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A beleza da vulnerabilidade

Ana Luísa de Castro Oliveira, psicóloga, psicologia.pt

Estamos constantemente sujeitos a situações que implicam um maior ou menor grau de vulnerabilidade, e por vezes colocamo-nos noutras tantas que nos deixam ainda mais vulneráveis. A vulnerabilidade é, assim, como que uma condição inerente à nossa condição humana, e, mesmo assim, achamos que podemos fugir dela.

Porquê?!? Porque não queremos estar vulneráveis. Porque, geralmente (e não erradamente), associamos a vulnerabilidade ao medo, a ter dúvidas, a estar em risco, exposto. Mas porque também associamos a vulnerabilidade a fraqueza, a angústia e sofrimento… coisas que não queremos sentir.

Nos seus estudos, Brené Brown foi percebendo que, muitas vezes, face à vulnerabilidade, tendemos a tentar “adormecê-la” em nós. E é aqui que alerta para o facto de não ser possível “adormecermos” selectivamente as emoções, ou seja, não nos é possível escolher não sentir as coisas “más”, sem que estejamos a negligenciar também outras emoções e afectos prazerosos. Ao tentarmos afastar-nos de sentimentos fortes como a vulnerabilidade, a dor, a vergonha, o sofrimento, a desilusão, estamos também a adormecer em nós a possibilidade de sentir alegria, gratidão, felicidade… o que nos leva, invariavelmente, a sentirmo-nos ainda mais infelizes, o que por sua vez nos faz sentir vulneráveis, gerando-se um ciclo vicioso.

Ao analisar as respostas às entrevistas que foi realizando, Brené Brown confirmou que, se por um lado, a vulnerabilidade é o centro da vergonha e do medo, também é (espantem-se alguns) fonte de alegria, da empatia, de amor, do sentimento de pertença. E percebeu que as pessoas que se sentiam merecedoras desse amor e desse sentido de pertença (por oposição àquelas que se questionam constantemente se serão suficientemente boas para o merecer) tinham em comum quatro características: Coragem (de serem imperfeitas), Compaixão (com elas mesmas primeiro, e depois com os outros), Afinidade (estavam dispostas a abdicar de quem achavam que deveriam ser, para serem, de uma forma autêntica, quem realmente eram, o que é indispensável para a afinidade), e Vulnerabilidade.

Estas pessoas falavam da vulnerabilidade como sendo necessária (mas nem por isso mais confortável ou menos dolorosa) e mostravam-se dispostas a fazer algo para o qual não houvesse quaisquer garantias, para dizerem “amo-te” primeiro, para respirar fundo enquanto aguardavam o telefonema do médico depois de um exame delicado, estavam dispostas (e consideravam fundamental) a investir numa relação, que podia ou não resultar. Abraçavam completamente a vulnerabilidade, acreditando que o que as torna vulneráveis as torna também bonitas.

O que não queremos ver

Isabel Leal, psicóloga, CARAS, 28.1.2107

Vamos percorrendo o nosso caminho, cruzando pessoas e acontecimentos, estabelecendo relações e, também, sofrendo desilusões. Quem nunca se desiludiu com alguém que julgava conhecer muito bem? Pode ter sido a propósito de amigos, considerados do peito, que um dia mostraram inveja ou ciúme, ou se descobriu que foram, para lá de inconvenientes, especialmente maledicentes, traíram uma confidência ou um segredo, ou, descaradamente tomaram o partido de quem considerávamos como adversários ou inimigos. Ou então foi o familiar próximo que em fase de partilhas se abotoou ao que não era dele, reinvindicando o que não tinha direito, dispôs de tudo à revelia dos outros. Quem nunca ouviu contar, lhe aconteceu ou teve por perto casais recém-casados que de pessoas vulgares e bem formadas se transformaram em poços de mesquinhez, capazes de agressividade absurdas e atitudes até aí inimagináveis? Quem nunca se sentiu humilhados, desapoiado ou ignorado pelas pessoas de quem se esperava exatamente o contrário?

Frequentemente ao longo da vida experimentamos situações que nos obrigam a pensar o quão bem conhecemos as pessoas que fazem parte da nossa vida. Concluímos sempre que afinal as conhecíamos mal, não entrando em linha de conta com as nossas expectativas sobre elas. Se ponderarmos um pouco mais, no entanto, somos capazes de concordar que os amigos que se viraram contra nós já o tinham feito em relação a outros, que o irmão com quem discutíamos partilhas sempre foi ganancioso ou se sentiu com direitos especiais, que o ex-cônjuge que agora não reconhecemos já tinha demonstrado noutros aspectos da vida as mesmas características vingativas ou obessivas, que os pais, os filhos, ou os amigos que num dado momentos nos criticam sempre foram demonstrando as usas opiniões sobre o que era melhor para nós e, por isso, devíamos ser ou fazer.

A questão do conhecimento que temos dos outros é sempre minorada pelos afetos que lhes dedicamos e, nesse sentido, achamos que, sejam eles como forem, connosco são diferentes. Esquecemos que os afetos mudam mais rapidamente que as pessoas, daí o confronto frequentemente entre as nossas expectativas e a realidade que, bem vista, sempre lá esteve.

Para o bem e para o mal, só vemos mesmo o que queremos ver.

Crianças

índiceKatya Delimbeuf, E, Expresso, 8.10.2016

Álvaro Bilbao, 40 anos, é doutorado em Psicologia da Saúde pela Universidade de Deusto, em Bilbau. Já colaborou com a Organização Mundial de Saúde e trabalha no Centro Estatal de Referência de Atenção ao Dano Cerebral – mas costuma dizer que o seu maior currículo são os três filhos, de 6, 4 e 3 anos. O seu livro, “O Cérebro das crianças explicado aos Pais” (editora Planeta), já chegou às livrarias do nosso país.

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Porque é importante conhecer o cérebro para educar melhor?
Porque este oferece-nos muitas estratégias e ferramentas que nos ajudam. Explica-nos como aprende o cérebro da criança, as suas necessidades de desenvolvimento e que ferramentas devem usar os pais na ordem que os filhos precisam. O cérebro do adulto aprende através da linguagem e da razão. O das crianças aprende essencialmente através do jogo e do carinho.

E através do exemplo, não?
Também. As crianças aprendem muito através da observação dos adultos. Se queres ter um filho feliz mas passas o dia aborrecido e frustrado, ele vai imitar essa forma de lidar com os problemas. O nosso exemplo é muito importante. Acontece o mesmo com os smartphones e iPads. Podemos pôr-lhes regras, mas se nós próprios andarmos com o telemóvel atrás o dia todo, eles vão fazer o mesmo.

O que lhe ensinaram os seus filhos?
Ensinaram-me que uma coisa é a teoria e outra é a prática. A teoria ajuda-nos muito a melhorar a prática, mas a prática não sai sempre como queremos. Ensinaram-me também uma coisa muito importante, que não vem nos manuais: a importância do carinho, de lhes dar beijos. A minha mulher ajudou-me muito, porque vem de uma família muito afetuosa, com poucos limites, muito hippie, e eu venho de uma família muito conservadora e tradicional. Juntos, encontrámos uma forma equilibrada de educar. Mas uma das coisas fundamentais para educar é errar – para os teus filhos verem que também te enganas e que é normal não fazer tudo bem. Também é muito importante estarmos em contacto com a nossa criança interior. Estar com crianças põe-nos em contacto com aquela parte de nós que esquecemos em adultos – a capacidade de brincar, de sonhar, de sentir afeto.

Brincar é fundamental?
Sim. O jogo livre é fulcral. O momento em que se apaga a televisão é mágico. É incrível o que os miúdos inventam quando os pais não lhes dizem o que fazer. Isso ajuda imenso a desenvolver a imaginação.

Defende que, até aos 6 anos, as crianças não devem ter contacto com a tecnologia. Isso é possível nos dias que correm?
Até aos 3 anos não devem contactar com tecnologia, absolutamente. Em minha casa não há tablets e os miúdos não usam os telemóveis. Este verão, perguntei ao mais velho o que achava de lhe comprarmos um tablet. Respondeu: ‘Talvez seja melhor esperar mais um pouco. Gosto muito de brincar com legos, de desenhar e não quero deixar de gostar’. Não comprámos.

Mas os limites são igualmente essenciais, não?
Absolutamente. Os limites ajudam as crianças a saber o que não devem fazer. A não bater nos irmãos, a respeitar os mais velhos, a não desobedecer, a não gritar… Há pais que, sabendo da importância dos afetos, não dão limites. Não está certo.

O “não” é a palavra mais importante na educação de uma criança?
Enquanto palavra, talvez seja. Mas o mais importante não está nas palavras – são os abraços, os beijos, o carinho. Afetos e limites são igualmente importantes. Ao dizermos ‘não’, estamos a ensinar-lhes o autocontrolo, a disciplina, a capacidade de controlar a frustração.

O que podemos fazer para lidar com as terríveis birras?
Entre os 2 e os 3 anos, não há nada que se possa fazer. Têm que fazê-las e pronto. Mas há três coisas que podem ajudar e três outras que podem piorar a situação – e a maioria dos pais costuma fazer estas últimas. A primeira que não devemos fazer é zangarmo-nos com as crianças ou ficarmos nervosos. A segunda é envergonhá-las, comparando-as; e a terceira é tentar agarrá-las pela força. Pelo contrário, aquilo que pode ajudar é empatizar com elas, mostrar-lhes que percebemos o que sentem; dar afeto, abraçá-las; e ajudá-las a serem flexíveis, oferecendo-lhes uma alternativa (por exemplo: adiar aquele ato para outro dia).cerebro-crianca-explicado-para-os-pais

Alguma vez bateu num filho?
Nunca. Castiguei-os duas vezes, mas nunca através do castigo físico. Está demonstradíssimo que o castigo físico não é bom. Ensina à criança a perda de controlo, a agressividade. Humilha-a, põe-na triste. O castigo físico não pode ser uma forma de educar. Educamos melhor quando não batemos. Já me aconteceu pedir ajuda aos meus filhos, para não gritar com eles.

Há rotinas imprescindíveis em vossa casa?
Somos mais flexíveis em termos de horários e mais ritualistas em relação a certas coisas. Jantamos sempre em família – e se eu não tiver fome, sento-me com eles. Lê-se sempre uma história antes de dormir. Dormem pelas 21h30. Somos bastante flexíveis. Para nós, os afetos são mais importantes do que a ordem.

Não estaremos a passar demasiado stress às crianças, com horários para tudo?
O cérebro não percebe as horas, percebe as sequências. É importante que as crianças e os pais aprendam a ter flexibilidade. As regras são importantes, mas não é preciso ter síndromas de perfecionismo. Para a criança, também é duro ter de fazer tudo perfeito. Atualmente, sabemos que o maiores problemas das crianças se devem ao stress. O déficit de atenção, a obesidade infantil, problemas de comportamento, derivam daí. Isso deriva de querermos que as crianças tenham muitas atividades, façam muitas coisas, que cheguem a horas a todo o lado… E nós também queremos fazer tudo de forma perfeita. A exigência e o perfecionismo da nossa sociedade são tremendos. Em minha casa, tentamos ter manhãs sem stress. Tentamos fazer tudo com antecedência, levo os meus filhos à escola mais perto de casa.

A avaliação, a preocupação excessiva com as notas, não são também um sintoma de obsessão da nossa sociedade?
Sim. O mais importante é que as crianças se apaixonem pela aprendizagem, mais do que por terem boas notas. A maior prenda que podemos dar aos nossos filhos é incutir-lhes o gosto por aprender. Os melhores alunos são miúdos que gostam de aprender.

Como se pode tentar passar o gosto por saborear em vez de consumir?
A primeira coisa que podemos tentar é não consumirmos nós próprios, no dia-a-dia. Não consumir tecnologia, ócio. Não temos que fazer 25 coisas ao fim de semana, podemos simplesmente passar o fim de semana sem fazer NADA. Estar em casa, brincar, dar um passeio. Quando consumimos muito, damos impressão à criança de que tudo acontece muito depressa, de que tem de estar sempre ocupada, sempre feliz. Das primeiras coisas a fazer é dar à criança a liberdade e a confiança para não ter de fazer nada. Depois, é importante não dar demasiada importância ao resultado. Podemos jogar a passar a bola, sem ser a marcar golos.

A nossa sociedade vive cheia de pressa?
Sim. Vivemos num modelo que diz que fazer depressa é fazer melhor. Não é verdade. Um tomate biológico é melhor que um tomate de estufa. Se se for maduro aos 7 anos, em que idade se vai ser imaturo? É muito importante respeitar os ritmos das crianças.

O que mais o fascina no cruzamento da neurologia com a pedagogia?
facto de tudo encaixar. Tudo faz sentido quando juntas a neurologia (que explica como aprende o cérebro), a pedagogia (que explica como aprendemos) e a psicologia (que nos explica o que fazemos e sentimos). As memórias afetivas, por exemplo, são as mais antigas. Situam-se na parte do “cérebro emocional”. Podemos esquecer quem é uma pessoa, mas não esquecemos que nos sentimos bem ao pé dela. Um filho nunca vai esquecer uma bofetada. Mesmo que isso não seja consciente.

Irritações

isabel-leal-rsh-2011-230Isabel Leal, psicóloga, CARAS

“Irritamo-nos. Uns muito e muitas vezes e outros só de vez em quando, de forma relativamente discreta. Por vezes até os mais pacíficos e controlados se irritam de forma exuberante e há alguns que vivem em estado de permanente irritação.

Irritamo-nos, dizemos nós, porque vamos tendo muito bons motivos para tal: ele é o trânsito que é sempre caótico e os outros condutores que são distraídos, aselhas ou mal-educados; ele é a nossa equipa favorita que é sempre prejudicada pelos árbitros, ou pelos sorteios ou pelos jornalistas ou pelos dirigentes; ele é a politica que não é séria, que dá abrigo a corriptos, a protetorados de amigos, que não resolve os reais problemas que é suposto resolver; ele é as empresas dos vários serviços básicos que nos dão música em horas infinitas de espera telefónica para tentarmos resolver problemas que não arranjamos; ele é os funcionários, nossos, dos outros, públicos, privados e mistos, que são simpáticos e ineficazes, que são profissionais e lentos, que não são profissionais e são irritantemente descontraídos e encantadores. Ele é o tempo, as esperas, a incivilidade,os imprevistos que não se controla, as pessoas, a ignorância ostentada, as múltiplas disfuncionalidades do dia-a-dia.

Existem sempre razões que podemos invocar para justificar as nossas irritações, mas o facto é que diferentes sujeitos colocados perante os mesmos estímulos reagem de forma muito diferente, o que quer dizer que há um fator individual que joga um papel definitivo nesta coisa da irritação. Ou seja, se irritarmo-nos faz parte do leque de respostas emocionais que todos experimentamos, a variabilidade da frequência e da intensidade com que o fazemos dizem-nos que a irritabilidade não é unicamente função da situação. A irritabilidade é uma característica pessoal que, nalguns casos, convive com reais perturbações de humor em quadros a que chamamos distímicos e, em muitos outros, é apenas um deficiente controlo emocional que pode e deve ser corrigido. Nem que seja porque viver irritado é penoso, cansativo e irritante, até para o próprio.”

foge da ira

Ter uma vida

isabel-leal-rsh-2011-230Isabel Leal, psicóloga, CARAS

“Tem uma vida!” ou “arranja uma vida!” é uma expressão que se vai ouvindo e que quer dizer “não chateies”. Fica bem aplicada em situações em que alguém valoriza excessivamente um detalhe, mostra hiper preocupação em relação a terceiros ou se leva demasiado a sério. Claro que toda a gente tem uma vida: boa, má, monótona, incrível, cheia, desafiante, triste, fabulosa, vazia, apaixonante, frustrada, etc.

Seja como for que adjetivemos a nossa vida, o que felizmente muda com o tempo, as experiências e elaborações que vamos conseguindo, o facto é que temos a extraordinária e improvável circunstância de sermos. Neste caso, como em todos, há diferentes perspectivas, pelo que não serão poucos os que acham que não faz sentido gastar superlativos a gabar a existência, já que é o único estado que conhecemos. Muitos outros nem têm como colocar a questão, que nunca os visitou nem inquietou, e da existência têm uma consciência moderada quando não apenas pragmática e literal. Alguns, no entanto, genuinamente sentem que a existência merece celebração. Sentem que a existência, para lá de todos os constrangimentos, vicissitudes e contratempos é, em si mesma, uma oportunidade e que por isso o tempo disponível, as diferentes fases da vida, os vários acidentes de percurso, os encontros felizes, os amores vividos, os laços estabelecidos, as pequenas e grandes perdas e conquistas, devem ser saboreados com respeito e a devoção que têm todas as experiências únicas e irrepetíveis.

Ter uma vida é o oposto da metáfora de outros tempos da vizinha sempre debruçada à janela a ver o que os outros fazem e como fazem, e a partir daí ter assunto e ser um ponto de interesse.

Ter uma vida quer dizer envolver-se naquilo que nos diz respeito e ao mundo que nos concerne e poder distinguir o essencial do acessório, o relevante do circunstancial, o que deixa lastro e tem consequências do que é efémero e pontual.

Ter uma vida quer dizer ser o protagonista da sua própria história, assumir as responsabilidades por inteiro e, a partir desse lugar, construir sentidos, uns próprios, outros partilhados. É definitivamente bom ter uma vida!

Falhar melhor

índiceKatya Delimbeuf, E, Expresso

No início deste mês, um professor de psicologia da Universidade de Princeton (EUA) publicou na conta do Twitter o seu ‘currículo de fracassos’. Joannes Haushofer fê-lo com um objetivo claro: “A maior parte das coisas que tento fazer não vingam, mas esses fracassos costumam ser invisíveis – ao contrário dos sucessos”, explicava o professor. “Percebi que isso dava por vezes a impressão de que a maioria das coisas me corre bem. Mas a verdade é que o mundo é imprevisível, as candidaturas dependem da sorte, e os comités de seleção têm dias maus”, escreveu. O professor de psicologia inspirou-se num artigo divulgado na revista “Nature”, em 2010, da neurobióloga Melanie Stefan, da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Ela escrevia na altura: “Há que reparar que o seu currículo de fracassos será seis vezes maior do que o seu currículo normal.” Mas apesar de isso ser “totalmente deprimente à primeira vista, pode ser que inspire um colega seu a esquecer a rejeição ou insucesso, e a começar de novo”.

O tema pode parecer corriqueiro, mas a verdade é que saber enfrentar o erro e aprender a lidar com ele é parte essencial no caminho do sucesso. Os erros escondem oportunidades de crescimento que podem revelar-se essenciais. O psicólogo Paulo Gomes argumenta que ‘os fracassos’ são inevitáveis, mas que “isso é geralmente uma coisa boa!”, “O desenvolvimento raramente acontece em linha reta”, lembra, e a “forma de encarar o erro pode e deve ser trabalhada desde muito cedo”. Cita uma investigação divulgada em abril deste ano na “Psychological Science”, que dá conta que “a crença que as crianças têm sobre se a inteligência é fixa ou maleável é determinada pela visão dos pais sobre o fracasso – e não sobre a inteligência”. Quer isto dizer que há pais que olham para o fracasso como algo intrinsecamente negativo, enquanto outros se focam mais nos resultados e no processo de aprendizagem. “Esse tipo de mentalidade fixa estabelece-nos limites: passamos a evitar as dificuldades e os erros, e fracassos são encarados como catástrofes”, alerta Paulo Gomes. “Ao contrário, tendo uma adequada mentalidade face aos fracassos, podemos ver os erros como oportunidades de aprendizagem, e perceber que são inevitáveis no caminho do sucesso. “É importante, assim, que nos foquemos no processo – e não no resultado final. E “que se falhe muito e muitas vezes, afirma o psicólogo. “Se isso não acontecer, é porque provavelmente, não estamos a tentar a sério, não estamos a correr riscos e a testar os nossos limites.”

Não há ‘homem de sucesso’ que não tenha recebido nove negativas por cada dez iniciativas. O segredo está em ‘aguentar’ até à décima tentativa sem perder o sorriso. Faz parte da vida cair e tornar a levantar. Além disso, lembra Charles Dickens, “cada fracasso ensina ao Homem que tem algo a aprender”. Aprendamos pois, sem medo.

Conhece-te a ti mesmo

índiceCarlo Strenger, O medo da insignificância

As pessoas sentem a necessidade imperiosa de se tornarem verdadeiramente o que sentem que poderiam ser. Não querem continuar a gastar energia em actividades que não servem aquilo que sentem ser a essência das suas vidas. Restringir a vida ao essencial exige que nos perguntemos sobre o que queremos que sejam realmente as nossas vidas. As perguntas (…) podem ser bastantes radicais: Quais são as minhas preocupações mais profundas? O que me interessa? Qual é o meu lugar no mundo? Tocam na essência daquilo que somos e são, em contrapartida, bastante assustadoras. O que não é fácil e não deixa de envolver riscos. Porém, temos sempre de nos lembrar que o risco de não vivermos plenamente as nossas vidas acarreta um preço que pode ser ainda mais elevado. (…)

Restringir a vida ao essencial e centrar-se na criação tem duas funções: liberta-nos da consciência do eu e do tempo e permite-nos estarmos imersos numa atividade que experienciamos como intrinsecamente significativa. Também requer frequentemente o processo doloroso do autoconhecimento e o compromisso com um tema central que nos forneça significado. Este processo é muito diferente do mito de um eu plenamente verdadeiro que irrompe no mundo. Muitas vezes, envolve tentativas, erro e a aprendizagem sobre si mesmo. Nesse percurso, precisamos muitas vezes de abandonar ilusões. Acima de tudo, temos de abandonar a ideia errada de que a liberdade consiste na ausência de limitações. Restringir a vida ao essencial requer o compromisso com poucos temas que serão a principal fonte de significado das nossas vidas. Este compromisso significa que aceitamos que não teremos muitas coisas nas nossas vidas.

O modelo de restrição da vida ao essencial não tem maior probabilidade de ser adequado para todos do que qualquer outro modelo. Nem todos nós sentimos que temos necessidade de um tema central em torno do qual organizamos as nossas vidas. Alguns de nós sentem-se bem com uma concepção de vida menos ativa que está mais dispersa entre muitos interesses, amores e atividades. Não obstante, é interessante e intrigante, no sentido em que vai contra o núcleo da nossa cultura de consumo global crescente. É um modelo que, no meio das preocupações emergentes sobre a ecologia natural e humana, se prova ser importante nestes tempos conturbados da história humana. Colocar as nossas vidas no centro da nossa atenção requer um sistema de sentido estável que organize os nossos valores. Não podemos centrar as nossas vidas em torno de um tema sem termos uma visão de mundo que nos diga o que é importante, verdadeiramente valioso e o que não passa de uma distração que não deve esgotar as nossas energias. Por isso, devemos passar à questão de saber como pode o Homo globalis desenvolver visões de mundo que resistam ao escrutínio crítico e, desse modo, forneçam um ponto de ancoragem necessário para viver uma vida plena e com significado.

As tarefas complicadas

isabel-leal-rsh-2011-230Isabel Leal, psicóloga, CARAS

Vivemos tempos em que os modelos difundidos como sendo aqueles que temos de copiar ou seguir para termos sucesso, vivermos melhor, sermos mais felizes são, ou mais longínquos, ou muito exigentes. Exigem uma juventude que é demasiado rápida, uma beleza que espelha um gasto de produção dispendiosa de muitas maneiras, uma atitude de confiança que não se sabe bem onde adquirir, uma inteligência que não se compra em saldos e, genericamente, estilos de vida que parecem ser cada vez menos compatíveis com a realidade que é a nossa.

Tomamos a parte pelo todo num gosto desmesurado de metonímias e conseguimos chegar ao desconforto e à infelicidade quando damos conta que nos afastamos ponto por ponto, em quase tudo, dos modelos que num dado momento abraçámos como nossos, mesmo que sem grande entusiasmo ou convicção.

Refletindo por gosto, distração ou necessidade existencial sobre os processos que nos influenciam e nos tornam alvos, mais ou menos fáceis, desses e doutros modelos que acabam por nos empurrar em escolhas e decisões quase definitivas, chegamos frequentemente a uma zona de inquietante incredulidade sobre a nossa sanidade mental ou sobre a esperteza de que somos dotados.

Quando percebemos que o que somos e quem somos não nos chega e até nos embaraça e nos refugiamos, vezes sem conta, em papéis que pedimos de empréstimos, em gostos que não são nossos ou em escolhas que visam, sobretudo, granjear reconhecimento de conhecidos que não prezamos especialmente ou de audiências imaginárias que, de facto, sabemos que não temos, está na altura de começar de novo.

Começar, ou recomeçar, não exatamente uma busca de outros modelos que sejam menos frustrantes, mas a reconstrução de sentidos próprios que, infelizmente, não nos ensinaram em casa ou na escola nem nos é facilitada por um mundo rápido e pronto a servir, é uma tarefa complicada.

De qualquer modo, se chegarmos a esse momento de necessidade e conseguirmos articular novas perguntas, tudo o que aprendemos, fizemos e sentimos ajuda-nos a chegar a outras respostas. Pelo menos fica a consolação de não sermos um desperdício.

“Vive a tua vida”

in Notícias Magazine

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Andamos tristes. Detestamos a nossa imagem. O trabalho é um inferno. Por vezes, sentimos que não aguentamos mais. A boa notícia, diz Enrique Rojas, é que podemos sempre alcançar a felicidade se tivermos a atitude certa. 

QUEM É ENRIQUE ROJAS?
Professor catedrático de Psiquiatria e Psicologia Médica, humanista e um dos psiquiatras mais conceituados de Espanha. É diretor do Instituto Espanhol de Investigação Psiquiátrica de Madrid e presidente da Fundação Rojas-Estapé. Os seus livros (dos quais Vive a Tua Vida é o mais recente) estão publicados em vários países.

Vivemos numa sociedade neurótica? Muito madura tecnicamente, mas perdida em termos humanos?
Hoje em dia, o primeiro objetivo de um jovem que atinge a idade adulta é um projeto de trabalho, o afetivo vem em segundo lugar. E mesmo esse desliza para um certo consumo de contacto físico e pouco mais, o que produz um alto nível de superficialidade. Nunca houve tanta informação sobre a afetividade como agora, e no entanto as pessoas parecem mais perdidas do que nunca. O meu conselho é que se trabalhe a chamada inteligência instrumental, muito em voga entre psiquiatras e psicólogos, que consiste em quatro aspetos: (1) ordem na cabeça, na vida e em casa, de modo a saber o que priorizar; (2) constância a perseguir os objetivos com tenacidade e realismo; (3) vontade firme de querer algo e ir à luta; (4) e motivação para crescer com as dificuldades da vida, sem nunca perder de vista a meta. São essas as joias da coroa de qualquer conduta.

Quais as ferramentas de que o ser humano dispõe para tirar o melhor de si mesmo?
Do ponto de vista psicológico, podemos resumi-las a isto: ter uma personalidade equilibrada, madura, bem construída. Manter um projeto de vida coerente e realista, assente em quatro grandes pilares que são o amor, o trabalho, a cultura, a amizade. E temperar tudo com uma vontade forte para não sermos vítimas de quebras de ânimo permanentes. Há quem necessite constantemente da aprovação de terceiros, mas ninguém de fora pode confirmar o nosso próprio valor. Se olharmos em volta, vemos que as pessoas mais populares são justamente as que não tentam adaptar-se a ninguém nem parecer o que não são, agindo com amabilidade e naturalidade diante dos outros.

Tudo tem solução menos a morte? Tenhamos nós a idade que tivermos?
Tudo tem solução se vivermos realmente a vida, assumirmos a realidade sem cair na resignação e apelarmos aos nossos recursos pessoais através da autoestima, da motivação, da adaptação à mudança e da compreensão dos outros. A missão deste Vive a Tua Vida é precisamente mostrar os principais sabores psicológicos de cada etapa, da infância à velhice.

E como se explora essa vivência da autoestima, que por um lado é tão importante mas, por outro, está tão desprotegida?
A autoestima é um dos conceitos modernos mais importantes em psicologia e significa que a valorização que fazemos de nós mesmos, conhecendo as nossas aptidões e as nossas limitações, é positiva. Isto traduz-se em segurança e autoconfiança, quer o indivíduo seja um condutor de autocarros, um arrumador, alguém que vende fruta na praça, um engenheiro ou um arquiteto. E essa autoconfiança está depois na base da assertividade, que é aquilo que faz com que uma pessoa saiba defender os seus direitos e opiniões de forma clara e respeitosa, sem necessidade de ofender os outros  nem de se rebaixar, reconhecendo quando erra e sendo conciliadora por natureza.

Isso é fundamental para a sobrevivência psicológica? Para a felicidade?
A felicidade é um resultado. É a soma e o compêndio de uma vida autêntica, em que alguém soube perdoar as suas próprias falhas e debilidades. Vou dar-lhe uma cascata de definições da felicidade. Dependendo da ótica de quem a contempla, existem momentos felizes: sonhos felizes, natais felizes, fins de semana felizes. Também podemos falar de um ponto de vista temporal: a felicidade como um sofrimento superado ou como um saber parar o relógio para saborear o presente. Vou dizê-lo de forma categórica: felicidade é fazer algo com a própria vida que valha a pena. Torná-la uma pequena obra de arte, cada qual dentro das suas possibilidades. É sonhar.

Porque se ressente então a dada altura das nossas vidas, quase como se fosse uma inevitabilidade?
Os seres humanos têm um diálogo interno consigo mesmos, é natural. Mas se o diálogo for negativo e resultar numa paralisação da nossa atividade, estamos condenados a sofrer de baixa autoestima, o que terá como consequência um resíduo de insegurança e de dúvidas face a qualquer desafio que nos surja pela frente. Um dos erros mais frequentes que cometemos é compararmo-nos com os demais, porque aí contrapomos superfícies, não profundidades. E desse caminho resulta a inveja, que não é mais do que tristeza com a satisfação alheia. Repito: a felicidade é estarmos contentes connosco, cientes de que fizemos o maior bem possível e o menor mal consciente.

E como conseguimos conciliá-la com um mundo em que trabalhar demasiado nunca é suficiente? Sobretudo se no final não sobra tempo para desfrutá-la…
Nunca se pode dar mais importância à vida profissional do que à vida familiar, social ou sentimental. Quando alguém trabalha mais do que as horas que lhe são atribuídas, quando leva o stress para casa, acabará por pagar com deterioração da vida pessoal e da própria saúde mental e física. O primeiro passo para mudar algo que não está bem é pegar em papel e lápis, apontar dois ou três objetivos que possamos medir e depois fazer por alcançá- los. Acredito muito na cultura do esforço que coloca a vontade em primeiro lugar. Desta maneira, é mais fácil, para qualquer um, tornar os seus sonhos realidade.

O que devem os pais fazer para ensinarem os filhos a viver bem as suas vidas?
Dado que a infância é a etapa da vida em que se semeia o potencial do ser humano, a futura autoestima das crianças depende da forma como os pais as encaminham nesta fase formativa. Sugiro que comecem eles mesmos por dar o exemplo e lhes incutam o conceito de se trabalhar para conseguir algo – o êxito fácil não existe. Meçam bem todas as palavras – uma crítica infeliz pode diminuir a confiança – e mostrem abertamente que as amam com beijos e carinhos. Estabeleçam ainda pequenos objetivos, passo a passo, e não as comparem com outras crianças, um mau hábito que está por trás de muitos complexos, invejas e frustrações.

A terceira idade também ganhou uma cronologia complexa desde que a esperança média de vida cresceu no Ocidente. Quando é que uma pessoa é, de facto, velha?
A velhice não depende da idade, mas das ilusões por cumprir – pode dizer-se que existe uma velhice biológica e uma psicológica. Uma pessoa é velha quando começa a olhar mais para trás do que para a frente, quando se concentra mais nos factos passados do que nos projetos futuros. Isso é velhice: uma pessoa já ter dificuldade em ver para a frente. Daí ser fundamental que o final da vida nos apanhe com projetos e ilusões, apesar de o corpo responder cada vez menos. Fazer planos quando chegam as férias. Praticar exercício, conviver, aproveitar bem a vida. E sermos capazes de perdoar, a nós mesmos e aos outros, os erros que possamos ter cometido no caminho. Hoje em dia existem avós muito jovens.

Como se enfrenta a expectativa da morte sem perder o otimismo?
A espiritualidade é um alimento essencial para momentos de confusão, doença ou perda. Ninguém sabe o que vai encontrar no fim, de modo que as pessoas que cultivam a fé estarão mais preparadas para essa etapa da vida, com o seu fundo dramático. O budismo, por exemplo, fala da morte como repouso. Enquanto estivermos cá, digo aos meus pacientes: «Aproveita o dia, dedica o teu tempo aos netos. Desfruta.»

Ser feliz é possuir aquilo que desejamos, sem desejar demasiado nem confundir as expectativas?
Penso que há duas coisas essenciais para alcançarmos a felicidade, que são a cultura e a tal espiritualidade de que falava há pouco. A cultura é liberdade, é a estética da inteligência. A piscadela de olho que nos faz querer saber os segredos mais importantes da vida. Já a espiritualidade é transcendência, uma visão alargada e panorâmica do jogo da vida. É uma pena que ambas se percam nos excessos de uma sociedade tão rápida como a nossa.

Vocação

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“Eu não escolhi a Psicologia Positiva. Foi ela que me chamou. Era o que eu queria desde o primeiro momento, mas a Psicologia Experimental, e depois a Psicologia Clínica, eram os únicos brinquedos disponíveis que me faziam lembrar o meu chamamento. Não o consigo dizer de uma forma menos mística. Vocação – ser chamado a agir em vez de optar por agir – é uma palavra antiga, mas é algo real. A psicologia Positiva chamou-me tal como a sarça ardente chamou a Moisés.

Os sociólogos distinguem entre um emprego, uma carreira e um chamamento. Temos um emprego em troca de dinheiro e, quando o dinheiro para, nós paramos de trabalhar. Seguimos uma carreira por causa das promoções e, quando as promoções param e já não podemos progredir mais, desistimos ou limitamo-nos a cumprir horários. Um chamamento, por comparação, vale por si próprio. Mesmo que não fôssemos pagos nem promovidos, fa-lo-íamos na mesma. “Ninguém me consegue parar!”, grita o nosso coração quando encontramos algum obstáculo.”

Martin Seligman in “A VIDA QUE FLORESCE”