Reflexão para o mês de novembro de 2025
“Todos esses deram do que lhes sobrava, mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver.” (do Evangelho segundo São Lucas)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara

Esta fotografia foi tirada ontem na celebração do V aniversário do falecimento do Jorge. Olho para nós e vejo futuro, vida e caminho. Cinco anos depois, continuamos a viver a nossa Ressurreição aqui na terra. Continuamos nesta festa eterna e a descobrir novas alegrias uns nos outros e uns com os outros. Continuamos a escolher sermos dádiva e a deixar que a gratidão seja sempre maior que qualquer tristeza ou desesperança.
Há momentos em que a vida se torna canção. Uma canção que nasce do amor e do tempo, da partilha e da fidelidade. Connosco estes momentos acontecem quando nos juntamos para rezar a cantar, em particular nas eucaristias em que cantamos. Ali, entre notas, alguns risos e silêncios, vivemos algo mais do que música: vivemos a oferenda. E o amor a fazer-se som coletivo. Ali, damos o que somos e deixamo-nos cantar uns com os outros, oferecendo a vida como quem oferece uma melodia — sabendo que não somos os únicos a compô-la. E assim fazemos da nossa existência um coro, uma oração que se oferece. Um encontro que faz da música oração, um diálogo de amor que se transforma em comunhão. Um ofertório.
Há um altar que se levanta dentro de cada um de nós. Não é de pedra, nem de ouro — mas de tempo, de silêncio e de desejo. E é aí, nesse espaço escondido e frágil, que se realiza o verdadeiro ofertório da vida. Cada vida tem o seu altar e cada gesto pode ser uma oferenda. Não são precisos grandes feitos, só um coração inteiro e disponível para se dar. Cada dia pode ser uma liturgia. Cada gesto, um altar. O sorriso que se oferece a quem já perdeu a esperança, a palavra que se cala para que o outro fale, o perdão que rasga o véu do orgulho, o tempo que demos a alguém — tudo isso é pão e vinho do coração, matéria sagrada que Deus acolhe e transforma.
Há muitos altares no nosso quotidiano: a cozinha onde se prepara uma refeição com cuidado, o quarto onde se vela uma noite de doença, a sala onde se escuta alguém sem pressa, o local de trabalho onde se procura ser justo e honesto. Em todos esses lugares, o Espírito celebra discretamente a sua liturgia. Por isso, ofertório não é apenas o momento em que o pão e o vinho são levados ao altar — é o movimento escondido de toda a vida que se oferece. É quando o coração, cansado ou confiante, se volta para Deus e diz: “Tudo o que tenho e tudo o que sou, é Teu.”
Ofertar é um exercício diário de confiança. É acreditar que, mesmo quando o que damos parece insignificante, Deus transforma-o e o multiplica-o. É viver com o coração aberto, sabendo que o amor nunca se perde, que a entrega nunca é em vão. O ofertório é o lugar onde deixamos de ser donos e nos tornamos filhos. Onde deixamos de controlar e aprendemos a confiar. Onde o nosso fazer se encontra com o fazer de Deus. O menino dos cinco pães e dois peixes não sabia que o seu pequeno gesto seria milagre. Ofereceu o pouco que tinha e Jesus multiplicou-o. Assim acontece connosco: o ofertório é o lugar onde o impossível se torna fecundo.
Por isso, o ofertório não é um ato isolado, mas uma forma de viver. É dar graças em cada manhã, é oferecer o trabalho como oração, é consolar como quem partilha o próprio coração, é carregar a cruz sem perder a esperança da ressurreição. E quando, no fim do dia, recolhermos o que resta — as alegrias, as falhas, os gestos pequenos —podemos voltar a dizer, como Maria: “Faça-se em mim segundo a Tua palavra.” Porque a vida cristã é, toda ela, um grande ofertório. E quem se oferece, deixa Deus fazer de si milagre.
O ofertório não é só dar, é também deixar-se dar. É permitir que a nossa vida se torne um dom, mesmo nas suas fragilidades. Porque o que é oferecido com amor nunca se perde. No fundo, é aí que se encontra o propósito: no gesto simples que se entrega, no sim repetido todos os dias, na alegria de saber que, quando nos damos, é o próprio Deus que passa por nós.
Jesus mostrou-nos o caminho: Ele que Se fez oferta total, corpo entregue e sangue derramado, ensinou-nos que o amor só é verdadeiro quando se faz entrega. A sua vida oferecida é a medida de todo o amor verdadeiro. E cada vez que participamos na Eucaristia, somos chamados a fazer o mesmo: a deixar que a nossa vida se transforme em dom, a permitir que o que somos se torne presença de Deus no mundo. E, como no final de cada Eucaristia, o amor que se dá não termina no cântico final – prolonga-se nos corações que o escutam. Assim também a vida: quando é vivida como oferenda, torna-se melodia que Deus reconhece como Sua. Porque o Amor, quando é oferecido, tem sempre um eco divino. O cristão é aquele que vive neste ofertório constante: entre o que recebe e dá, entre o dom e a resposta.
Voltemos à canção. Deus faz das nossas vidas uma partitura e convida-nos a tocá-la com o que somos. Cada um com o seu ritmo único, o seu instrumento pessoal. E o mais extraordinário é que, mesmo quando nos enganamos na nota, Ele continua a compor connosco, pacientemente, até que o nosso som se torne oração. E talvez aqui esteja a beleza da nossa criação: perceber que o ofertório é aquela nossa canção que não tem fim. Cada dia acrescenta um verso, cada pessoa um novo timbre. E Deus, silencioso maestro, recolhe tudo – o riso e o pranto, a alegria e a dor – e faz dele a sinfonia que somos. Que a possamos escutar com o coração que somos, sempre.