Ter uma vida

isabel-leal-rsh-2011-230Isabel Leal, psicóloga, CARAS

“Tem uma vida!” ou “arranja uma vida!” é uma expressão que se vai ouvindo e que quer dizer “não chateies”. Fica bem aplicada em situações em que alguém valoriza excessivamente um detalhe, mostra hiper preocupação em relação a terceiros ou se leva demasiado a sério. Claro que toda a gente tem uma vida: boa, má, monótona, incrível, cheia, desafiante, triste, fabulosa, vazia, apaixonante, frustrada, etc.

Seja como for que adjetivemos a nossa vida, o que felizmente muda com o tempo, as experiências e elaborações que vamos conseguindo, o facto é que temos a extraordinária e improvável circunstância de sermos. Neste caso, como em todos, há diferentes perspectivas, pelo que não serão poucos os que acham que não faz sentido gastar superlativos a gabar a existência, já que é o único estado que conhecemos. Muitos outros nem têm como colocar a questão, que nunca os visitou nem inquietou, e da existência têm uma consciência moderada quando não apenas pragmática e literal. Alguns, no entanto, genuinamente sentem que a existência merece celebração. Sentem que a existência, para lá de todos os constrangimentos, vicissitudes e contratempos é, em si mesma, uma oportunidade e que por isso o tempo disponível, as diferentes fases da vida, os vários acidentes de percurso, os encontros felizes, os amores vividos, os laços estabelecidos, as pequenas e grandes perdas e conquistas, devem ser saboreados com respeito e a devoção que têm todas as experiências únicas e irrepetíveis.

Ter uma vida é o oposto da metáfora de outros tempos da vizinha sempre debruçada à janela a ver o que os outros fazem e como fazem, e a partir daí ter assunto e ser um ponto de interesse.

Ter uma vida quer dizer envolver-se naquilo que nos diz respeito e ao mundo que nos concerne e poder distinguir o essencial do acessório, o relevante do circunstancial, o que deixa lastro e tem consequências do que é efémero e pontual.

Ter uma vida quer dizer ser o protagonista da sua própria história, assumir as responsabilidades por inteiro e, a partir desse lugar, construir sentidos, uns próprios, outros partilhados. É definitivamente bom ter uma vida!