Reflexão para o mês de setembro de 2025
“Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna.” (do Evangelho segundo São João)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Para onde vamos? Para onde seguimos? Para quem vamos? Quem nunca se colocou estas questões? Questões estas que urgem cada vez mais nestes tempos que correm velozes, sem piedade. Tempos desenfreados, acelerados que nos colocam uma emergência voraz que nos impele a correr, a seguir, a ir. Para onde vamos? Para onde caminhamos? A quem queremos chegar? Que quotidiano é este que nos impõe velocidade ilimitada? Que dia-a-dia é este que nos faz estar quase sempre atrasados, preocupados, assoberbados? Colocam-se perguntas, procuram-se respostas. Também há dois mil anos, os amigos de Jesus sentiam esta inquietação. Tanto a acontecer à sua volta, tanta novidade a nascer entrelaçada com imensas dúvidas a pairar no ar. O que fazer? O que sentir? Para onde ir? Como ir? Para quem ir? As mesmas questões de hoje, nossas, partilhadas, vividas.
“Senhor, a quem iremos?” Pedro coloca esta questão num tempo de crise, depois de muitos terem abandonado Jesus. Tinham ficado escandalizados com a linguagem exigente do Mestre, com a proposta do Pão da Vida, com a radicalidade do seu amor. Queriam um Messias que confortasse, mas não que desafiasse. Um Jesus que curasse, mas que não os chamasse à conversão. E quando perceberam que segui-lo implicava mudar de vida, foram-se embora. Porque é exigente acreditar num Deus que se faz tão próximo, tão humano, tão vulnerável ao ponto de se oferecer como alimento…
Jesus não os impede. Não suaviza o discurso, não adapta a mensagem para agradar. Apenas olha os que ficam e pergunta: “Também vós quereis ir embora?” É uma pergunta livre, corajosa. Não há chantagem, nem medo de ficar só. Apenas o amor que se oferece e espera uma resposta verdadeira. É uma pergunta que continua viva hoje. Todos nós a escutamos, em algum momento: quando a fé se torna pesada, quando Deus nos parece distante, quando o coração sente vontade de desistir.
Pedro, no seu jeito impulsivo, mas sincero, responde com aquilo que o coração sabe: “Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna.” Estas palavras são uma profissão de fé humilde. Pedro não diz que entende tudo o que Jesus diz. Não afirma que não tem dúvidas. Mas reconhece que, mesmo sem respostas fáceis, ninguém fala como Jesus. Só nas Suas palavras há qualquer coisa que o salva por dentro. Pedro não tem certezas — tem confiança. Não tem mapa — tem o Rosto. Não tem garantias — tem o coração ancorado n’Aquele que é Vida. A resposta de Pedro não é uma certeza teológica. É uma confissão de amor. Pedro viu, ouviu, experimentou e confiou.
Vivemos rodeados de palavras. Palavras que enchem os nossos dias, que nos atravessam as rotinas, que nos distraem. Palavras que prometem felicidade, sucesso, plenitude — mas que não chegam ao mais íntimo de nós. Há palavras que passam. Palavras que seduzem por um instante, que enchem os ouvidos mas não enraízam nada. Palavras que agradam, mas não salvam. Palavras que se gastam, como promessas vãs, como ecos que se dissipam ao primeiro sopro de dor.
E depois… há as palavras de Jesus. Palavras que não se esgotam na superfície. Palavras que tocam lugares que nem sabíamos que existiam. Palavras que ardem, que nos curam, que permanecem. Palavras que nos revelam a nós mesmos, que nos levantam, que nos chamam por dentro, que nos despertam para um dia sempre maior. Palavras cheias de uma vida inteira que não depende do tempo, nem do humor, nem das meras circunstâncias. Palavras que não mudam com as marés, que não se ajustam para agradar, mas que têm a ousadia de dizer a Verdade. Palavras que transformam e que dizem não o que queremos ouvir, mas o que precisamos para viver.
“Só Tu tens palavras de vida eterna.” E porque é eterna, a Palavra de Jesus resiste. Resiste ao tempo, à dor, à solidão, à morte. Resiste em nós quando tudo parece desabar. Estas palavras de vida eterna não prometem apenas um futuro depois da morte. Prometem um presente transformado – uma vida eterna que já começa aqui: uma vida que se descobre amada, que encontra sentido no meio das perguntas, que se deixa guiar por uma esperança maior do que qualquer escuridão. Só Ele tem palavras que tocam a vida inteira — as alegrias, as feridas, os medos, as esperanças. Por isso, ouvir Jesus não é apenas escutar uma mensagem. É deixar que a própria Vida fale dentro de nós. É acolher palavras que não se gastam nem se esgotam. Palavras que ensinam a amar sem medidas, a perdoar onde parecia impossível, a confiar mesmo no meio das incertezas.
Por isso, o Evangelho não é uma fala ou um mero aglomerado de acontecimentos. O Evangelho é uma vida. Uma vida que se espelha na vida de quem se assume cristão. Uma vida que reflete a eternidade das Palavras de vida eterna. E estas palavras leem-se no modo como amamos, na forma como gerimos o que Deus nos confiou, nas escolhas que fazemos. A nossa vida precisa ser esse evangelho vivo. Ou então não é evangelho nenhum. Peçamos a graça de nos deixarmos conduzir por estas palavras de eternidade e que elas se infiltrem no nosso quotidiano em cada dia que nos é dado viver.