravos, ao vê-lo e ao que havia sofrido para chegar ali, cortam eles mesmos a corda. Comoveu-me a aceitação de “ser finalmente suficiente”, o choro, os risos e os abraços que acompanham esse “perdão”, essa absolvição. Algum tempo depois, Mendoza torna-se jesuíta. Por esta altura a Missão sai do controlo de Espanha e passa para o de Portugal. É enviado um representante da Igreja às Missões, para decidir se seriam mantidas ou destruídas. A partir daí o filme centra-se em escolhas…
O filme fala do perdão … Não apenas do perdão que pedimos aos outros, mas principalmente daquele perdão que por vezes temos dificuldade em nos conceder por nos considerarmos pouco merecedores… Fala do encerramento em nós mesmos quando esse perdão não ocorre … Fala da generosidade daqueles a quem magoamos e que ainda assim nos ajudam nesse encontro com o perdão … Fala de recomeços, sempre possíveis e sempre a tempo… Fala de felicidade, quando já não a considerávamos possível… E fala também de escolhas… Fala dos vários caminhos que sempre temos à nossa frente… Fala dos argumentos que encontramos para seguir cada um deles… Muitas vezes argumentos pessoais, umas vezes objetivos outras vezes emocionais, e muitas vezes de escolhas sem argumentos concretos, mas apenas confiando… Fala de encontros e desencontros nessa troca de argumentos… Fala de princípios e da dificuldade em os manter face às circunstâncias… Fala da perseverança, fala da amizade, fala da partilha, fala do respeito… E fala, acima de tudo, do Amor! De como a vida só tem sentido no Amor! De como o amor pode servir de desculpa para atalhos… De com o Amor vivido concretamente é difícil, muitas vezes frustrante, angustiante, de como nos faz sentir impotentes face ao Mal… Fala de caminhar no escuro guiado apenas por esta Luz do Amor!
A vida não é simples. Por vezes sentimo-nos cheios de entusiasmo, de alegria, de vontade de iniciar projetos, somos capazes de levar o mundo nos braços… Outras vezes sentimo-nos frustrados, cansados, em sofrimento, desiludidos, injustiçados, atraiçoados, abandonados… Li uma vez que a nossa vida não tem sentido na solidão. Ganha um sentido crescente na medida em que a entregamos a um projeto, a um outro e ao Outro em definitivo. A vida deve ser tudo isto: uma entrega confiante a um Projeto Maior! Um Projeto para os outros e com os outros! A vida tem sentido no exagero da alegria, da esperança, da beleza, da entrega, da partilha, do compromisso, da confiança…A vida deve incluir o outro e dar-lhe importância! A vida deve ser maior do que eu!
O filme fala disto e de muito mais! Traz em si as nossas dúvidas, as nossas escolhas, as nossas certezas, os nossos desesperos, a nossa esperança e a nossa alegria! Fala do que é essencial! E cada um de nós pode descobri-lo ao longo do filme! O filme é antigo, sim. Mas vale a pena redescobri-lo!
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
“Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu.” (do Evangelho de São Mateus 18, 2-3)
Jesus responde à interpelação dos seus discípulos que estavam muito preocupados acerca de quem, de entre eles, seria considerado o maior, o melhor, o mais importante. Estavam tão cheios de eles próprios e tão inquietos acerca do lugar principal que seria dado a alguém que nem se aperceberam que a pergunta que fazem a Jesus estava cheia de orgulho, desejo de poder e hierarquias. A resposta que Jesus lhes dá é avassaladoramente simples ao dizer-lhes que só entrarão no Reino de Deus se se tornarem como as crianças. Nesta resposta há duas dimensões importantes: a condição de se ser criança e a referência ao Reino de Deus. Ser como as crianças é dar espaço ao que sentimos, ao que vivemos, ao que vem até nós, sem julgamentos nem preconceitos. Esta sugestão que Jesus nos faz nada tem a ver com a infantilidade ou com a imaturidade. Jesus pede-nos que sejamos como as crianças, pois estas estão abertas às suas emoções, sem usarem máscaras, sem se desculparem com medos, sem utilizarem receios. À humanidade de hoje Jesus continua a dizer que todos devemos permanecer como crianças no sentido de que é a simplicidade a chave que nos abre os olhos do entendimento, que desbloqueia preconceitos, que amplia horizontes. Ser crianças na arte do espanto, na arte de se alegrar com o que genuinamente importa.
Então, para sermos grandes temos de ser pequenos. E o que é isto de sermos pequenos? Somos pequenos quando nos deixamos envolver pela beleza, pela simplicidade. Quando nos deixamos fascinar pela vida e não nos deixamos manipular pelos porquês, pelas pedras, pelos obstáculos. Quando olhamos para a vida abraçando as dúvidas, as dores, as interrogações, persistindo e continuando caminho. Quando nos deixamos guiar pela sensibilidade, pela atenção, pela comoção. Quando aos olhos do mundo, muitas vezes, não cumprimos os requisitos de excelência, de sucesso, de carreirismo, mas acedemos àquela sabedoria maior que só pertence ao coração.
Jesus sugere-nos que permaneçamos pequenos para sermos cada vez maiores no espanto, na admiração, na entrega. Para que os nossos olhos continuem carregados de alegria e de simplicidade. Para não ficarmos doentes por carregarmos tantos “ismos” que a idade adulta parece acarretar – o pessimismo, o adultismo, o egoísmo, o individualismo, o materialismo, etc.
Só assumindo esta condição de crianças, poderemos aceder, compreender e viver o Reino de Deus. Este Reino anunciado por Jesus só se torna visível e concretizável quando nos permitimos a nós próprios querer vê-lo. E para ver este Reino temos de usar o coração e a vontade de querer vê-lo. Podemos usar a razão para tratarmos da questão de Deus, mas para termos uma relação pessoal com Ele precisamos de vivê-la e vê-la com o coração. Para conhecermos este Deus que nos ama é imprescindível deixarmo-nos comover, envolver, querer fazer parte. Deixar de lado os preconceitos, as reservas, os medos. Confiar. Ir. Contemplar a vida com o coração. Procurar permanentemente a beleza e a harmonia. Deixar que os nossos olhos sejam sensíveis à beleza que existe. Sermos pessoas maravilhadas, encantadas, rendidas à beleza da simplicidade, confiantes na harmonia, ou seja, sermos como as crianças são.
Nos Evangelhos, Jesus recorre, com frequência, à importância que deve ter preservarmos a essencialidade de sermos crianças. De facto, não há nada que tenha mais valor do que o olhar puro, o olhar de criança, o olhar de espanto. A riqueza a desejar não reside nem numas luxuosas férias nas Maldivas, nem nos carros ultramodernos, nem nas importantíssimas posições de chefia. Nada. Tudo isso passa, tudo é efémero, tudo se constrói e destrói. A riqueza maior, a que nos salva, está no dom de nos envolvermos, na capacidade de nos comovermos, na propensão para sentirmos, na aptidão para estarmos atentos aos outros. Um olhar embrutecido impede-nos de saber contemplar a beleza da vida, de saber ver o que realmente importa, de conseguir escolher o que vale verdadeiramente mais. É muito fácil deixarmos que o nosso olhar se prenda na tristeza, no desânimo, na indiferença. É muito fácil tornarmo-nos as tais pessoas muito sisudas que ainda ontem mergulhavam em risos felizes nas lagoas em Caminha e hoje se deixam dominar por agendas repletas de compromissos muito sérios que lhes roubam tempo para fazer algo tão simples como olhar para as estrelas ou emocionar-se com um poema que é recitado. É muito fácil seguirmos esta corrente dos meros cumpridores de horários, das pessoas muito sérias, cheias de preocupações excessivas, de estatutos a exibir e que acham uma pobreza e um retrocesso existencial o deixarem-se envolver nas emoções e serem simples, como o são as crianças.
É por tudo isto que ser Cristão é uma verdadeira loucura aos olhos de um mundo que nos exige sucessos, conquistas, materialismos. É por isso que ver o Reino de Deus neste nosso mundo é uma tarefa que só se proporciona a quem realmente se dispõe e se propõe a vê-lo, com os olhos do coração, com a simplicidade das crianças, com a alegria que brota de quem encontra um feliz tesouro, a Eternidade do presente. E este Reino reservado aos simples é concretizável também na medida em que eu me deixo envolver naquilo que é a minha própria vida. Eu ligo-me emocionalmente aos outros através das experiências que vivemos em conjunto. Viver esta JMJ fez-me voltar a confirmar esta necessidade de envolvência e, sobretudo, de nos deixarmos envolver. Ou seja, de não sermos indiferentes à Vida e deixarmo-nos ser e estar em irmandade. O jornalista eufórico que gritou de alegria ao ver o Papa passar. Os jovens vindos do outro lado do mundo a cantar e a ser alegria nas múltiplas ruas de uma Lisboa jovem. As famílias que seguiram tudo e todos pela televisão. Os amigos que carregaram a cadeira do jovem Lourenço para que ele conseguisse ver o Papa. Exemplos tão bonitos do que é ser pequeno. É tão simples quando não nos permitimos ser complicados. É um mundo novo que é possível construir com tão pouco e, ao mesmo tempo, com tanto.
Ser como as crianças. Voltar à infância e recuperar o espanto, a admiração, a curiosidade, a busca. Numa entrevista dada à jornalista Anabela Mota Ribeiro, o Cardeal José Tolentino Mendonça chama a atenção para a importância de retomar essa arte do espanto: “A infância é uma máquina de espanto. Já todos passamos por essa máquina, mas é bom que a conservemos.” É imprescindível acolhermos a disponibilidade para aprender, para descobrir, para ver, para ouvir, para deixar-se encantar e olhar mais longe. A abertura é a condição do espanto. Permanecer em espanto toda a vida e deixar-se conduzir pela simplicidade foi a resposta que Jesus deu à interpelação dos seus discípulos. Busquemos nós, em cada dia, este grande tesouro da simplicidade. Larguemos os pesos da apatia, da indiferença, da superioridade, do materialismo. Saibamos cultivar aquela alegria das crianças com os olhos cheios de espanto e de gratidão pela vida. Escolhamos a pequenez grande que reside na beleza que nos rodeia e que, tantas vezes, não se mede em cálculos e valores. Abracemos a felicidade que a simples vida em comunidade de vidas nos traz e nos enche de significados. E que possamos ser sempre como as crianças para, juntos, vivermos esse Reino prometido.