Há um ano, juntamo-nos (quase todos!) para simplesmente estarmos uns com os outros, com tempo e com espaço, sem tarefas definidas, para aquilo que chamamos “Cumbíbio para Cumbiber”. Quem partilha vida connosco e já nos conhece bem, sabe que gostamos muito de arranjar nomes, digamos assim, pomposos para as nossas atividades várias e variadas. E este nome resulta da necessidade de nos encontrarmos, livres de atividades e responsabilidades, e com disponibilidade para o que mais importa – estarmos uns com os outros, por a conversa e o riso em dia. E houve tempo para cantar, lembrar, projetar, agradecer, rir, sonhar, ouvir.
Ficam aqui as memórias desse encontro de 2024, num resumo daquilo que somos e do que vivemos em comunidade. Este encontro passado que guardamos com especial carinho por tantos motivos, mas também por ter sido nesse dia que o André e a Andreia distribuíram os seus convites de casamento (e do batizado da Clarinha!). Quem sabe não se começou aqui uma tradição e amanhã haja uma nova surpresa…
Amanhã, estaremos novamente juntos para simplesmente estarmos juntos. Nesta irmandade que já perdura, para alguns, há mais de 30 anos! Nesta irmandade que persiste e atravessa os tempos e as circunstâncias porque há uma razão que nos acomuna e nos faz seguir nesta Estrada: Deus. Este Deus que se alimenta na nossa amizade com Ele através da amizade que vivemos uns com os outros. Esta irmandade que procura, mesmo nos momentos mais desafiantes, a alegria que vem de nos sentirmos amados por Ele através de cada um de nós. E é esta alegria que se fortaleça sempre que estamos juntos que nos faz ser portadores de alegria para todos os que caminham connosco.
Enquanto estamos já a preparar o novo ano de formação, deixamos aqui registados os testemunhos da Joana, do Pedro, da Inês, do Douglas, do Caio e da Tânia, que fizeram connosco este percurso de educação e de partilha na fé. De outubro de 2024 a junho de 2025, às sextas-feiras, das 21h30 às 23h, na paróquia da Matriz (Póvoa de Varzim), estes jovens adultos fizeram parte de um grupo de treze elementos que foi fazendo o seu percurso na descoberta de um Deus que está sempre disponível para quem o quer acolher, construindo assim o início de uma fé adulta, pensada e experimentada, concreta, vivida em ações, participada no quotidiano e celebrada sempre em comunidade.
Com estes testemunhos verdadeiros e genuínos, queremos partilhar convosco a alegria que é para nós, Comunidade Estrada Clara, sabermos que este desejo de Deus tão próprio do ser humano está e continua presente em quem O procura e nós, Comunidade, somos infinitamente mais felizes por podermos proporcionar este tempo e este espaço de partilha, de descoberta e de interiorização.
Um bem-haja a todo este grupo por tudo o que podemos partilhar, viver, descobrir em conjunto. ⭐
I Encontro de Formação “Lugar Teu”: Um tempo e um espaço de escuta, de interioridade e de descoberta da presença de Deus em nós
Numa parceria da Comunidade Estrada Clara com a paróquia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz), entre os dias 28 de fevereiro e 1 de março, realizou-se o I Encontro de formação para animadores de adolescentes e jovens, sob o nome “Lugar Teu”. Este retiro foi inspirado nas palavras do profeta Jeremias: “Eu conheço bem os planos que tenho para vós – diz o Senhor. Planos de paz e não de calamidade, para vos garantir um futuro e uma esperança.” (Jer 29,11).
Reunidos com o coração disponível e atento, os animadores presentes mergulharam num tempo de reflexão, silêncio, descoberta, histórias de vida, partilha e Palavra. Ao longo deste encontro, falámos sobre os planos de Deus em nós e para nós, questionamos se Ele tem (ou não) planos B, pensamos acerca dos imprevistos da vida e da forma como lidamos com eles e aprofundamos, por meio de algumas passagens bíblicas a forma como Jesus nos vai revelando esses planos de Deus nas nossas próprias circunstâncias de vida. Houve momentos de oração individual e coletiva, grupos de partilhas, celebração eucarística, apresentação de temas e trabalhos individuais, tendo sempre como pano de fundo o tema do encontro – os planos de Deus para nós e a história de cada um com Deus.
Na conclusão final deste encontro, selada com um simbólico abraço da paz e pela paz entre todos, ficaram as orientações a levar para a vida que vai seguindo: o desafio pessoal e coletivo de continuar a escutar os planos de Deus com confiança; o compromisso de ser presença significativa na vida dos adolescentes e jovens dos quais somos responsáveis; a alegria de saber que há sempre um “Lugar Teu” que nos pertence e que Deus preparou para nós.
Queridos jovens, obrigada por este encontro tão luminoso, partilhado e feliz. Obrigada pela vossa confiança plena em nós e por se deixarem caminhar connosco nesta Estrada que também é totalmente vossa! Seguimos juntos para o próximo “Lugar Teu”!
A esta hora, um grande grupo de jovens da minha paróquia vai na sua peregrinação a Roma por ocasião do Jubileu dos Jovens. Há 25 anos, era eu quem viajava num autocarro, com os jovens da paróquia, a caminho da “città eterna”. Coincidindo, nesse ano 2000, com as Jornadas Mundiais da Juventude, este evento reuniu milhões de corações num só pulsar de fé, esperança e comunhão, num mundo que tinha acabado de entrar num novo milénio cheio de desafios.
Roma 2000 foi uma experiência fundamental para mim, uma universitária de 21 anos que era já responsável por um grupo de adolescentes – num tempo em que muito pouco havia nas paróquias – e pertencia também a um grupo de oração que animava a missa vespertina todos os sábados. Participar nesse Jubileu em Roma foi dos primeiros “sins” a esta minha vocação Comunitária que fui dizendo ao longo da minha vida.
Tal como eu, esta foi a primeira vez que muitos jovens saíram do seu país para um grande evento religioso, numa altura em que não se usavam telemóveis (os telefonemas para casa eram feitos nas cabines públicas), as fotografias dependiam dos rolos das máquinas fotográficas, o euro ainda não existia, portanto passar por três países diferentes implicou muitos câmbios monetários… Foi um momento marcante também na vida da nossa paróquia! Não tínhamos, como hoje, a ajuda das pesquisas internéticas para nos permitir antecipar o que aconteceria nesses dias jubilares. Foi, por isso, uma verdadeira peregrinação de e na confiança!
O Jubileu daquele ano em Roma permitiu-nos viver no coração de uma Igreja jovem, viva, vibrante. Caminhar pela rua com milhares de outros jovens de todo o mundo, ouvir línguas diferentes, cantar juntos, rezar naquela grande praça, dormir em sacos-cama em pavilhões improvisados… e a certeza sentida a cada dia de que não eramos cristãos sozinhos e que ser jovem e cristão era algo universal e cheio de alegria.
Agora, a caminho do Jubileu 2025, somos todos convidados a olhar para trás com gratidão e para a frente com esperança. Deus continua a fazer novas todas as coisas! A Igreja continua viva e a esperança acesa!
Queridos jovens, uma boa viagem! Seguimos juntos, sempre!
O quarto grupo deste quarto ano de Formação Cristã de Adultos, promovida pela Paróquia Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em parceria com a Comunidade Estrada Clara, culminou com a celebração do Crisma pelo Bispo Auxiliar de Braga, Dom Delfim Gomes, no dia 22 de junho de 2025, na Igreja Matriz. Recordamos, com imensa alegria e muita gratidão, esse dia festivo em que os nossos treze crismandos (a Anair, o Arthur, o Caio, a Carina, o Douglas, a Inês, a Joana, a Márcia, o Pedro, a Roseane, a Serafina, o Sérgio e a Tânia) receberam o Espírito Santo e foram fortalecidos com os seus dons. Lembramos também o percurso particular do Arthur e do Caio que, escolhendo, numa idade adulta, assumir uma vida cristã, receberam os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. A Roseane também recebeu, pela primeira vez, a Eucaristia, um momento de imensa alegria para ela.
Nesta Eucaristia festiva, os jovens do grupo do 10.º ano e alguns escuteiros do Agrupamento 38 da nossa Paróquia receberam também o sacramento do Crisma. Foi uma celebração comunitária de fé, de ação de graças e de louvor por este caminho percorrido e pela descoberta de um Deus que nos ama e que nos quer sempre a caminho com Ele e com os nossos irmãos. Que este tenha sido o dia primeiro de um percurso numa fé adulta, consciente, pensada e experimentada, questionada e trabalhada sempre numa dimensão comunitária.
Um bem-haja a todo este grupo pelos momentos de partilha, de reflexão e de conhecimento e pela certeza que nos dão de que viver em Deus é, essencialmente, um viver com e para os outros.
“Dar-vos-ei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne.” (do Livro do Profeta Ezequiel)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
No nosso Musical “Jesus é Vida”, a primeira parte do espetáculo acontecia em contexto de grupo de jovens que, desafiados pela professora de História para apresentarem um trabalho sobre uma figura histórica, decidiram escolher falar sobre Jesus. Uma das personagens de seu nome Susana – interpretada pela… Susana! – começa por manifestar muitas dúvidas relativamente àquela escolha feita pelo seu grupo. Num diálogo com outra personagem de seu nome Ana – interpretada por mim… Ana! -, a Susana vai descobrindo que as dúvidas que sentia não tinham a ver com o trabalho que lhes tinha sido proposto, mas sim com a sua própria perspetiva em relação à vida e principalmente com a dificuldade que ela sentia em viver o que os amigos viviam, em acreditar como eles acreditavam, em assumir a verdade que o grupo assumia. Durante a conversa, a minha personagem ia mostrando à Susana que o que a impossibilitava de viver plena e genuinamente aquilo em que dizia acreditar era o simples facto de não se deixar envolver nas atividades do grupo, de não se entregar à vida, de não se deixar encantar pela beleza.
Ao recordar por estes dias este momento do Musical, veio-me à memória a passagem do profeta Ezequiel sobre o coração novo que Deus nos promete. “Dai-vos-ei um coração novo” é uma promessa que toca no mais profundo da nossa identidade. Estas palavras não são apenas poesia ou consolo. São a promessa concreta de uma modificação interior, de um caminho que nos é oferecido, de uma possibilidade de renovação. E por que razão há urgência nesta transformação?
Vivemos tempos de fragmentação, entre o que se deseja ser e o que de facto se é. Vivemos tempos de cansaço. Não tanto um cansaço físico, mas acima de tudo existencial. Há uma fadiga que persiste e que não se cura com descanso, uma espécie de saturação interior que se vai instalando, silenciosa, mas constante. A pressa com que se vive, a desilusão com que nos confrontamos, o peso das notícias que nos chegam a toda a hora, o ruído permanente da desinformação… tudo isto e tanto mais contribuiu para que o nosso coração, esse centro vivo da nossa identidade, vá perdendo a sua sensibilidade. Vamos endurecendo por dentro, vamos erguendo defesas, vamos fechando o nosso olhar. Ao longo da vida, todos nós corremos o risco de permitir que o nosso coração endureça e nos faça viver à defensiva. Tornamo-nos mais racionais, mais pragmáticos, mas simultaneamente mais frios, menos compassivos, menos atentos aos outros. Dentro de nós hospeda-se um coração de pedra. Este coração de pedra é uma metáfora real da nossa condição: um coração que deixou de bater ao ritmo de Deus e passou a viver em função do medo, do orgulho, do egoísmo.
E é precisamente quando este coração de pedra se instala em nós que Deus intervém, não com acusações, mas sempre com uma promessa, não com imposições, mas sempre com uma proposta. Deus não exige que eu me corrija, que me torne melhor sozinho. Ele próprio se oferece, dizendo: “Dar-vos-ei um coração novo”. Não é um remendo. Não é uma versão moralizada. Não é uma mudança superficial. É um coração novo, uma proposta radical e interior. Um coração de carne é um coração vivo, vibrante, capaz de escutar a voz de Deus, de se deixar encantar pela beleza da vida, pela força do Amor. Um coração com sede de justiça, de verdade, de comunhão.
Deus sabe que, por nós mesmos, não conseguimos regenerar o que em nós se quebrou. Por isso, propõe-se Ele próprio realizar essa obra em nós. E é este o coração da mensagem cristã: não estamos sozinhos. Fomos criados para vivermos em aliança com Deus, numa relação de pertença mútua. Quando permitimos que Ele transforme o nosso coração, assumimo-nos filhos de um Pai que nos ama. E pertencer a Deus é encontrar a nossa identidade mais profunda. É saber que temos um lugar nosso, um propósito a cumprir.
Esta promessa que Deus nos faz toca o grande dilema humano: como amar num mundo ferido pela dor? Como manter a doçura quando tudo nos convida ao endurecimento? Como permanecer sensível sem sofrermos com a indiferença? Deus responde-nos com a oferta de um coração novo. Não um coração perfeito, mas um coração que se abre, que se dispõe a que Deus nele habite e o transforme. O verdadeiro milagre não é um coração perfeito, é um coração capaz de mudar, disponível, aberto. Ao prometer-nos um coração novo, Deus convida-nos a recomeçar de dentro para fora. A confiar que é sempre possível sentir de novo, amar de novo, viver com leveza. É um convite à reconciliação com a nossa própria humanidade. E esta promessa não se esgota no passado. Ela é um apelo para o presente. A dureza dos nossos dias, o individualismo e a indiferença exigem homens e mulheres de coração novo. O caminho mais fácil é sempre o do endurecimento. Mas Deus continua a oferecer-nos, todos os dias, este dom magnífico: um coração capaz de recomeçar, de amar, de perdoar, de se entregar.
P.S. No Musical, a personagem Susana acabou por ser dos elementos mais empenhados do seu grupo na realização do trabalho para a escola. Ela foi-se deixando transformar por este coração que Deus lhe ofereceu. E digo “foi-se deixando” precisamente porque este é um trabalho contínuo, de avanços e recuos, de erros e acertos. A Susana continuou com medos e dúvidas, mas assumiu vivê-los com confiança e com a certeza de que Deus habitava no seu novo coração. E, sobretudo, foi escolhendo cuidar deste seu coração em comunidade…
Conhecendo-te, sei que não querias confusão nem alarido. Se cá estivesses, provavelmente até fugirias da tua própria festa. Preferias sempre celebrar a vida dos que te rodeavam e colocá-los no centro, dar-lhes toda a importância. Mas, hoje somos nós quem te celebramos. Não com uma festa, mas com presença. A tua, que continua viva em cada um de nós.
Celebramos essa mistura só tua — de seriedade e leveza, de fé convicta e timidez desarmante, de sensibilidade pura e calma inquieta.
Celebramos o teu dom de escutar por inteiro. E quando falavas, era para dizer o que era preciso, sem rodeios. Tinhas aquela coragem serena que nos desmontava com uma simples pergunta ou com um silêncio cheio de sentido.
Celebramos a tua teimosia. Teimosia no bem, no acreditar nas pessoas, mesmo quando elas já tinham desistido de si próprias.
Celebramos o teu riso de corpo inteiro, naquele som solto, inesperado, contagiante, salvador.
Celebramos o teu jeito raro de entrar numa sala e ajustar o mundo dois milímetros para melhor, só com o modo como pousavas o casaco, como compunhas as almofadas, como abrias as janelas.
Celebramos a tua vida vivida em verbos contínuos – ir, fazer, pensar, cantar, subir, abraçar, rezar, amar.
Celebramos as sementes que lançaste e que agora florescem em gestos nossos, em escolhas feitas, em dons postos ao descoberto.
Celebramos aquele teu olhar que via sempre mais do que queríamos mostrar. E bastava um “hmm” teu para repensarmos a nossa vida inteira.
Celebramos a tua inteireza espelhada em anos de entrega, de cuidado, de correção com amor, sem medos, sem meias medidas e com uma frontalidade transformadora.
Celebramos a tua vida toda feita no tempo do agora. Nunca foste de “quando tiver tempo”. Tu tinhas. E davas. Sem condições.
Hoje celebramos o teu nascimento e tudo aquilo que tu fizeste nascer dentro de nós. Por isso, este dia também é nosso. E se hoje, por acaso, as lágrimas aparecerem, lembra-te que elas são só a outra face da alegria de termos tido alguém como tu nas nossas vidas…
Obrigado, Jorge – por nos teres sido tanto. E por tudo o que ainda nos és. A tua vida foi e é o nosso maior presente!
Com imensa alegria e, sobretudo, com o coração cheio de gratidão, preparamo-nos, em comunidade, para fazer uma festa! Amanhã, os nossos treze formandos do quarto grupo da Formação Cristã de Adultos receberão o Sacramento da Confirmação. Destes treze, dois deles serão também batizados e um receberá também o sacramento da Eucaristia. De outubro de 2024 a junho de 2025, às sextas-feiras, das 21h30 às 23h, este grupo fez o seu percurso na descoberta de um Deus que é sempre Amor e presença em cada um de nós, construindo assim o início de uma fé adulta, pensada, concreta, vivida em ações, participada no quotidiano e celebrada em comunidade. Ao longo dos 25 encontros, procuramos dar a conhecer o que significa, nos dias de hoje e no contexto social, ser-se cristão comprometido, esclarecido, com um propósito de vida consciente e com a experiência sempre fundamental da dimensão comunitária.
Por isso, amanhã faremos festa! Celebraremos o percurso cristão da Anair, do Arthur, do Caio, da Carina, do Douglas, da Inês, da Joana, da Márcia, do Pedro, da Roseane, da Serafina, do Sérgio e da Tânia. Agradecemos todas as escolhas que eles fizeram desde o momento em que se decidiram inscrever nesta formação até ao dia de amanhã que marcará, não o fim de uma etapa, mas o início de uma vida mais comprometida e partilhada na Igreja que somos todos nós. Destacamos a disponibilidade, a humildade, a persistência, a motivação e o carinho que estes formandos sempre nos transmitiram em todos os encontros. E somos infinitamente gratas pela possibilidade que nos deram a nós de partilhar com eles a nossa vida enquanto elementos de uma comunidade orante e pensante.
Desejamos que cada um destes nossos queridos formandos continue a sua descoberta e construção como cristãos que são. E, sobretudo, que caminhem em confiança e na confiança deste Deus que está sempre connosco. Eu, a Beatriz e a Sofia, como comunidade e irmandade que somos e onde somos, estaremos sempre onde vocês nos encontraram pela primeira vez – a abrir-vos as portas de uma Igreja que é para todos, todos, todos. Sempre!
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (do Evangelho segundo São João)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
Há dias, no nosso encontro mensal “Estradas Partilhadas”, começamos a ver “After life”, uma série profundamente filosófica e ao mesmo tempo tão próxima da vida real, repleta de dizeres marcadamente espirituais. Num dos episódios da série, encontramos esta afirmação maravilhosa proferida por uma das personagens: “A felicidade é maravilhosa. É tão maravilhosa que não importa se é nossa ou não”. Ao escutá-la, lembrei-me também de uma das mais famosas frases de Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. De facto, estas duas frases, quando lidas com atenção do espírito, revelam uma única verdade mística: a verdadeira felicidade e a verdadeira vida não são posse, são presença. São estados de partilha, não de acumulação. São escolhas comuns e não individuais.
A mensagem de Jesus aponta-nos uma vida vivida em abundância, não em termos materiais, mas numa dimensão espiritual, de amor, propósito, sentido e comunhão com o outro. Ele propõe-nos uma existência transbordante de graça, onde o bem e a felicidade não são escassos nem reservados, mas disponíveis a todos que se abrem ao Amor. A verdadeira abundância é aquela que se partilha. É a alegria que se multiplica, é a felicidade que cresce ao ser vivida em comunidade. Por isso, o bem que acontece no outro não nos diminui nunca; pelo contrário, engrandece-nos, acrescenta-nos porque participamos do milagre maior do amor que habita no meio de nós.
A vida em abundância que Jesus nos promete não é medida em posses, em méritos e nem sequer em momentos felizes individuais. A vida em abundância é aquela que, ao ser vivida verdadeira e generosamente, já não se distingue entre o “eu” e o “tu”, mas reconhece-se unicamente no “nós”. Jesus não nos oferece uma promessa de abundância individualista, mas sim de uma realidade onde a felicidade dos outros não é uma ameaça, mas uma extensão da nossa própria essência, pois tudo o que é verdadeiro e bom em qualquer ser humano pertence ao Corpo vivo que somos todos em Deus.
Assumir a felicidade dos outros como contentamento nosso implica um compromisso grande com a vida e um entendimento gigante não só do que é isto que nos acontece antes da morte física, mas também uma compreensão maior do que é saber viver e, como nos diz Jesus, viver em abundância, em plenitude. Esta visão convida a uma superação do ego, onde a felicidade do próximo deixa de ser um espelho daquilo que nos falta, e passa a ser uma manifestação da presença de Deus no mundo. Alegremo-nos, pois, quando outros são felizes, pois estamos a testemunhar essa vida abundante que Cristo veio oferecer. No fundo, amar a felicidade onde quer que ela esteja é já um sinal de que estamos a viver com o coração moldado por esse Amor maior que Jesus veio ensinar. Quando a felicidade de alguém nos toca, mesmo sem ser “nossa”, é a abundância prometida que se revela, silenciosamente, dentro de nós.
Isto desafia o pensamento utilitarista e egocêntrico que impera na sociedade moderna. Mas, se conseguirmos alegrar-nos com a felicidade dos outros, libertamo-nos das amarras da inveja, do ressentimento e da competição. Esta abertura à alegria alheia é uma forma de transcendência – um passo em direção a um amor mais universal. Na prática, isto pode manifestar-se em pequenos momentos: sorrir ao ver uma criança a brincar, emocionar-se com a conquista de um amigo ou sentir paz ao saber que alguém encontrou o seu caminho. A felicidade partilhada, mesmo quando não é nossa, tem o poder de iluminar também o nosso espírito.
Aceitar esta ideia é também um ato de humildade. É reconhecer que não somos o centro do mundo, mas parte de algo maior, onde o bem-estar coletivo importa tanto como o individual. Ao celebrarmos a felicidade dos outros, multiplicamos a luz no mundo – e isso é, por si só, uma forma única de sermos felizes. Ver a felicidade no outro — e deixar que ela nos preencha sem que seja “nossa” — é um sinal de maturidade espiritual profunda. É participar da abundância de Deus, não com as mãos que agarram, mas com o coração que contempla e se alegra. E quando conseguimos olhar para a felicidade de alguém e sentir gratidão — mesmo que estejamos, pessoalmente, em dor — aí tocamos o mistério da cruz e da ressurreição. Amar o bem, mesmo fora de nós, é já um ato redentor. É deixar que a vida abundante de Cristo se manifeste não apenas em nós, mas através de nós.
Muito mais do que procurarmos a nossa felicidade, a vida em abundância é a felicidade que a felicidade dos outros nos traz. É um maravilhamento constante com a beleza, um espanto infinito com a simplicidade que nos sustenta. Esta noção de felicidade trabalha-se, constrói-se, molda-se. Trabalha-se no dia-a-dia da vida. Constrói-se no empenho e na dedicação com que entrelaço os meus propósitos. Molda-se na relação que tenho com os outros e com o Outro. Por isso, procuremos espaços onde possamos exercitar estes desejos. Onde possamos descobrir aquela que é a nossa melhor versão. Onde quem caminha connosco exija, com amor e confiança, o melhor de nós próprios. Peçamos a Deus esta graça de sabermos procurar esta felicidade salvadora. Sejamos gratos quando nos é dada a oportunidade de vivê-la. Confiemos no Espírito Santo para que ele nos faça caminhar nesta estrada de coração aberto e de olhos cheios daquela luz que não se apaga. E não tenhamos medo de escolher, sempre e para sempre, esta vida em abundância.
Hoje, testemunhamos, com gratidão, a solene inauguração do pontificado de Leão XIV. A celebração, marcada pela imposição do Pálio e do Anel do Pescador, colocou no centro a continuidade apostólica e o compromisso pastoral do novo Papa. Este início é uma semente lançada em terra fértil: não é uma meta gloriosa, mas a humilde oferta da sua vida em serviço contínuo
Leão XIV apresentou-se ao mundo não como soberano, mas como servo. Ele não levantou a sua voz para se afirmar – elevou antes o Evangelho, com a firmeza serena de quem sabe que a autoridade verdadeira nasce exclusivamente do Amor. “Esta é a hora do Amor!”, anunciou o Papa. E quem caminha na estrada da fé sabe bem que o Amor é sempre a hora de Deus.
“Esta é a hora do Amor!” Porque quem vive em Igreja sabe o quanto esta hora é necessária. Todos nós ansiamos por uma Igreja que atualize verdadeiramente o Evangelho, uma Igreja sempre orante e pensante, uma Igreja entregue ao serviço do mundo, desafiada a viver a coerência e a descartar o comodismo e as respostas fáceis.
“Olhem para Cristo e aproximem-se d’Ele.”, propôs-nos hoje o nosso Papa, lembrando-nos que o centro da nossa existência não está em estratégias humanas, mas sim em Cristo vivo, pobre, crucificado e ressuscitado.
“No único Cristo, somos um.” É este o lema episcopal escolhido por Leão XIV. Estas palavras são direção, oração e interpelação. Direção para um mundo confundido pelo egoísmo e pelo poder. Oração no apelo à unidade, à misericórdia, ao encontro. Interpelação para cada cristão assumir a responsabilidade das suas escolhas e fazer das suas vidas um evangelho vivido em cada gesto.
Hoje, no momento em que recebeu o anel do Pescador, foi evidente a emoção do Papa. Uma emoção carregada de gratidão, de responsabilidade, de alegria, de serviço. Quem caminha nesta estrada da fé, sabe que ela está repleta de desafios a que só a confiança em Deus e a esperança cristã sabem dar resposta. Que o Espírito conduza o nosso novo Papa como vento suave, e que a Igreja, sob a sua guia, saiba escutar mais, abraçar mais, amar mais. Pois é no Amor que tudo começa. E é no Amor que tudo se cumpre. E a hora é esta!