Carlo Strenger, O medo da insignificância
As pessoas sentem a necessidade imperiosa de se tornarem verdadeiramente o que sentem que poderiam ser. Não querem continuar a gastar energia em actividades que não servem aquilo que sentem ser a essência das suas vidas. Restringir a vida ao essencial exige que nos perguntemos sobre o que queremos que sejam realmente as nossas vidas. As perguntas (…) podem ser bastantes radicais: Quais são as minhas preocupações mais profundas? O que me interessa? Qual é o meu lugar no mundo? Tocam na essência daquilo que somos e são, em contrapartida, bastante assustadoras. O que não é fácil e não deixa de envolver riscos. Porém, temos sempre de nos lembrar que o risco de não vivermos plenamente as nossas vidas acarreta um preço que pode ser ainda mais elevado. (…)
Restringir a vida ao essencial e centrar-se na criação tem duas funções: liberta-nos da consciência do eu e do tempo e permite-nos estarmos imersos numa atividade que experienciamos como intrinsecamente significativa. Também requer frequentemente o processo doloroso do autoconhecimento e o compromisso com um tema central que nos forneça significado. Este processo é muito diferente do mito de um eu plenamente verdadeiro que irrompe no mundo. Muitas vezes, envolve tentativas, erro e a aprendizagem sobre si mesmo. Nesse percurso, precisamos muitas vezes de abandonar ilusões. Acima de tudo, temos de abandonar a ideia errada de que a liberdade consiste na ausência de limitações. Restringir a vida ao essencial requer o compromisso com poucos temas que serão a principal fonte de significado das nossas vidas. Este compromisso significa que aceitamos que não teremos muitas coisas nas nossas vidas.
O modelo de restrição da vida ao essencial não tem maior probabilidade de ser adequado para todos do que qualquer outro modelo. Nem todos nós sentimos que temos necessidade de um tema central em torno do qual organizamos as nossas vidas. Alguns de nós sentem-se bem com uma concepção de vida menos ativa que está mais dispersa entre muitos interesses, amores e atividades. Não obstante, é interessante e intrigante, no sentido em que vai contra o núcleo da nossa cultura de consumo global crescente. É um modelo que, no meio das preocupações emergentes sobre a ecologia natural e humana, se prova ser importante nestes tempos conturbados da história humana. Colocar as nossas vidas no centro da nossa atenção requer um sistema de sentido estável que organize os nossos valores. Não podemos centrar as nossas vidas em torno de um tema sem termos uma visão de mundo que nos diga o que é importante, verdadeiramente valioso e o que não passa de uma distração que não deve esgotar as nossas energias. Por isso, devemos passar à questão de saber como pode o Homo globalis desenvolver visões de mundo que resistam ao escrutínio crítico e, desse modo, forneçam um ponto de ancoragem necessário para viver uma vida plena e com significado.